SUSPENSÃO
DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
Órgão |
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Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais |
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Classe |
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APJ – Apelação Criminal no Juizado Especial |
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N. Processo |
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95/98 |
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Apelante(s) |
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JOSÉ WALTER PEREIRA DOS SANTOS |
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Apelado(s) |
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MARIA DE FÁTIMA RAMOS LEITE |
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Relator(a) Juiz(a) |
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ROBERVAL CASEMIRO BELINATI |
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EMENTA |
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QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA A CONDÔMINO INADIMPLENTE. CRIMES DE DANO SIMPLES E DE EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES NÃO CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE DOLO. ILÍCITO MERAMENTE CIVIL. I - A queixa-crime será rejeitada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime, conforme o art. 43, inciso I do Código de Processo Penal, mormente quando fica comprovado que a matéria em discussão é da esfera eminentemente civil. II - Para a configuração do crime de dano simples, previsto no art. 163 do Código Penal, é essencial que o agente tenha agido com dolo, com a vontade livre e consciente de destruir, inutilizar ou deteriorar a coisa alheia, o que não ocorreu no caso em apuração. Da mesma forma, só ocorrerá o crime de exercício arbitrário das próprias razões, disposto no art. 345 do Estatuto Penal, se ficar provado que o sujeito ativo agiu dolosamente, no sentido de fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima. III – A suspensão do fornecimento de energia elétrica a condômino inadimplente com o pagamento da tarifa correspondente, em condomínio residencial em que os moradores usam do mesmo ponto de luz, não configura o delito previsto no art. 345 do diploma repressivo, eis que a conduta está protegida pelo exercício regular do direito, de acordo com o inciso III, segunda parte, do art. 23 do Código Penal. |
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ACÓRDÃO |
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Acordam os Senhores Juízes da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator(a), SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Vogal, ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS – Vogal, sob a presidência do Juiz ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, em CONHECER O RECURSO. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. |
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Brasília (DF), 15 de dezembro de 1998. |
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ROBERVAL CASEMIRO BELINATI |
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Relator-Presidente |
RELATÓRIO |
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JOSÉ WALTER PEREIRA DOS SANTOS, qualificado nos autos, propôs queixa-crime contra MARIA DE FÁTIMA RAMOS LEITE, para imputar-lhe o crime de dano, previsto no art. 163, e o de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345, ambos do Código Penal, conforme a petição de fls. 02/08 (ler). Pela decisão de fls. 48/51, foi rejeitada a queixa oferecida, com fundamento no art. 43, inciso I do Código de Processo Penal. Inconformado com a rejeição da queixa, o Querelante recorreu às fls. 59/63, aduzindo, em síntese, que a queixa não poderia ter sido rejeitada, porque conseguiu demonstrar que a Querelada cometeu os delitos que lhe foram imputados. Sustenta que mesmo que haja dúvida quanto aos crimes praticados, ainda assim se imporia o recebimento da queixa, em atenção ao princípio consagrado do brocardo in dubio pro societas. Em contra-razões, às fls. 65/75, a Querelada pugnou pelo não provimento ao recurso, assinalando que não cometeu nenhum delito. A ilustre representante do Ministério Público nesta Turma Recursal, Doutora Olinda Elizabeth Cestari Gonçalves, em brilhante parecer às fls. 75/79, oficiou pelo improvimento do apelo. É o relatório. |
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VOTOS |
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O(A) Senhor(a) Juiz(a) ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator(a) |
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A questão em discussão é de ordem processual penal e não administrativa. O meu voto responde às razões orais do ilustre causídico, Doutor Roberto Campos Ferreira. Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, dele conheço. Não prosperam as razões do apelo, porque a Recorrida não praticou nenhum delito, conforme ficou demonstrado nos autos. Peço licença à E. Turma Recursal para transcrever parte da fundamentação da douta decisão recorrida, a qual adoto integralmente: "Pretende o Querelante que a Querelada responda criminalmente pelo fato de ter cortado o fornecimento de energia elétrica em sua propriedade. Com efeito, constata-se que a responsável pelo pagamento das contas de luz do condomínio é a Querelada (fls. 18, 22 e 23), tendo em vista que por problemas de ordem administrativa não resolvidos, a CEB realizou apenas uma ligação elétrica para todos os condôminos. Os documentos de fls. 41, 43 e 46, comprovam que a cobrança da conta de luz atualmente é emitida em nome de Maria de Fátima Ramos Leite; logo, a mesma deve responder pelo pagamento, sob pena de sofrer as conseqüências legais. Por outro lado, verifica-se que o documento de fl. 22 trata de cobrança de valores devidos pelo Querelante, referente à sua cota parte da conta de luz, dos meses de outubro de 1997 a abril de 1998. É certo que o Querelante devia à Querelada os valores descritos no documento, caso contrário, não teria feito o depósito bancário do valor cobrado, correspondente a R$ 409,85, no dia 30.4.98 (fl. 23). Após o registro destes fatos, os fundamentos legais da queixa oferecida devem ser considerados. Para a caracterização do crime de exercício arbitrário das próprias razões, é imprescindível que o agente tenha tido a intenção de substituir a autoridade do órgão jurisdicional. Efetivamente, a conduta da Querelada, se é que praticada, foi lícita e não teve a intenção de substituir a autoridade do órgão jurisdicional. Ademais, os atos de defesa, ou de desforço, utilizados em defesa da posse, desde que indispensáveis à sua manutenção ou restituição, são considerados legítimos, consoante o disposto no art. 502 do Código Civil. Quanto ao crime de dano narrado na queixa, igualmente, não assiste razão ao Querelante. Não se pode falar em adequação típica entre os fatos relatados e o tipo penal descrito no art. 163, caput, do Código Penal, pois inexistente a conduta dolosa. E, é certo, o crime de dano só é punido a título de dolo, sendo que o dano culposo não ultrapassa a esfera do ilícito civil. Ademais, ainda que se pudesse argumentar que a Querelada teve a vontade e a consciência de praticar o crime de dano, este seria absorvido pelo crime de exercício arbitrário das próprias razões, que, conforme demonstrado, também não existiu. E, ainda, é mister ressaltar que a não demonstração da existência do suposto dano causado ao Querelante, o que prejudica a prova da materialidade do fato, indispensável para esta espécie de crime". Estou de pleno acordo que a Recorrida agiu tão-somente com o propósito de preservar o fornecimento de energia elétrica para as demais unidades integrantes do condomínio, em razão da demora do pagamento, pelo Recorrente, da sua parte nas despesas da conta de luz. Por conseguinte, foi lícita a sua conduta, que não ofendeu nenhum dispositivo do Código Penal. Daí não merece nenhum reparo a r. decisão atacada, eis que fundamentada no art. 43, inciso I do Código de Processo Penal, que diz: "A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;" Diante do exposto, nego provimento ao recurso, para manter íntegra a douta sentença recorrida, por seus próprios e jurídicos fundamentos. É como voto. |
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O(A) Senhor(a) Juiz(a) SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Vogal |
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Senhor Presidente, ilustre Vogal, realmente, em determinadas relações jurídicas, materiais, é tênue a linha que separa o ilícito civil do ilícito penal. Mas, no caso relatado, ora expressado, como das razões orais do ilustre advogado, não tenho dúvida quem, se ocorreu algum ilícito, ele é da esfera eminentemente civil. Ora, pelo que depreendi, imputou-se à querelada a tipificação do art. 345 do Código Penal, exercício arbitrário da própria razão, simplesmente por não ter pago uma dívida em relação ao talonário de luz. Pelo não-pagamento foi suspenso o fornecimento de luz. Ora, pelo que foi exposto, trata-se de um condomínio apenas de fato, onde não foi eleito administrador. Ora, se mesmo dentro do condomínio de fato todos são obrigados a esse pagamento, nada impedia que o querelante, a seu modo próprio, pagasse essa dívida para evitar a suspensão do fornecimento da energia e cobrasse dos outros condôminos. Entendo que o ilícito, se ocorreu, é da esfera eminentemente civil. Assim, acompanho V.Ex.ª. em toda a extensão. |
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O(A) Senhor(a) Juiz(a) ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Vogal |
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Senhor Presidente, também entendendo que os fatos narrados na peça de ingresso, na queixa, não se constituem nem no crime de exercício arbitrário das próprias razões, tipificado no art. 345 do Código Penal, nem no crime de dano, descrito no art. 163 do Código Penal e, considerando, por conseqüência, que, se houve algum ilícito, esse se situa no plano da responsabilidade meramente civil, acompanho voto de V.Ex.ª. para também manter na íntegra a respeitável sentença de primeira instância. |
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DECISÃO |
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Recurso conhecido. Negou-se provimento. Unânime. |
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios