FORNECIMENTO
DE ENERGIA ELÉTRICA
INADIMPLÊNCIA- CORTE- LEGALIDADE
Processo: REsp 684442 /
RS ;
RECURSO ESPECIAL: 2004/0120959-0
Relator(a) : Ministro JOSÉ DELGADO (1105)
Relator(a) p/ Acórdão : Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador : T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento : 03/02/2005
Data da Publicação/Fonte : DJ 05.09.2005 p. 260
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II,
DO
CPC. NÃO CONFIGURADA. CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.
INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE.
1. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de
origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão
posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado.
Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os
argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados
tenham sido suficientes para embasar a decisão.
2. A 1ª Seção, no julgamento do RESP nº 363.943/MG,
assentou o
entendimento de que é lícito à concessionária interromper
o
fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio,
o
consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento
da respectiva conta (Lei 8.987/95, art. 6º, § 3º, II).
3. Ademais, a 2ª Turma desta Corte, no julgamento do RESP nº
337.965/MG concluiu que o corte no fornecimento de água, em
decorrência de mora, além de não malferir o Código
do Consumidor, é
permitido pela Lei nº 8.987/95.
4. Não obstante, ressalvo o entendimento de que o corte do
fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica
- como
forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa,
extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea
de
respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos
serviços públicos posto essenciais para a sua vida.
5. Hodiernamente, inviabiliza-se a aplicação da legislação
infraconstitucional impermeável aos princípios constitucionais,
dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um
dos fundamentos da República, por isso que inaugura o texto
constitucional, que revela o nosso ideário como nação.
6. In casu, o litígio não gravita em torno de uma empresa que
necessita da energia para insumo, tampouco de pessoas jurídicas
portentosas, mas de uma pessoa física miserável e desempregada,
de
sorte que a ótica tem que ser outra. Como afirmou o Ministro
Francisco Peçanha Martins noutra ocasião, temos que enunciar o
direito aplicável ao caso concreto, não o direito em tese. Forçoso,
distinguir, em primeiro lugar, o inadimplemento perpetrado por uma
pessoa jurídica portentosa e aquele inerente a uma pessoa física
que
está vivendo no limite da sobrevivência biológica.
7. Em segundo lugar, a Lei de Concessões estabelece que é possível
o
corte considerado o interesse da coletividade, que significa
interditar o corte de energia de um hospital ou de uma universidade,
bem como o de uma pessoa que não possui condições financeiras
para
pagar conta de luz de valor módico, máxime quando a concessionária
tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança.
A
responsabilidade patrimonial no direito brasileiro incide sobre o
patrimônio do devedor e, neste caso, está incidindo sobre a própria
pessoa.
8. Outrossim, é voz corrente que o 'interesse da coletividade'
refere-se aos municípios, às universidades, hospitais, onde se
atingem interesses plurissubjetivos.
9. Destarte, mister analisar que as empresas concessionárias
ressalvam evidentemente um percentual de inadimplemento na sua
avaliação de perdas, e os fatos notórios não dependem
de prova
(notoria nom egent probationem), por isso que a empresa recebe mais
do que experimenta inadimplementos.
10. Esses fatos conduzem a conclusão contrária à possibilidade
de
corte do fornecimento de serviços essenciais de pessoa física
em
situação de miserabilidade, em contra-partida ao corte de pessoa
jurídica portentosa, que pode pagar e protela a prestação
da sua
obrigação, aproveitando-se dos meios judiciais cabíveis.
10. Recurso Especial provido, ante a função uniformizadora desta
Corte.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr.
Ministro Relator, dar provimento ao Recurso Especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Luiz Fux, que ressalvou o seu ponto de vista e
lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Luiz Fux
os Srs.
Ministros Teori Albino Zavascki e Denise Arruda.