RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA AÉREA
Órgão : 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
Classe : ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial
N. Processo : 2002.01.1.002741-8
Apelante(s) : VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO S/A - VASP
Apelado(s) : SEBASTIÃO ALVES PEREIRA NETO
Relator(a) Juiz(a) : BENITO AUGUSTO TIEZZI
EMENTA
CIVIL. CDC E CÓDIGO BRASILEIRO DO AR. ATRASO DE VÔO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA AÉREA. DANOS MATERIAL E MORAL. AUSÊNCIA DE PROVA DO PREJUÍZO RECLAMADO PARA O DANO MATERIAL. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. JUSTO VALOR. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, BENITO AUGUSTO TIEZZI - Relator, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Vogal sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento.
Brasília (DF), 18 de setembro de 2002.
BENITO AUGUSTO TIEZZI
Presidente- Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso (fls. 63/69) interposto da sentença (fls. 59/62) que julgou parcialmente PROCEDENTE o pedido inicial, que pleiteava a indenização por danos materiais (R$ 238,00) e, ainda, danos morais (R$ 6.962,00), tendo condenado a Ré a pagar a importância de R$ 123,00 a título de danos materiais, bem como o valor de R$ 2.500,00 em razão dos danos morais reclamados, provocados pelo atraso em seu vôo.
Inconformada, a Ré recorreu e, em suas razões, afirma, em resumo, que a prestação jurisdicional foi proferida sem qualquer parâmetro ou fundamentação, vez que o Recorrido não apresentou prova de que seria realmente padrinho do casamento, que teria perdido, o que lhe seria fácil comprovar. Questiona a veracidade desta assertiva, dizendo que o Recorrido optara por adquirir o bilhete aéreo com decolagem prevista para menos de uma hora do compromisso alegado. Suscita dúvida sobre se ele poderia chegar a tempo, mesmo sem o atraso. Afirma que tais atrasos são totalmente previsíveis em viagens aéreas ou rodoviárias, e que se deu em virtude da espera de outros passageiros procedentes de um vôo de Recife, que de lá decolou com pequeno atraso. Argumenta ter sido indevida a fixação da indenização por danos materiais, uma vez que o bilhete aéreo ainda pode ser utilizado ou reembolsado, e em último caso, pode ser dado em pagamento de outra passagem aérea. E, se mantida a condenação, o Recorrido receberá duas vezes a mesma quantia. Aduz ainda, que a indenização relativa a dano moral concedida equivale a mais de vinte vezes o valor do serviço. As meras alegações do Recorrido devem ser vistas com restrição, uma vez que nada ficou demonstrado nos autos. Os fatos narrados não são suficientes para acarretar o dano moral, muito menos no valor fixado na sentença. Pugna pela reforma da sentença, com a improcedência dos pedidos, por dano moral ou material, e, alternativamente, pede que seja reduzido o valor da condenação.
Foram apresentadas as Contra-razões do Autor-recorrido às fls. 75/82, que, em síntese, pugna pela manutenção da r. sentença.
É o breve relatório.
VOTOS
O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A r. sentença permissa maxima vênia, merece parcial reforma.
Ressai, induvidosamente da prova dos autos, até mesmo pela confissão da Recorrente, que o vôo realmente sofreu atraso de uma hora e vinte e sete minutos.
Outrossim, também é indiscutível que o Código Brasileiro do Ar (Lei nº 7.656, de 19/12/86), no que não conflitar com as regras e princípios do disposto no Código de Defesa ao Consumidor (Lei nº 8.078, de 11/09/90), continua em vigor, sendo que, a respeito da ocorrência de atraso no transporte aéreo, prescreve em seu:
"Art. 256. O transportador responde pelo dano decorrente:
I - ...//... (omissis);
II - de atraso do transporte aéreo contratado.
§ 1° O transportador não será responsável:
a) ....//... (omissis);
b) no caso do item II, se ocorrer motivo de força maior ou comprovada determinação da autoridade aeronáutica, que será responsabilizada."
É que, como o transporte aéreo traz a natureza jurídica de contrato de resultado, visa o seu cumprimento na forma pactuada. O consumidor que procura a companhia aérea, fornecedora do serviço de transporte, quer ver adimplida a avença na forma pactuada, mormente quanto ao horário marcado para a decolagem e sua chegada incólume ao lugar de destino, sem transtornos ou aborrecimento de qualquer ordem. Se, ao contrário, o vôo não sai no horário marcado e, por conseqüência, chega atrasado ao destino, por si só, implica no descumprimento obrigacional avençado pelas partes; pois, a prestação do serviço não se deu adequadamente e na forma ofertada pela empresa aérea, razão porque, o dispositivo legal aeronáutico e específico, acima citado, atribui à empresa transportadora a responsabilidade objetiva, ao deixar claro que "O transportador responde pelo dano decorrente: de atraso do transporte aéreo contratado", que só pode ser afastada "...se ocorrer motivo de força maior ou comprovada determinação da autoridade aeronáutica, que será responsabilizada." No mesmo sentido também dispõe a norma consumerista, em relação à empresa fornecedora do serviço (art. 14 do CDC) e, ainda, reafirmando sua responsabilidade objetiva, dispõe no mesmo diapasão o parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal, por ser a Recorrente concessionária de serviço público.
Pelo que, não vislumbrando nos autos as hipóteses elisivas previstas na legislação acima citada (confessou a Recorrente, em sua contestação de fls. 40/52, que "o pequeno atraso mencionado pelo Autor ocorreu em decorrência da espera de outros passageiros, procedentes do vôo VP4290, que decolou de Recife com pequeno atraso" – sem mencionar ou provar a razão deste admitido atraso), não há como se afastar a sua responsabilidade civil pelos danos de natureza material ou moral que tenha sofrido o Recorrido, na qualidade de consumidor-passageiro.
E, na análise da efetiva ocorrência de tais danos, verifico que:
Quanto aos danos materiais, bem examinados os elementos probantes dos autos, concluo por ter razão a Recorrente.
Pois, o atinente ao valor despendido com a aquisição da passagem não utilizada, como bem frisado pela Recorrente, não está perdido e ainda não se traduziu em prejuízo. Tanto pode ser revalidado e utilizado em outra viagem, como pode ser reembolsado ou, até mesmo, servir como pagamento de outra passagem aérea. Não havendo o prejuízo, inexiste falar-se em indenização.
E, quanto o valor que teria sido pago ao taxista, que o conduzira do aeroporto até sua casa, bem como o que teria sido gasto com combustível para ir com seu carro até Goiânia, ao que se vê, nenhuma prova o Recorrido carreou para o processo de forma a demonstrar esse efetivo dispêndio pleiteado na inicial. Se não provados os efetivos prejuízos, ficando em meras alegações, não há como proceder à postulação indenizatória pelos danos materiais.
É o que deflui cristalinamente da inteligência do art. 1.059 do Código Civil. Não basta à parte alegar a ocorrência de prejuízo, mediante simples e aleatória estimativa a possibilitar-lhe o ressarcimento pretendido. Além da demonstração do fato que lhe deu azo, é indispensável a comprovação da ocorrência efetiva das perdas e danos que reclama, inclusive a respeito de seu quantum, através do damnum emergens que, segundo J. M. CARVALHO SANTOS "...quer o Código que o devedor inadimplente indenize o prejuízo, ou seja a perda certa e não eventual, ou melhor ainda, a verdadeira diminuição ou desfalque que no seu patrimônio sofreu efetivamente o credor com o inadimplemento da obrigação"; assim como, o eventual, do lucrum cessans, isto é, aquilo que efetiva e comprovadamente deixou de lucrar (in Código Civil Brasileiro Interpretado, 8ª edição, Ed. Freitas Bastos, Volume XIV, pág. 255).
A respeito dos danos morais, entretanto, falece razão à Recorrente.
Demonstrado o fato que lhe deu azo e, em que pese as assertivas contrárias da Recorrente, o atraso injustificado do vôo, independentemente de outras conseqüências daí decorrentes, como dito acima, além de revelar falha sensível no serviço prestado, em flagrante descumprimento do contrato de resultado, firmado pelas partes, causou bastante mal estar e muito aborrecimento ao Recorrido que, como consumidor-passageiro, ficou à mercê da fornecedora-companhia aérea, sem maiores opções, ou seja: aguardar o vôo atrasado, sem saber ao certo quanto tempo ainda atrasaria - diante das informações desencontradas que vinha recebendo a respeito - ou desistir de voar, como preferiu, perdendo o compromisso solene que tinha e frustrando a si e aos que o convidaram, o que, induvidosamente, causou-lhe, como causaria a qualquer pessoa de desenvolvimento mediano do povo, profunda mágoa interior e indiscutível dano moral, que deve ser ressarcido pecuniariamente.
Nota-se que, in casu, o Recorrido reside nesta cidade de Brasília e, se optou por adquirir a passagem aérea com um lapso de tempo pequeno a alcançar seu compromisso em Goiânia, o fez, logicamente, por confiar no transporte aéreo contratado e seu cumprimento efetivo - como, aliás, é de se esperar sempre, em qualquer pactuação, por ser da essência do direito obrigacional. A avença firmada deve ser prestada na forma estabelecida, respondendo o inadimplente pelas conseqüências de seu descumprimento no tempo, forma e modo contratados.
Não pode, por isso, vingar e prevalecer o argumento de que há previsão, no verso do bilhete da passagem aérea (embora nada a respeito tivesse sido juntado aos autos), para o eventual descumprimento do horário marcado, vez que, evidentemente, tal ressalva é inadmissível nos contratos de resultado - como é o caso – vez que se revela nula, porque visa impossibilitar, exonerar ou atenuar a responsabilidade da fornecedora pelo vício do serviço de passagem aérea a ser prestado (inciso I do art. 51 do CDC), além de se mostrar iníqua e abusiva, por colocar o consumidor-passageiro em desvantagem exagerada (inciso IV do mesmo art. 51 citado).
Outrossim, não sensibilizam os argumentos recursais que procuraram desacreditar a versão do Recorrido, segundo a qual, perdera seu compromisso de participar de cerimônia de casamento naquela cidade (fl. 10), onde seria padrinho, mormente quando nenhuma prova foi carreada a destruir a verosimilhança do asseverado pelo Consumidor-recorrido (inciso VIII do art. 6º do CDC), nada havendo que possa colocar em dúvida essa versão.
Resta examinar o valor do quantum arbitrado, diante da postulação recursal alternativa que pleiteia a sua redução, mas que, data venia, não pode ser acolhida, diante do que revelam as regras de experiência comum.
É que, tendo em conta as circunstâncias que envolveram o fato (não apenas o valor da passagem aérea, que, por si só, não pode nortear e balizar o arbitramento), as condições pessoais e econômico-financeiras dos envolvidos, assim como o grau da ofensa moral sofrida, observa-se que, de um lado, não é suficiente a redundar em enriquecimento ilícito do ofendido e, de outro, não passará desapercebido do ofensor, que terá afetado de forma moderada, porém sensível, seu patrimônio financeiro. Atingiu, assim, a sua dupla finalidade, buscando, a priori, trazer um pequeno conforto àquele que foi atingido no seu âmago e sofreu a dor moral; e, num segundo momento, visando desestimular condutas atentatórias ao direito alheio, aplicando sanção pecuniária, razoavelmente arbitrada, ao ofensor. Pelo que, estando conforme os melhores critérios que norteiam o arbitramento, em casos que tais, tenho-o como proporcional e razoável, portanto justo.
Isto posto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao RECURSO para REFORMAR a sentença tão-só quanto aos danos materiais, tendo-os por improcedentes; mas, por outro lado, MANTENHO a r. sentença recorrida no que pertine aos DANOS MORAIS, na forma como ali foram arbitrados (R$ 2.500,00 – dois mil e quinhentos reais - corrigidos monetariamente desde o ajuizamento da ação, acrescidos dos juros moratórios legais de 6% - seis por cento – ao ano desde a citação).
Porque vencida na maior parte, CONDENO a Recorrente ao pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS e HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS do Recorrido, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal
Com o Relator.
O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal
Com a Turma.
DECISÃO
Conhecido. Dado provimento parcial ao recurso. Unânime.
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios