VALORES COBRADOS EM EXCESSO DO IMÓVEL

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 120.332-5, DE CURITIBA - 6ª VARA CÍVEL
APELANTE: ECEPLAN - ENGENHARIA CIVIL LTDA.
APELADO: DILSON DO ROSÁRIO MATOS
RELATOR: Des. Ivan Bortoleto



APELAÇÃO CÍVEL - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - VALORES COBRADOS EM EXCESSO PELA VENDEDORA - RESTITUIÇÃO EM DOBRO (ART. 42, § ÚNICO DO CDC) - DECISÃO MANTIDA.


Recurso desprovido.
O direito de repetição em dobro de valores pagos a maior pelo comprador à vendedora em contrato de compra e venda de imóvel, como informou a prova carreada aos autos, resulta da aplicação da regra insculpida no § único, artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, de caráter público e cogente.




VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 120.332-5, de Curitiba - 6ª Vara Cível, em que é apelante Eceplan - Engenharia Civil Ltda e apelado Dilson do Rosário Matos.
I - Dilson do Rosário Matos ajuizou medida cautelar de sustação de protesto, e posteriormente, ação declaratória de nulidade de ato jurídico e de inexistência de débito cumulada com perdas e danos, contra Eceplan - Engenharia Civil Ltda, sustentando ter com ela firmado, em 26 de março de 1993, um instrumento particular de promessa de venda de uma residência em alvenaria; que conforme ficou acordado, o pagamento do preço seria subdividido em seis parcelas mensais e sucessivas, ficando o valor residual a ser pago por meio de financiamento a ser contraído junto a entidade financeira por ocasião da entrega da obra; que tendo efetuado o pagamento das parcelas mensais, aguardou a entrega das chaves para assumir o financiamento, o que só ocorreu em julho de 1995, e não em julho de 1993 conforme previsto no aludido contrato; que até então teve que suportar todas as despesas relativas à moradia da família; que ao assumir o financiamento junto ao Banco do Estado do Paraná S/A, ao invés de obter da ré a plena e irrevogável quitação do preço contratado, foi por ela cobrado em saldo residual de R$ 5.760,00 (cinco mil, setecentos e sessenta reais); que o termo aditivo de contrato então imposto estabeleceu a obrigação de quitação deste saldo em 36 (trinta e seis) parcelas mensais, a serem corrigidas pelo índice das cadernetas de poupança; que pressionado pela não entrega das chaves e necessitando do imóvel, acabou assinando o termo aditivo; que efetuou o pagamento de 13 (treze) parcelas quando foi alertado de seus direitos; que resolveu interromper os pagamentos; que posteriormente veio a ser surpreendido com uma intimação de protesto; que tinha direito de obter decisão judicial declaratória da nulidade do termo aditivo citado, por violação das normas do Código de Defesa do Consumidor, bem como de quitação do débito ou de sua nulidade por vício de consentimento, já que o assinara sob coação; que, sucessivamente, tinha direito às diferenças de valores pagos a maior em face do recálculo das prestações com correção pelo INPC/IBGE, nos termos do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, mais perdas e danos decorrentes das despesas de aluguel suportadas por 25 (vinte e cinco) meses em razão do atraso na entrega da obra.
A liminar de sustação do protesto foi deferida (f. 47).
Citada, Eceplan - Engenharia Civil Ltda contestou alegando, preliminarmente, a intempestividade da ação principal por ter sido ajuizada após o escoamento do prazo legal. No mérito, sustentou que o valor de R$ 5.760,00 (cinco mil, setecentos e sessenta reais) fixado no termo aditivo resultou da correção do saldo apurado pelo índice da Caderneta de Poupança; que sua cobrança era perfeitamente cabível, conforme pactuaram as partes, atendendo ao disposto no artigo 19 da Lei nº 8.177/91; que caso não houvesse a atualização de valores estaria caracterizado o enriquecimento ilícito dos adquirentes às suas custas; que houve o reconhecimento da dívida, sendo improcedente o pleito de repetição de indébito; que não havia qualquer prova dos danos suportados pelo autor; que o imóvel estava pronto na data prevista no contrato, não tendo sido ocupado apenas pela falta de financiamento; que este só veio a ser obtido por seus esforços junto ao agente financeiro; e finalmente, que o pedido deveria ser rejeitado.
Sentenciando, houve por bem o meritíssimo Juiz julgar procedentes os pedidos principal e cautelar, confirmando em definitivo a liminar concedida e declarando nulo o termo aditivo ao instrumento particular de promessa de compra e venda, reconhecendo, conseqüentemente, a inexistência do débito, e condenando a ré na restituição em dobro do valor pago, com correção monetária e juros legais, custas processuais, e honorários advocatícios de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Eceplan - Engenharia Civil Ltda, não conformada, interpôs recurso de apelação. Sustentou que no contrato originário firmado pelas partes houve disposição expressa sobre a correção do saldo devedor; que entre os valores pagos pelo autor e o que foi liberado por ocasião do financiamento, remanescia o saldo de R$ 5.760,00 (cinco mil, setecentos e sessenta reais), objeto da confissão de dívida impugnada; que tais valores não foram impugnados; que o autor é devedor confesso; que a jurisprudência se orientava pela validade da cobrança; e finalmente, que não houve comprovação de eventual má-fé de sua parte, a tal ponto a justificar a devolução em dobro dos valores recebidos. Requereu o provimento do recurso para reconhecer a validade do termo aditivo de confissão de dívida, com inversão do ônus da sucumbência.
Apesar de intimados (f. 184), o apelado deixou transcorrer in albis o prazo para oferecimento de contra-razões.
II - O recurso não merece provimento.
O cerne da questão reside na validade ou não do termo aditivo de folhas 46/47, assinado no momento da entrega das chaves do imóvel, pois foi com base nele que a apelante entendeu possível exigir do apelado o saldo residual de R$ 5.760,00 (cinco mil, setecentos e sessenta reais).
Segundo se observa no documento de folha 28/29, o preço combinado pelo imóvel foi de Cr$ 378.900.000,00 (trezentos e setenta e oito milhões e novecentos mil cruzeiros), sendo Cr$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de cruzeiros) quitados no ato. Havia ainda um saldo a pagar de Cr$ 333.900.000,00 (trezentos e trinta e três milhões e novecentos mil cruzeiros), a ser quitado em 06 (seis) prestações mensais de Cr$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil cruzeiros), sendo que o restante seria financiado por entidade bancária (cláusula 7ª - f. 31).
O contrato celebrado previa em sua Cláusula 1ª (f. 40): ...Os VENDEDORES se declaram senhores e legítimos possuidores do imóvel adiante descrito e caracterizado, livre e desembaraçado de qualquer ônus, e assim o vendem pela preço constante da letra 'B' deste instrumento, cujo pagamento é satisfeito na forma igualmente referida na letra 'B',... Assim, pagos e satisfeitos do preço da venda, os VENDEDORES dão aos COMPRADORES plena e irrevogável quitação, e por força deste instrumento e da 'cláusula constituti', transmitem aos COMPRADORES toda a posse, domínio, direito e ação sobre o imóvel ora vendido.... Em sua cláusula 5ª (f. 30), previa ainda a possibilidade do reajustamento do preço em 12% ao ano, a título de juros, pelo sistema Price, mais atualização monetária pela variação do índice setorial de custos. Já na cláusula 6ª (f. 31), previa, verbis: ...A importância correspondente ao saldo do preço a ser quitado no ato de entrega das chaves é aquela prevista também no item '07' do Quadro Resumo, a ser paga com incidência de juros de 12% e a atualização monetária e ou da variação do índice setorial de custos de conformidade com o previsto na letra 'e', da cláusula 31ª do capítulo XIX, podendo essa quantia ser financiada ou não; esse importância terá sua equivalência fixada por índices de atualização monetária de escolha dos vendedores, do dia da assinatura deste instrumento, cujo pagamento deverá ser efetuado com a conversão do valor do índice escolhido do dia da quitação, acrescido do correspondente valor da atualização que decorrer da diferença apurada entre a variação dos índices aplicáveis..... Por fim, no parágrafo 2º da cláusula 7ª, estabelecia expressamente o seguinte: ...Todo o saldo constante do item 06 e/ou a diferença atualizada conforme índices previstos na letra 'E', da cláusula 31ª, entre este valor e os pagamentos efetuados pelo comprador ao vendedor, após a presente data, poderá ser passível de financiamento junto ao agente financeiro após a conclusão da obra ....
Destarte, o preço estipulado no contrato estaria integralmente pago no momento do repasse do valor financiado à apelante, pois deveria corresponder ao saldo remanescente como fosse calculado pela própria vendedora, devidamente corrigido e acrescido de juros, como acabou ocorrendo. Porque a entrega das chaves só ocorreu em meados de 1995, época em que o Plano Real já havia sido implantado, resolveu a apelante simplesmente converter o preço originalmente estipulado no padrão monetário do tempo da avença (cruzeiros), para o novo padrão monetário (reais). Ao deduzir do montante encontrado o valor da soma das parcelas pagas com o que lhe foi repassado pelo agente financeiro, encontrou uma diferença, e então resolveu repassá-la ao recorrido, como saldo residual.
A resposta processual foi vaga, no entanto, quanto a forma de cálculo do resíduo em questão, no importe de R$ 5.760,00 (cinco mil, setecentos e sessenta reais). Na instrução processual, desinteressou-se a apelante em demonstrar, como lhe competia, por meio da necessária prova pericial, que este saldo lhe era efetivamente devido. Nem mesmo por ocasião de suas razões recursais trouxe à colação fato novo, indício ou demonstração matemática capaz de informar a validade da cobrança perpetrada.
Por outro lado, consta do contrato de compra e venda, mútuo com obrigações de hipoteca, firmado pelo recorrido com o Banestado S/A. - Crédito Imobiliário (f. 39/45), que do preço total de R$ 27.124,37 (vinte e sete mil, cento e vinte e quatro reais e trinta e sete centavos), foi paga integralmente a poupança de R$ 10.605,54 (dez mil, seiscentos e cinco reais e cinqüenta e quatro centavos), sendo que o saldo financiado, de R$ 16.518,83 (dezesseis mil, quinhentos e dezoito reais e oitenta e três centavos), foi igualmente repassado à apelante.
Como se conclui, a quitação integral dos débitos relativos ao imóvel pelo recorrido no momento em que assumiu o financiamento é tão induvidosa quanto é descabida e injustificável a cobrança do saldo residual de R$ 5.760,00 (cinco mil, setecentos e sessenta reais).
Era mesmo de se aplicar ao caso concreto as disposições previstas nos artigos 131 e 333, II do Código de Processo Civil, e artigos 39, 42 e 47 do Código de Defesa do Consumidor.
O acolhimento da postulação de repetição dos valores cobrados indevidamente, em dobro, resulta da aplicação da regra de caráter público e cogente insculpida no § único, artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.
III - Ante o exposto, DECIDE o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por sua Oitava Câmara Cível, à unanimidade de votos, em negar provimento ao apelo, nos termos da fundamentação.
A sessão foi presidida pelo Desembargador Ivan Bortoleto, com voto. Acompanharam o Relator o eminente Desembargador Celso Rotoli de Macedo e o Juiz Convocado Antônio Renato Strapasson.
Curitiba, 5 de agosto de 2002.


Des. Ivan Bortoleto
Presidente/Relator gc/cg

Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná