RESPONSABILIDADE POR FURTO NAS DEPENDÊNCIAS DE CLUBE ASSOCIATIVO
Órgão |
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2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais |
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Classe |
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ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial |
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N. Processo |
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2002.01.1.029939-7 |
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Apelante(s) |
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COTA MIL IATE CLUBE |
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Apelado(s) |
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HÉCTOR VALVERDE SANTANA |
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Relator(a) Juiz(a) |
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BENITO AUGUSTO TIEZZI |
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EMENTA |
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CIVIL. PROCESSO CIVIL. CDC. FURTO NAS DEPENDÊNCIAS DE CLUBE ASSOCIATIVO. OBJETOS DE FREQÜENTADOR. IMPUGNAÇÃO RECURSAL GENÉRICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANOS MATERIAIS ACOLHIDOS. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Embora as razões recursais não guardem a melhor técnica e forma de trazer à instância recursal o inconformismo do Recorrente - por deixar de lançar seus argumentos impugnativos de forma articulada, não enfrentando cada qual das situações, de fato e de direito, analisadas e decididas na sentença guerreada – mas, em que pese a forma precária de exposição, traz a sua discordância generalizada com os termos da decisão atacada. Por isso, devolve ao órgão recursal o conhecimento da questão generalizada, logicamente mediante o respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum. 2. O Clube associativo, na condição de fornecedora, coloca à disposição dos consumidores finais - seus associados, convidados e freqüentadores - serviços de deleite, que encontram, na mensalidade de seus sócios e outras rendas mais, a remuneração que lhes dá ensejo, estando estes e as partes conforme as conceituações dos arts. 2º e 3º, §2º, do CDC. 2.1. Assim, independentemente de estar ou não o freqüentador no gozo de seus direitos de associado, se lhe foi dado acesso às suas dependências, para uso e deleite de seus serviços, impunha ao Fornecedor a obrigação de garantir-lhe a segurança e a tranqüilidade, inclusive dos seus bens, razão porque, responde o Clube civil e objetivamente pelos atos ilícitos que no seu interior ocorreram e que redundaram no prejuízo patrimonial demonstrado pelo consumidor (art. 14 do CDC), independentemente da perquirição da existência de sua culpa. 3. A parte lesada, ao perceber que foi furtada, naturalmente assolam-lhe grande consternação, abatimento e agonia, sentimentos próprios da desolação e tristeza pela percepção da insegurança e da perda dos bens materiais subtraídos. Mas, uma vez recomposta a perda sofrida (por ato voluntário ou coercivo – via judicial – com a procedência do pedido indenizatório pelos danos materiais constatados), dá-se a reparação da lesão patrimonial suportada e as conseqüências subjetivas do ato, por maior repercussão que tivessem tido no íntimo da pessoa ofendida, desaparece. Ademais, o reconhecimento da responsabilidade objetiva do Clube-fornecedor dos serviços e a sua condenação à reparação do dano material constituem punição bastante, sendo ilógico novo castigo, que poderá representar locupletamento sem causa do freqüentador-consumidor. 4. Recurso conhecido, dando-se-lhe parcial provimento, para manter a sentença tão-somente na parte que condenou o Clube ao pagamento dos danos materiais constatados, em favor do freqüentador; ficando reformada no pertinente ao ressarcimento pelos danos morais, que não são acolhidos. |
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ACÓRDÃO |
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Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, BENITO AUGUSTO TIEZZI - Relator, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, PRELIMINARES REJEITADAS, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento. |
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Brasília (DF), 16 de outubro de 2002. |
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BENITO AUGUSTO TIEZZI Presidente- Relator |
RELATÓRIO |
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Trata-se de recurso (fls. 98/101) interposto da sentença (fls. 90/95) que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial (R$ 7.538,00), condenando o Réu a pagar ao Autor a quantia de R$ 3.190,00, porque teve seus pertences furtados nas dependências do Clube-Réu, sendo R$ 1.190,00 referentes aos danos materiais e R$ 2.000,00 a título de danos morais. Inconformado, o Réu ofertou o presente recurso, onde alega em resumo, ter sofrido ameaça, dirigida também ao seu procurador, de que seriam processados, por estarem defendendo os interesses do Clube. Diz que a sentença se dirigiu totalmente para as pretensões do Autor, que lhe agradou tanto que, se tivesse recebido proposta de acordo, mediante valor mais baixo, aceitaria e que, por isso, não será surpresa se não recorrer. Menciona ter havido, por parte da Juíza de 1º Grau rigidez com o Réu e flexibilidade com o Autor, cuja sentença foi patrimonialista e corporativista, por ser o Réu Juiz de Direito. Afirma ter havido abuso do Autor, por ter ingressado no clube de maneira ilegal, aproveitando-se do fato de ser pessoa conhecida no clube e ainda de ser Juiz de Direito. Afirma que já ressarciu outras pessoas em outras ocasiões. Junta cópia de ação de ressarcimento interposta na 6ª Vara Cível, contra a Empresa City Service Segurança Ltda, para justificar a indenização feita a outras pessoas. Por fim, pugna pela reforma da sentença de primeira instância. Foram apresentadas as contra-razões do Recorrido (fls. 128/132), onde, em síntese, postulam pelo não conhecimento do recurso, vez que a razão de seu inconformismo não está nos argumentos e fundamentos da sentença, mas sim na afirmação de que a sentença tem "caráter corporativista". No mais, pedem a manutenção da sentença. É o breve relatório. |
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VOTOS |
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O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Relator |
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Primeiramente, peço venia para reprovar e repelir as afirmações injustas, indevidas e impróprias contidas nas razões recursais, que imputam à douta Juíza sentenciante espírito corporativista no seu decidir. O fato de figurar num dos pólos da ação um Magistrado, componente da Justiça do Distrito Federal e Territórios, não faz presumir a parcialidade do juiz natural, a quem coube, por competência e distribuição, o julgamento da questão. Ao que se percebe da r. sentença recorrida, a eminente e culta Julgadora apreciou com profundidade e acuidade os fatos que lhe foram postos a julgar e, usando de seu livre convencimento e indiscutível imparcialidade, aplicou com sabedoria e justiça o direito, consoante muito bem fundamentou na sentença. O fato de ter sido a conclusão sentencial contra os interesses defendidos pelo Réu não o autoriza a fazer afirmações despropositadas, sem nenhuma prova, fruto de meras ilações vagas e ofensas gratuitas à Julgadora. A discordância do julgado pode e deve ser manifestada mediante elevado grau de respeitabilidade, expondo as idéias, discutindo os fatos e o direito aplicável, sem a necessidade de, na falta de apoio jurídico à tese defendida, praticar ofensas a quem, com palpável e evidente imparcialidade, julgou o feito. Por isso, deixo registrado meu repúdio a essa atitude desarrazoada, gratuita, imprópria, indevida, perniciosa e ofensiva. Depois, a respeito da PRELIMINAR argüida nas contra-razões do recurso, postulando o seu não conhecimento, porque a razão de seu inconformismo não está nos argumentos e fundamentos da sentença, mas sim na afirmação de que a sentença tem "caráter corporativista", data venia, não merece procedência. Embora as razões recursais não guardem a melhor técnica e forma de trazer a esta instância recursal o inconformismo do Recorrente, não lançando seus argumentos impugnativos articuladamente, sem enfrentar cada qual das situações, de fato e de direito, analisadas e decididas na sentença guerreada, na verdade traz, embora de forma precária, mas traz, a sua discordância generalizada com os termos da decisão atacada. Por isso, devolve ao órgão recursal o conhecimento da questão generalizada, logicamente mediante o respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum. Por isso, estando presentes os demais requisitos de admissibilidade, REJEITO esta PRELIMINAR e CONHEÇO do presente recurso. Ouço os demais eminentes Juízes componentes desta Turma, a respeito. No mais e vencida a preliminar supra, passo a apreciar a postulação, acolhida na sentença, de ressarcimento por DANOS MATERIAIS que teria o Recorrido suportado. E, porque, neste particular, bem analisou, ponderou e julgou os fatos, aplicando com correção e justiça o direito, a r. sentença deve ser mantida e a cujos argumentos respectivos reporto-me, chamando-os à colação para serem tidos como se aqui estivessem transcritos. Aduzo, ainda, o seguinte: Consoante bem fundamentado na r. sentença recorrida, a questão em julgamento guarda natureza consumerista, vez que o Clube, como fornecedor, coloca à disposição dos consumidores finais - seus associados, convidados e freqüentadores - serviços de deleite, que encontram, na mensalidade de seus sócios e outras rendas mais, a remuneração que lhes dá ensejo, estando estes e as partes conforme as conceituações dos arts. 2º e 3º, §2º, do CDC. Assim, independentemente de estar ou não o Recorrido no gozo de seus direitos de associado, foi-lhe dado acesso às dependências do Clube para uso e deleite de seus serviços, o que impunha ao Recorrente a obrigação de garantir a segurança e a tranqüilidade do Recorrido, inclusive dos bens destes, razão porque, responde civil e objetivamente pelos atos ilícitos que no seu interior ocorreram e que redundaram no prejuízo patrimonial demonstrado pelo mesmo (art. 14 do CDC), independentemente da perquirição da existência de sua culpa. Anote-se que, mesmo que suspensa a condição de sócio do Recorrido, diferentemente do afirmado, ali ele não entrou clandestinamente, mas sim, pela portaria de entrada normal do Clube, onde lhe foi franqueado o acesso, sem qualquer restrição, portanto, como um freqüentador autorizado a usar, gozar e desfrutar dos serviços ofertados pelo Recorrente. Não havendo nenhuma impugnação do Recorrente, seja por ocasião de sua contestação (fls. 57/59) ou seja através de suas razões recursais (fls. 99/101), a respeito dos fatos em si (furto) e do valor dos bens subtraídos, diante do princípio da eventualidade, devem ser tidos como verdadeiros, prevalecendo o que constou da inicial. Nestas condições, demonstradas ficaram a causa e o efeito a permitir a indenização pelos danos materiais reclamados, nada mais podendo ser provido, nesta instância recursal, ficando mantida a r. sentença a este respeito. Sobre os DANOS MORAIS, entretanto, em que pese a sustentação genérica das contra-razões do recurso, merece acolhimento este pedido de reforma do julgado, vez que ali essa matéria pode ser compreendida, por não me parecer, permissa maxima venia, que os fatos tivessem sido suficientes a causar os danos morais pleiteados, vez que não configurados. Pois, malgrado a indiscutível ocorrência do furto dos bens do Recorrido, os aborrecimentos e os constrangimentos apontados e que teriam provocado o alegado dano moral, data maxima venia, não me convencem. É que, em situações como esta, a parte lesada, ao perceber que foi furtada, naturalmente assolam-lhe grande consternação, abatimento e agonia, sentimentos próprios da desolação e tristeza pela percepção da insegurança e da perda dos bens materiais subtraídos. Mas, uma vez recomposta a perda sofrida (por ato voluntário ou coercivo – via judicial - como aqui ocorre), dá-se a reparação da lesão material suportada e as conseqüências subjetivas do ato, por maior repercussão que tivessem tido no íntimo da pessoa ofendida, desaparece. Aliás, in casu, o reconhecimento da responsabilidade objetiva da Recorrente e a sua condenação à reparação do dano material já a puniram, sendo ilógico novo castigo, que poderá representar locupletamento sem causa do Recorrido. Outrossim, o fato de ter o Recorrido se arriscado na busca ao ladrão, embrenhando-se mato adentro e na escuridão, ocorreu por iniciativa dele próprio. Não consta que tivesse pedido ajuda a tanto e que não lhe tivesse sido dada pelos serviçais do Clube. A circunstância de ter ficado apenas de calção, conquanto não se revele uma situação confortável, não me parece que tenha sido de molde a envergonhá-lo e constrangê-lo, a ponto de causar-lhe dano moral, mormente porque estava no interior de um Clube, em que não é anormal ver pessoas assim vestidas. Não enxergando a ocorrência de danos morais passíveis de indenização pecuniária, posiciono-me no sentido de reformar a r. sentença recorrida, neste ponto. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, tão-só para REFORMAR parcialmente a sentença, DANDO por IMPROCEDENTE o PEDIDO atinente aos DANOS MORAIS reclamados, MANTENDO-A, no mais, isto é: para CONDENAR o Recorrente ao pagamento do valor dos danos materiais no importe de R$1.190,00 (mil cento e noventa reais) ao Recorrido, devidamente corrigido a partir do ajuizamento da ação e acrescido dos juros moratórios legais de 6% (seis) ao ano (art. 1.062 do Código Civil), a contar da citação. CONDENO o Recorrente ao pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS e HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS da Recorrida, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (art. 55 da LJE), devidamente corrigido à época do efetivo pagamento. |
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O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal |
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Com o Relator. |
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O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal |
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Com a Turma. |
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DECISÃO |
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Conhecido. Dado provimento parcial ao recurso. Preliminares rejeitadas. Unânime. |
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios