VÍCIOS NOS SERVIÇOS E PRODUTOS DURÁVEIS
Órgão |
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2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais |
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Classe |
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ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial |
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N. Processo |
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2002.01.1.034748-2 |
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Apelante(s) |
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SULEIMAN INTERHOUSE |
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Apelado(s) |
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MARCOS PEREIRA DIAS |
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Relator(a) Juiz(a) |
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BENITO AUGUSTO TIEZZI |
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EMENTA |
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CIVIL. CDC. VÍCIOS DO SERVIÇO E PRODUTO DURÁVEIS. CONCEITUAÇÃO. INOCORRÊNCIA DO PRAZO DECADENCIAL DO DIREITO DE RECLAMAR. PRELIMINAR DE CADUCIDADE REPELIDA. A LEI DE REGÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS NÃO PREVÊ A APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO CPC. COMPROVADOS OS VÍCIOS DO SERVIÇO E DO PRODUTO, ABREM-SE AS OPÇÕES DO ART. 26 DO CDC AO CONSUMIDOR. DANO MORAL INCONFIGURADO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. É viável e adequado ter-se como analógica a conceituação dada às coisas consumíveis (art. 51 do Código Civil) para o "produto não durável", ou seja: "...cujo uso importa destruição imediata da própria substância" ou, ainda, que possa se deteriorar ou se exaurir em pouco tempo. No pertinente ao "serviço não durável" é aquele que se cumpre e se extingue com sua própria execução, exaurindo-o. Ao contrário, o "serviço e o produto duráveis" são aqueles de natureza mais perene, que conservam por tempo razoável a sua qualidade e finalidade, sem se deteriorar ou extinguir, cuja execução e uso não implica no seu exaurimento e/ou destruição. 2. O direito do consumidor reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis, cujo início da contagem deste prazo se dá a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. 3. No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, não podem ser aplicadas, regular e rotineiramente, as normas do CPC, vez que a lei de regência deste micro sistema (Lei nº 9.099/95) não previu sua utilização subsidiária (diferentemente do que fez constar no seu art. 92, relativamente à matéria criminal). Quando, segundo as regras ordinárias de experiência comum, as alegações do consumidor se mostrarem verossímeis, competirá ao Julgador, dentro de seu livre critério e convicção, facilitar a defesa dos direitos do mesmo, inclusive com a inversão do ônus da prova (inciso VIII do art. 6º do CDC). 4. Se comprovados os vícios aparentes e de fácil constatação no serviço e no produto vendidos pela fornecedora, tem o consumidor o direito às opções que lhe são ofertadas pelo art. 18 do CDC, em seus incisos. Optando o consumidor pela restituição da quantia paga, obviamente implica no desfazimento do ato negocial, estando a fornecedora na obrigação de restituir-lhe o total do valor pago, recebendo de volta o material que havia vendido, no estado em que se encontra. 5. Se o ofendido alega ofensa à sua honra, mas se limita a asseverar na inicial a existência de agressões verbais e ameaças, sem contudo mencionar as palavras ditas desrespeitosas e de baixo calão, não explicitando, sequer, sobre os alegados insultos intimidatórios que teria sofrido, não podem ser tidos como verossímeis e de molde a se constituírem em verdadeiras agressões e ameaças, diante da forma vagamente descrita na inicial e mormente quando nenhuma prova veio com os autos à instância recursal, que pudesse alicerçar essa versão. 6. Recurso conhecido, dando-se-lhe parcial provimento. |
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ACÓRDÃO |
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Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, BENITO AUGUSTO TIEZZI - Relator, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, PRELIMINAR REJEITADA, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento. |
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Brasília (DF), 06 de novembro de 2002. |
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BENITO AUGUSTO TIEZZI Presidente e Relator |
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RELATÓRIO |
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Trata-se de recurso (fls. 40/52), ofertado em razão da sentença (fls. 33/37) que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido do Autor, que pleiteava a devolução do valor de R$ 3.000,00, decorrente da demora no reparo da instalação defeituosa de persianas que adquiriu junto à Requerida; além do pagamento da reparação por danos morais que sofreu, no importe de R$ 5.000,00. A sentença condenou a Ré a restituir ao Autor o valor pleiteado de R$ 3.000,00 e, ainda, a arcar com o pagamento de R$ 800,00, a título de danos morais. Mandou, ainda, que o Autor deixasse à disposição da Ré o objeto do contrato. Inconformada, a Ré recorreu e, em suas razões, alega, em síntese, que a sentença monocrática merece reparos, vez que eivada de vícios que a tornam insustentável. Apresenta inúmeros equívocos, quando mistura disposição com fundamentação, faltando-lhe clareza. Alega preliminarmente que já se operou a decadência, como preceituado no art. 26 do CDC. A juíza ao mencionar o art. 18 do CDC esqueceu-se dos prazos decadenciais do art. 26, referindo-se tão-somente ao prazo previsto no art. 27, que diz respeito à responsabilidade por perdas e danos advindos do fato do produto ou serviço. O Recorrido não se socorreu perante os órgãos de defesa do consumidor, deixando escoar o seu prazo, que é de 30 dias, para reclamar de vícios aparentes ou de fácil constatação, quedando-se inerte. As fotografias apresentadas são documentos produzidos unilateralmente pelo Recorrido, que não apresentou os respectivos negativos. Afirma que só tomou conhecimento da reclamação do Recorrido no dia em que fora citada. Passaram-se noventa dias do dia da entrega da mercadoria até a citação. Não procede a alegação de que não entregara a nota fiscal, eis que se encontra anexada aos autos. Não há que se falar em hipossuficiência do Recorrido, por se tratar de funcionário público federal, e ainda, pelo fato de que trabalha neste Juizado. Segundo o art. 333 do CPC, cabe ao Recorrido provar o fato constitutivo de seu direito. A decisão desconsiderou toda a argumentação da Recorrente, utilizando-se de provas trazidas unilateralmente pelo Recorrido e informações prestadas pela esposa deste. Disse ainda que; "Infelizmente, a imparcialidade que deveria nortear a convicção da ilustre juíza, evaporou-se quando da prática de seu silogismo, data maxima venia." (sic). Quanto ao dano moral, não fora este demonstrado pelo Recorrido quando do seu depoimento pessoal. A decisão é tendenciosa. Não conseguira provar que fora agredido verbalmente por telefone. Cita doutrina e jurisprudência. Ao final, pugna pelo acolhimento da preliminar argüida, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, uma vez que se operou a decadência, ou que seja dado total provimento ao recurso para a reforma da sentença. O Recorrido ofereceu contra-razões (fls. 57/63), postulando pela mantença da sentença. É o breve relatório. |
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VOTOS |
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O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Relator |
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Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Primeiramente, é perniciosa e reprovável a prática de críticas infundadas e desprovidas de provas, dirigidas à pessoa do Julgador, que a nada leva e só entristece quem delas toma conhecimento. Nota-se que a eminente Juíza sentenciante, frente aos fatos que lhe foram postos a julgar, sopesou a prova dos autos, fixou sua livre convicção e fundamentou exaustivamente a sentença. Nada há que possa levar à suspeita de parcialidade, consoante afirmado pela Recorrente. REPROVO, por isso, essa aleivosia da Recorrente. Registro, por oportuno, que não foi requerida a degravação da fita magnética, razão por que me valho do contido nos autos e das referências da r. sentença recorrida, conforme previsto no art. 36 da LJE. Quanto à PRELIMINAR que argüi a DECADÊNCIA do direito de reclamar pelos vícios aparentes e de fácil constatação, não merece prosperar. O Autor afirmou ter feito o pedido das persianas em 30/01/02, com a promessa de instalação para o dia 15/02/02, mas, somente no início de março foram colocadas. Todavia, como apresentavam diferenças de medida, foram recolhidas e reinstaladas no final de março. Mas, assim mesmo, por serem de baixa qualidade, não condizendo com a marca acordada, despencavam de sua estrutura e o seu trilho de movimentação tinha mau funcionamento, sem que a empresa instaladora lhe desse assistência. Após muita insistência, em 20/04/02 a Recorrente resolveu verificar os defeitos e, certificando-se de que o produto não possuía a qualidade oferecida, prontificou-se em trocá-las pela marca correta, no prazo de 15 dias, ou seja, até o dia 05/05/02. Na semana prevista para a entrega, quando o Autor-recorrido entrou em contato com a Recorrente, para se certificar de que efetivamente a troca se daria no prazo combinado, foi agredido verbalmente. Resolveu, então, se valer da presente postulação que, em síntese, desfaz o ato negocial, voltando as partes ao status quo ante, com a restituição do valor pago, acrescido do ressarcimento por danos morais que teria o Autor sofrido. Anote-se que a Recorrente, ao contestar os pedidos da inicial e ao recorrer, em momento algum se insurgiu contra as datas afirmadas pelo Autor-recorrido, na seqüência acima registrada, o que as torna certas e induvidosas. Como se vê, delas se valeu tão-somente para invocar a caducidade do direito daquele, sob o argumento de que deixara fluir mais de 30 dias para reclamar dos vícios que apontou, citando renomado doutrinador, para asseverar que se cuida de produto não durável, cuja decadência se dá em trinta dias (inciso I do art. 26 do CDC). Sem nenhuma razão a Recorrente, neste ponto. Primeiro, porque o início da contagem dos prazos decadenciais dos incisos do mencionado art. 26 da lei consumerista, conta-se a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço, consoante o §1º deste mesmo dispositivo referido. E, consoante as datas acima citadas, desde a primeira promessa de instalação (dia 15/02/02), até a última retirada (20/04/02), o serviço de instalação não se implementou na forma contratada e devida. Assim, independentemente de qualquer consideração a respeito do prazo efetivo a ser aplicado no caso em julgamento, mesmo que fosse o do inciso I do art. 26 referido, assim mesmo, entre a primeira instalação e sua imediata retirada (no começo de março) e a segunda instalação (no final de março), a última retirada (em 20/04/02) e a promessa da reinstalação (em 05/05/02), nunca, entre uma e outra, chegou a completar o prazo de trinta dias. Além do mais, na verdade, em razão dos defeitos nunca sanados, não se pode dizer que tivesse havido o efetivo término da execução, como exigido pelo já referido §1º do art. 26, o que afasta, desde logo, a alegação de caducidade. Ademais, diferentemente do sustentado pela Recorrente, que se valeu de forçada interpretação da doutrina que citou, não há razão para se admitir como "produto não durável" uma persiana. E, não havendo em nosso ordenamento jurídico - como ocorre no direito civil, a classificação dos bens considerados em si mesmos, nos arts. 43 seguintes - conceituação legal que abranja os denominados "duráveis" ou "não duráveis" (incisos I e II do referido art. 26 do CDC), é perfeitamente possível a busca de situações analógicas no Código Civil, a socorrer e alicerçar a melhor interpretação respectiva. Assim, torna-se viável e adequado ter-se como analógica a conceituação dada às coisas consumíveis (art. 51 do Código Civil) para o "produto não durável", ou seja: "...cujo uso importa destruição imediata da própria substância" ou, ainda, que possa se deteriorar ou se exaurir em pouco tempo. No pertinente ao "serviço não durável" é aquele que se cumpre e se extingue com sua própria execução, exaurindo-o. Ao contrário, o "serviço e o produto duráveis" são aqueles de natureza mais perene, que conservam por tempo razoável a sua qualidade e finalidade, sem se deteriorar ou extinguir, cuja execução e uso não implica no seu exaurimento e/ou destruição. Pelo que, conquanto o serviço de instalação, em si, poderia ser tido como "serviço não durável", pois, em analogia com as disposições civis a respeito, extinguir-se-ia com a sua própria execução, isto, é óbvio, se efetivamente tivesse sido terminado a contento. Já, a persiana, em si, que foi o objeto principal da avença, comprada para ser dada instalada, não pode ser tida como um "produto não durável", vez que, conquanto não seja um produto de durabilidade eterna, era de se esperar que durasse bastante tempo com as suas características originais, prestando-se à finalidade para a qual foi adquirida. Assim, não há a menor dúvida de que se enquadra na hipótese do inciso II do art. 26 do CDC, ou seja, é um "produto durável", motivo pelo qual, o prazo decadencial para reclamar sobre vícios aparentes e nele facilmente constados é de 90 (NOVENTA) DIAS, a se contar pela forma estabelecida no § único deste mesmo dispositivo consumerista. Diante do fundamentado, não há como ser acolhida a argüição preliminar de decadência do direito reclamado pelo Autor-recorrido, motivo pelo qual a REPILO. No MÉRITO, o Recorrente repete os argumentos da preliminar, já repelida, o que dispensa outros comentários. No mais, insiste na aplicação do art. 333 do CPC, esquecendo-se de que, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis não podem ser aplicadas, regular e rotineiramente, as normas do CPC, vez que a lei de regência deste micro sistema (Lei nº 9.099/95) não previu sua utilização subsidiária (diferentemente do que fez constar no seu art. 92, relativamente à matéria criminal). E, diferentemente do que sustenta, segundo as regras ordinárias de experiência comum, as alegações do consumidor se mostrarem verossímeis, como, aliás, aqui se mostram, competirá ao Julgador, dentro de seu livre critério e convicção, facilitar a defesa dos direitos do mesmo, inclusive com a inversão do ônus da prova (inciso VIII do art. 6º do CDC). Agiu, por isso, com acerto a nobre Julgadora de primeiro grau. Pelo que, comprovados os vícios aparentes e de fácil constatação no serviço e no produto vendidos pela Recorrente, tem o Consumidor-recorrido o direito às opções que lhe são ofertadas pelo art. 18 do CDC, em seus incisos. Optando ele pela restituição da quantia paga, obviamente implica no desfazimento do ato negocial, estando a Recorrente-fornecedora na obrigação de restituir-lhe o total do valor pago pelo consumidor, recebendo de volta o material que havia vendido, no estado em que se encontra, razão porque, também neste ponto, agiu com extrema lucidez e justiça a digna sentenciante. Já, no pertinente ao ressarcimento por DANOS MORAIS, data maxima venia, não comungo do mesmo respeitável entendimento sentencial. Em que pese as assertivas da inicial sobre as agressões verbais, através de palavras desrespeitosas e de baixo calão, além de insultos intimidatórios e ameaças, caso continuasse o Recorrido insistindo no prazo da troca das persianas, não me parece que tais fatos pudessem, efetivamente, ter atingido o mais profundo sentimento de amor próprio, de maneira a ferir-lhe e causar-lhe dano moral indenizável pecuniariamente. Veja-se que o Recorrido sequer mencionou qual ou quais as palavras ofensivas ou ameaças concretas que teria sofrido. Acredito que, de fato, devem ter-se desentendido, quando pode, perfeitamente, o Representante Legal da Recorrente ter sido mais áspero e deseducado no trato com o Recorrido. Entretanto, não os tenho como verossímeis e de molde a se constituírem em verdadeiras agressões e ameaças como vagamente descrito na inicial, mormente porque nenhuma prova veio com os autos à esta instância recursal a alicerçar o respeitável e pertinente entendimento posto na r. sentença recorrida. Isto posto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, tão-somente para REFORMAR a r. SENTENÇA quanto aos DANOS MORAIS reclamados na inicial, vez que os DOU POR IMPROCEDENTES. MANTENHO, no mais, a r.sentença na forma como foi proferida. CONDENO a Recorrente ao pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS e HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS da Recorrida, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação mantida (art. 55 da LJE), devidamente corrigido à época do efetivo pagamento. |
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O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal |
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Com o Relator. |
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O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal |
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Com a Turma. |
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DECISÃO |
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Conhecido. Dado provimento parcial ao recurso. Preliminar rejeitada. Unânime. |
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios