CARTÃO DE CRÉDITO - NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS

Órgão : Quarta Turma Cível

Classe: APC - Apelação Cível

Num. Processo : 2000 01 1 005577-3

Apelante(s) : CREDICARD S/A. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO

Apelado(a)(s) : CARLOS ROGÉRIO ARAÚJO DE MENEZES

Relatora : Des. VERA LÚCIA ANDRIGHI

Revisor e Relator Designado : Des. SÉRGIO BITTENCOURT

E M E N T A

CIVIL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS – CARTÃO DE CRÉDITO – ENCARGOS FINANCEIROS – CLÁUSULA MANDATO – NULIDADE – JUROS – LIMITAÇÃO.

Havendo mera probabilidade da existência de conflito de interesses entre o mandatário e o mandante, nulo será o negócio jurídico realizado mediante representação, circunstância em que a causa da invalidade será a mera iminência do conflito, mesmo que ausente a sua materialização.

As administradoras de cartão não integram o sistema financeiro nacional, nos termos dos arts. 17 e 18, § 1°, da Lei n° 4.595/64. Logo, não estão autorizadas a praticar juros acima do limite legal. Assim e uma vez declarada a nulidade da cláusula que possibilita a captação de recursos junto ao mercado financeiro (cláusula mandato), aplica-se ao contrato de uso de cartão de crédito, no que se refere ao percentual dos juros remuneratórios, o limite previsto pelo Decreto n° 22.626/33, devolvendo-se ao consumidor o dobro do montante pago em inobservância ao referido diploma legal (art. 42, parágrafo único, do CDC).

 

A C Ó R D Ã O

 

Acordam os Senhores Desembargadores da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, VERA LÚCIA ANDRIGHI – Relatora, SÉRGIO BITTENCOURT – Revisor e Relator Designado e LECIR MANOEL DA LUZ – Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ESTEVAM MAIA em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. MAIORIA. VENCIDA A RELATORA, REDIGIRÁ O ACÓRDÃO O REVISOR, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 13 de dezembro de 2001.

Desembargador ESTEVAM MAIA

Presidente

 

Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT

Relator Designado

R E L A T Ó R I O

Carlos Rogério Araújo de Menezes ajuizou ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais c/c revisão de contrato de adesão e repetição de indébito contra Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito (Cartão Unibanco Mastecard), onde insurge-se contra os encargos incidentes sobre o débito e afirma grande defasagem entre os pagamentos e o valor das compras efetuadas, motivo por que formula os seguintes pedidos:

"a) não apontamento, ou se já realizada, a exclusão do seu nome dos cadastros de proteção ao crédito;

b) aplicação dos devidos encargos legais;

c) vedação de capitalização de juros e de juros excessivos;

d) declaração de nulidade das cláusulas abusivas e excessivamente onerosas, cuja existência está comprovada pela inexistência da autonomia da vontade e vantagem exagerada deferida ao credor;

e) limitação de juros de 12% ao ano, conforme previsão do Decreto 22.626/33; e,

f) devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente e pagos pelo autor, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC."

Após regular processamento do feito, o MM. Juiz proferiu a r. sentença de fls. 205/216 e julgou procedentes os pedidos para:

"a) declarar nula a cláusula 10ª do contrato firmado entre as partes, que permite à administradora obter financiamento em instituições financeiras para custear a dívida no caso de pagamento mínimo pelo titular do cartão;

b) condenar a ré a limitar o repasse dos financiamentos aos juros estabelecidos no Decreto 22.626/33, ou seja, 12% ao ano;

c) condenar a ré a devolver os valores cobrados, excedentes da taxa de 12% ao ano, em dobro (art. 42, parágrafo único, do CDC;

d) condenar a ré ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa."

A requerida interpôs a apelação de fls. 227/252, sustentando que :

a) é legal a cobrança dos encargos descritos na fatura do cartão de crédito, não estando sujeita à limitação de juros da Lei de Usura, conforme reiterada jurisprudência;

b) a ré, representada pela Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e Serviços firmou com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, "Termo de Ajustamento de Conduta", enviado a todos os Procon’s, publicado no Diário Oficial da União, cumprindo fielmente o que foi estabelecido, estando assim legalmente amparada para tanto;

c) é perfeitamente válida a cláusula n.º 10 do contrato, que se identifica como cláusula mandato, onde o associado pode optar pelo financiamento de seu débito, outorgando poderes à administradora a captar no mercado financeiro os recursos e numerário necessário para saldar a dívida junto ao comércio que lhe é credenciado;

d) os itens referentes ao "custo do financiamento", "remuneração da administração do financiamento" e "remuneração de garantia" foram mensalmente informados ao autor através de suas faturas, nos "encargos contratuais do período" e "encargos contratuais máximos para o próximo período", sendo claramente especificados na cláusula 10ª do Contrato de Prestação de Serviços de Administração de Cartão de Crédito;

e) os encargos contratuais máximos para o próximo período eram informados ao autor de forma que pudesse decidir se iria ou não ter condições de financiar suas compras antes mesmo de realizá-las, não sendo verídica sua assertiva de que não tinha conhecimento prévio dos encargos;

f) não obstante tratar-se na espécie de um contrato de adesão, o autor teve plena liberdade de contratar com a ré, ou com outra empresa que ofereça serviços similares, e que lhe parecesse mais vantajosa economicamente;

g) o réu em momento algum contestou as cláusulas do contrato, ou os valores lançados na fatura, o que poderia fazer amparado na cláusula 15 do contrato, que prevê a prestação de contas por parte da administradora;

h) os encargos cobrados estão respaldados no contrato entabulado entre as partes e, efetuando o réu o pagamento mínimo da fatura, o valor da dívida muda, pois a administradora não é instituição bancária, tendo de se socorrer ao mercado financeiro para captar recursos;

i) o autor não comprovou suas alegações, tendo desistido inclusive da prova pericial que havia requerido inicialmente, e, por fim;

j) o autor sempre teve ciência dos encargos incidentes sobre o débito, porque descritos na fatura, e, não obstante efetuar o pagamento mínimo ali descrito, continuava a realizar compras, o que permite concluir que concordava com esses encargos, posto que caso contrário não mais faria compras com o cartão.

Preparo, fls. 253.

Contra-razões, fls. 257/266.

É o relatório.

 

V O T O S

A Senhora Desembargadora VERA LÚCIA ANDRIGHI – Relatora

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

O autor entabulou com a ré Contrato de Prestação de Serviço de Administração de Crédito, e postula na presente ação a declaração de nulidade de cláusulas relativas à taxa de juros praticada, sua cumulação e outros encargos que no seu entender estão sendo cobrados excessivamente, pleiteando também, em face da alegada cobrança excessiva, a restituição em dobro do que pagou.

O MM. Juiz, ao apreciar a contenda, entendeu que sua solução seria perquirir a nulidade ou não da cláusula n.º 10 do contrato, denominada cláusula mandato, porque permite à ré, no caso de pagamento parcial da fatura por parte do consumidor, buscar financiamento no mercado financeiro, cujo custo desse financiamento seria repassado ao titular do cartão de crédito.

Nesse contexto, assim manifestou-se o MM. Juiz na r. sentença:

"Se por um lado se permite à Reqda. buscar os recursos no sistema financeiro repassando os juros ao autor, por outro a cláusula que estabelece tal mandato deve ser clara para o consumidor e indicar expressamente em que instituições serão buscados esses recursos e quais serão as taxas de juros repassados. Se assim não for o contratante estará desprotegido, sem saber nem mesmo como serão utilizados os poderes que outorgou. O consumidor estará outorgando poderes quase ilimitados à prestadora de serviços sem saber onde e como serão utilizados.

Soubesse o consumidor os limites propostos para o mandato outorgado, poderia decidir com maior clareza sobre a utilização ou não dos serviços. Tal como se deu a prestação, forçoso convir que a cláusula é abusiva, e portanto nula.

Se a cláusula é nula, não valendo o mandato outorgado à Reqda. não poderia repassar ao autor juros de mercado, pois não é instituição financeira, mas deveria, isso sim, limitar o repasse à taxa de juros de que trata o Decreto 22.626/33. Inaplicável, no caso a súmula 596 do Supremo Tribunal Federal.

Caberia, ademais, à Reqda., demonstrar que esclareceu o consumidor dos termos do contrato, em respeito ao art. 6º VIII do CDC, o que não fez."

Com a mais respeitosa vênia ao juiz prolator da r. sentença, não é essa a conclusão que se extrai dos autos.

Das faturas juntadas às fls. 75/81, verifica-se que o autor quitou integralmente apenas aquela de fl. 75-a, sendo que as demais sempre efetuava pagamento a menor que o total devido, ocasionando a incidência dos encargos no saldo restante a ser financiado pela administradora ré.

Por outro lado, não se pode dizer que o autor não tinha conhecimento desses encargos que iriam incidir sobre o débito, pois estes constam expressamente da fatura, inclusive o que seria cobrado no próximo período, ou seja, o autor tinha conhecimento antecipado do encargo máximo que teria de suportar caso não quitasse a fatura integralmente.

Não é despiciendo dizer também, que o autor não raras vezes efetuava pagamento parcial da fatura, e mesmo assim continuava utilizando-se do cartão para a realização de outras compras, nunca cessando sua dívida. Evidencia-se, assim, que não obstante o conhecimento do encargo incidente sobre o pagamento mínimo, continuava a utilizar o cartão, demonstrando anuir com o ali estipulado, pois caso contrário, o que se esperava é que não se utilizasse do crédito que era colocado à sua disposição.

Assim, não pode agora o autor, após utilizar-se inúmeras vezes do crédito que lhe era disponibilizado no cartão, sem efetuar o respectivo pagamento, vir discutir sobre a abusividade das taxas utilizadas pela administradora.

Aliás, sobre esse aspecto, duas considerações são importantes.

A primeira delas é que esses encargos eram do conhecimento do autor, porque constavam expressamente de suas faturas. Como exemplo, pode-se citar a fatura de fl. 75-c, onde está previsto o percentual de 9,34% para encargos do período, e 10,84% para encargos máximos para o próximo período. Evidente, portanto, que os encargos eram individualizados na fatura, caso esta não fosse quitada integralmente. Da mesma forma com relação à multa moratória de 2% e juros de mora de 1%, que também encontra-se prevista expressamente na fatura, para o caso de pagamento posterior ao vencimento.

Outro ponto relevante é que o e. STJ consolidou entendimento no sentido de que aplica-se aos cartões de crédito a Súmula 596, do STF, motivo porque suas transações não se limitam ao percentual de juros do Decreto 22.626/33.

A propósito, vejamos:

"COMERCIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 4.595/64. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N. 596-STF. I. Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de cartão de crédito. II. Recurso especial conhecido e provido." (RESP 297500/RS, DJ DATA:30/04/2001 PG:00139, Rel. Min. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR)

 

"CARTÃO DE CRÉDITO. Juros. Limitação. Aplicação da Súmula 596/STF. Vencido nessa parte o relator. Recurso conhecido parcialmente e provido." (RESP 276003/SE ; DJ DATA:11/06/2001 PG:00231, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR)

 

"CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. JUROS. LIMITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO. 1. Cuidando-se de operações realizadas por instituição integrante do sistema financeiro nacional, não se aplicam as disposições do Decreto n° 22.626/33 quanto à taxa de juros. Súmula n° 596-STF. 2. Capitalização de juros. Solução da espécie que envolve o reexame de matéria fática e a análise de estipulações contratuais. Recurso especial não conhecido." (RESP 202373/RJ, DJ DATA:23/08/1999 PG:00132, Rel. Min. BARROS MONTEIRO)

Cabe ressaltar ainda, que constam das faturas as compras realizadas, os encargos incidentes, o pagamento máximo e mínimo, o que possibilita ao titular do cartão reclamar eventuais erros e tomar conhecimento dos juros cobrados no período em que deixou de efetuar o pagamento total da fatura.

Dessa forma, não se verifica no caso vertente, a abusividade constatada pelo MM. Juiz na r. sentença, pois as informações necessárias foram repassadas ao autor, tais como valor da dívida, pagamento mínimo, encargos para o caso de pagamento mínimo, juros e multa para o caso de mora, consoante melhor interpretação dos arts. 46 e 52, do CDC.

Nesse contexto, em face da validade das cláusulas do contrato, mormente a cláusula 10ª, bem como quanto à ausência de previsão legal para limitar os juros em 12% ao ano, impõe-se também a improcedência do pedido que condenou a ré ao pagamento em dobro dos valores cobrados, porque estes ocorreram conforme previsão contratual.

Isto posto, conheço da apelação e dou-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial.

Invertida a sucumbência, arcará o autor com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.

É o voto.

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT – Revisor e Relator Designado

Presentes os pressupostos de admissibilidade, também conheço do recurso.

Cuida-se de ação ordinária objetivando a declaração de nulidade de cláusula inserida em contrato de utilização de cartão de crédito (cláusula décima), bem como das disposições relativas aos encargos financeiros decorrentes da mora em que incidiu o consumidor (cláusulas dezessete e dezoito).

Ao sentenciar, o MM. Juiz a quo limitou-se ao exame da legalidade da cláusula mandato inserida no ajuste, bem como da taxa de juros remuneratórios que a mesma permite praticar, não se manifestando acerca da legalidade dos demais encargos contratuais.

Contudo, tal omissão sequer foi argüida pelo autor por meio do recurso apropriado, fato que impede que seja apreciada no bojo do apelo interposto pela ré.

Examinando a cláusula décima do contrato-padrão oferecido pela apelante (fl. 122-v), conclui-se que se trata de verdadeira cláusula mandato, já que autoriza a ré, munida dos poderes necessários, a captar, em nome e por conta do outorgante, financiamento em valor não superior ao débito de que o mesmo seja titular, podendo, para tanto, negociar e ajustar prazos, acertar as condições e o custo do financiamento contratado, bem como dos respectivos encargos, assinando, ao final, os instrumentos necessários para a devida formalização.

Trata-se, portanto, de disposição que viola a própria essência do mandato, tendo em vista o conflito de interesses existente entre o mandatário e o seu procurador, constituindo prática expressamente vedada pelo art. 51, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Neste aspecto, Nelson Nery Júnior em sua obra "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", Editora Forense Universitária, 5a edição, 1997, pág. 422 e seguintes, salienta que o desempenho do mandato no exclusivo interesse do mandante é de tal forma ínsito à própria natureza do contrato que o Código Civil, em seu art. 1.300, e o Código Comercial, em seu art. 142, determinam que o respectivo exercício dar-se-á segundo as ordens e instruções emitidas pelo mesmo ao longo da representação.

Portanto, havendo mera probabilidade da existência de conflito de interesses entre o mandatário e o mandante, nulo será o negócio jurídico realizado mediante representação, circunstância em que a causa da invalidade será a mera iminência do conflito, mesmo que ausente a sua materialização.

Ademais, nos termos da r. decisão impugnada, os poderes conferidos pela cláusula em exame permitirão à administradora de cartões a livre escolha da instituição em que o financiamento deverá ser contraído, bem como da taxa de juros a ser repassada ao consumidor, o qual não será previamente informado do teor do ajuste celebrado pela ré.

Neste aspecto, nem é possível argumentar que, na hipótese em exame, o autor recebeu informações acerca dos encargos financeiros relativos aos períodos subsequentes em cada uma de suas faturas mensais.

Isto porque, nesta ocasião, a instituição responsável pelo financiamento e os juros aplicáveis à espécie já tinham sido escolhidos pela ré, impedindo o autor de avaliar, no momento da adesão ao contrato, os encargos a serem suportados na hipótese de financiamento do débito previsto em sua fatura mensal.

Salienta-se, ainda, que é da essência do mandato a revogabilidade dos poderes conferidos ao procurador, constituindo a cláusula que estabelece a sua irretratabilidade verdadeiro atentado ao exercício da representação (cláusula 10a, item 10.3).

Assim, uma vez reconhecida a nulidade da cláusula impugnada, há que se definir se os juros pactuados poderão exceder o limite de 12% (doze por cento) ao ano definido pelo Decreto n° 22.626/33.

No ponto, é preciso esclarecer que as administradoras de cartão não integram o sistema financeiro nacional, nos termos do art. 17 e do art. 18, § 1°, da Lei n° 4.595/64.

Neste aspecto, esclarecedora é a lição de Gerson Luiz Carlos Branco, na obra "O sistema Contratual do Cartão de Crédito", Editora Saraiva, 1998, págs. 79/81, o qual, dissecando o complexo de relações jurídicas envolvidas na expedição e uso dos cartões, esclarece o papel desempenhado pelas instituições financeiras enquanto responsáveis pelo crédito que financia as compras realizadas pelo consumidor:

"A empresa administradora é um intermediário, de quem depende toda a existência do sistema. Realiza o empreendimento, seleciona os titulares do cartão, credencia sociedades mercantis, comerciantes e prestadores de serviços, que serão os fornecedores dos bens, dominando economicamente todas as posições. Além disso, sustenta normativamente o sistema, estabelecendo as regras de funcionamento do cartão tanto para os fornecedores com para os titulares, fixando os deveres contratuais e as possibilidades de negociação através de condições gerais dos negócios e de instrumentos de adesão.

Podem ser administradoras que tenham existência exclusiva para essa finalidade ou bancos, instituições financeiras. Os bancos podem emitir os cartões, gerenciando o sistema, ou associar-se à administradoras.

(...)

Quando os bancos interferem por meio de uma empresa administradora, a relação que contava com três sujeitos passa a ter quatro, aumentando ainda mais a complexidade do sistema contratual.

A participação dos bancos, que está presente praticamente na totalidade dos sistemas do mercado, dá-se como fonte de crédito.

Como as atividades do mútuo e do crédito em geral são privativas de instituições financeiras, não podem exercê-las as administradoras de cartões, pelo que apelam aos bancos sem excluir outras instituições financeiras, de forma associada à concessão desses serviços.

(...)

O banco, quando não emite diretamente o cartão, intervém concedendo crédito ao titular, representado nesta operação pela administradora, que, em alguns casos, também é fiadora do titular perante o banco.

Junto com um mandato autorizando a administradora a pedir empréstimos e abrir conta corrente em nome do titular, este também concede poderes para que a empresa administradora emita títulos de crédito (nota promissória normalmente) em favor do banco, contra si, levando esta relação contratual para a rigidez do direito cambiário.

Como, apesar disso, as administradoras de cartão de crédito não são consideradas instituições financeiras, sobre elas incide a regra da Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal e, por conseqüência, os arts. 1o e 4o do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, segundo os quais é proibida a cobrança de juros superiores a 1% ao mês, bem como a capitalização de juros."

Também neste sentido manifestou-se o próprio Banco Central, por meio da Circular n° 2.044/91, art. 3o, o qual veda às administradoras de cartão de crédito a concessão de financiamento direto aos respectivos usuários, no que se refere à parcela não amortizada de sua fatura mensal, por ser esta atividade privativa das instituições integrantes do sistema financeiro nacional.

Assim, não estando a ré autorizada a prática de juros acima do limite legal, e uma vez declarada a nulidade da cláusula que possibilita a captação de recursos junto ao mercado financeiro, aplica-se ao contrato em exame, no que se refere ao percentual dos juros remuneratórios, o limite previsto pelo Decreto n° 22.626/33, devolvendo-se ao apelado o dobro do montante pago em inobservância ao referido diploma legal (art. 42, parágrafo único, do CDC).

Em situações semelhantes à presente, em que deixa o contrato de prever os juros aplicáveis à espécie, faltando ainda expressa autorização do governo para a inobservância do limite legal, é o Eg. Superior Tribunal de Justiça favorável à incidência da taxa de 12% (doze por cento) ao ano. Confira-se:

"DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO - NOTA DE CRÉDITO COMERCIAL - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS - SÚMULAS N° 596 E 121/ STF. I - No mútuo bancário vinculado a contrato de abertura de crédito em conta-corrente, a taxa de juros remuneratórios não está sujeita ao limite estabelecido pela Lei de Usura (Decreto n° 22.626/33). II - A capitalização dos juros somente é permitida nos contratos previstos em lei, entre eles as cédulas de crédito rural, comercial e industrial, mas não para o contrato de mútuo bancário. III - O art. 5º, da Lei n° 6.840 c/c o art. 5, do Decreto - Lei n° 413/69, posteriores à Lei 4.595/64 e específico para as cédulas de crédito comercial, confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados nessa modalidade de crédito. Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano, prevista na Lei de Usura (Decreto n° 22.626/33), não alcançando a cédula de crédito comercial o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula n° 596/STF. Precedentes da Corte. IV - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido." (Grifei) (REsp. n° 164.526/RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, 3a Turma, DJ 29/5/2000).

Por todo o exposto, nego provimento ao apelo, mantendo integralmente a r. sentença impugnada.

É o voto.

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ – Vogal

Peço vista.

 

D E C I S Ã O

Após o voto da Relatora, conhecendo e provendo o recurso, e do Revisor, improvendo-o, pediu vista o Vogal.

 

P E D I D O D E V I S T A

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ – Vogal

Senhor Presidente, cuida-se de apelação interposta por Credicard S/A. Administradora de Cartões de Crédito contra a r. sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Cláusulas Contratuais c/c Revisão de Contrato de Adesão e Repetição de Indébito que Carlos Rogério Araújo de Menezes move em seu desfavor.

A Des. Vera Andrighi, relatora do feito, deu provimento ao apelo, para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial, por não verificar abusividade alguma nas cláusulas do contrato, em especial a cláusula 10ª, bem quanto à ausência de previsão legal para limitar os juros em 12% ao ano.

O em. Revisor, Des. Sérgio Bittencourt, por sua vez, considerou nula a cláusula mandato (10ª) por considerar sua irretratabilidade verdadeiro atentado ao exercício da representação, limitando a cobrança dos juros a 12% ao ano.

Diante da divergência, pedi vista para melhor exame.

Com efeito, a doutrina e a jurisprudência vêm se manifestando no sentido de considerar sem validade cambial emitida a partir de mandato outorgado pelo devedor, no bojo do contrato com titular de cartão, em favor da empresa credora.

Entende-se que a cláusula mandato, em casos como tais, ofende o artigo 115 do Código Civil, que reza:

"São lícitas, em geral, todas as condições que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes."

Conforme se infere da parte final do dispositivo legal retromencionado, esta é a hipótese dos autos, ao passo em que coloca o mandatário em situação de vulnerabilidade diante do mandante, haja vista a outorga de poderes que conferem a esse último a captação de recursos em instituição de sua livre escolha.

Em caso análogo, já se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades, dando origem à Súmula nº 60, cujo verbete enuncia:

"É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusive interesse deste."

Quanto à cobrança dos juros em patamar superior a 12% ao ano, definido pelo Decreto nº 22.623/33, já assentou o Excelso Pretório, mediante a edição da Súmula nº 596, que as instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional, não estão sujeitas às disposições do referido diploma legal.

Entretanto, a Administradora de Cartões de Crédito não se enquadra nessa hipótese, nos termos da Lei nº 4.595/64, e como bem reconhecido pelo Banco Central, através da Circular nº 2.044/91.

Abusiva se mostra, assim, a cobrança dos juros na forma em que estabelecida pela apelante.

Frente às razões supra, pedindo as mais respeitosas vênias à eminente Relatora, acompanho o Revisor, e nego provimento ao recurso, mantendo, na íntegra a r. sentença hostilizada.

É como voto.

 

D E C I S Ã O

Apelo conhecido e improvido, por maioria, vencida a Relatora. Redigirá o acórdão o Revisor.

Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios