PROIBIÇÃO DE INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES

 

Órgão

:

2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe

:

ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial

N. Processo

:

2002.01.1.037520-5

Apelante(s)

:

EDITORA GLOBO S.A

Apelado(s)

:

MARIA GRACILDA NEVES PEREIRA

Relator(a) Juiz(a)

:

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

 

EMENTA

 

CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE ASSINATURAS DE REVISTAS. OFERECIMENTO DE PASSAGENS AÉREAS. SERVIÇOS DE TRANSPORTE AÉREO A SEREM PRESTADOS POR TERCEIRO. OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR. ADESÃO ÀS OBRIGAÇÕES PRINCIPAIS. INADIMPLÊNCIA DA OBRIGADA. DANOS MATERIAIS. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. I. Oferecendo a editora assinaturas das revistas que edita e, resgatado o preço avençado, passagens aéreas como atrativo para atrair e conquistar os assinantes, vincula-se aos termos da oferta, que adere aos contratos ajustados nos moldes propostos. II - A obrigação secundária de fornecer as passagens e velar pela prestação dos serviços de transporte aéreo, ainda que prestados por terceiro em decorrência de contrato subjacente entabulado com a editora, obriga-a junto aos assinantes com os quais contratara. III - Obrigando-se nas condições que ofertara e tendo a consumidora adimplido as obrigações que em contrapartida lhe estavam destinadas, a editora fica jungida à obrigação de fornecer as passagens e prestar os serviços de transporte aéreo nos parâmetros que divulgara, responsabilizando-se pela inadimplência da companhia aérea com a qual havia entabulado contrato subjacente. IV - A previsão dos serviços aéreos serem prestados por empresa alheia ao contrato celebrado com a assinante não se caracteriza como estipulação em favor de terceiros, vinculando tão somente as contratantes e sujeitando a ofertante à sua responsabilização pela inadimplência da prestação de serviços que contratara. V - Caracterizados o vínculo obrigacional existente, a inadimplência culposa da editora, os danos experimentados pela assinante e o nexo de causalidade enliçando os prejuízos ao inadimplemento havido, a inadimplente fica obrigada a reparar os prejuízos materiais que provocara. VI. Recurso conhecido e improvido. Unânime.

 

 

ACÓRDÃO

 

Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Relator, - BENITO AUGUSTO TIEZZI – Vogal, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento.

Brasília (DF), 16 de outubro de 2002.

BENITO AUGUSTO TIEZZI

Presidente

 

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

Relator

 

 

RELATÓRIO

 

Cuida-se de ação de indenização manejada pela consumidora Maria Gracilda Neves Pereira em desfavor da Editora Globo S/A colimando a imposição de cominação à demandada destinada a compeli-la a fornecer-lhe um bilhete de passagem que alcance o mesmo trecho que deveria ser coberto mediante a utilização daquele que lhe deveria ser fornecido e não o fora, e, ainda, forrar-se com os importes que declinara como compensação pelos danos morais que experimentara em decorrência dos transtornos, aborrecimentos e frustração provenientes do descumprimento do contrato que celebrara com a demandada e das indevidas cobranças que lhe foram endereçadas e como reembolso dos valores que despendera em pagamento das obrigações que ficaram afetas em decorrência do distrato do ajuste que concertaram, abatido o custo das revistas que lhe foram enviadas.

Como suporte material das pretensões que veiculara aduzira, em suma, que, atraída pela promoção realizada pela demandada, efetivara assinatura das revistas "Época" e "Quem" por ela editadas, resgatando o preço avençado. Em contrapartida, de acordo com as condições estabelecidas pela própria editora com o objetivo de angariar novos assinantes e assegurar aqueles que detinha, tornara-se credora de uma passagem aérea, de ida e volta, de Brasília para as capitais estaduais alcançadas pela promoção, as quais deveriam ser oferecidas pela empresa aérea Transbrasil.

Almejando realizar uma viagem de lazer e temendo a expiração do prazo de validade da autorização para emissão da passagem que lhe era devida ("voucher"), entrara em contato com a demandada almejando a emissão do bilhete aéreo do qual era credora, optando por utilizá-lo em viagem no trecho Brasília/Recife/Brasília. Contudo, ante a paralisação das atividades da empresa aérea que deveria prestar-lhe os serviços de transporte ante os problemas financeiros que vem enfrentando, não conseguira obter a passagem aérea que lhe era devida e nem viajar mediante sua utilização, frustrando a viagem que havia marcado e sujeitando-a aos constrangimentos e aborrecimentos provenientes dos fatos de que não conseguira viajar nos moldes que inicialmente havia planejado e das tentativas frustradas que empreendera com o objetivo de contornar os problemas que detectara para a satisfação do direito que lhe assiste e safar-se das cobranças indevidas que anteriormente lhe foram encaminhadas. Exauridas as possibilidades de alcançar uma solução amigável para o conflito estabelecido, tendo em conta a recusa proveniente da demandada em compensá-la devidamente pelos danos que experimentara em decorrência da sua exclusiva inadimplência, fora, então, compelida a recorrer à tutela jurisdicional, invocando em seu socorro o contido no Código de Defesa do Consumidor diante da relação de consumo havida entre as partes.

Frustradas as tentativas empreendidas com o objetivo de se obter a conciliação das partes, a ação fora regularmente processada e, ao final, o pedido parcialmente acolhido, condenando-se a demandada a pagar à autora a quantia de R$ 187,00 (cento e oitenta e sete reais), correspondente ao importe a ser repetido em decorrência do distrato do contrato de assinatura que fora concertado entre as partes, e cominando-lhe a obrigação de fornecer à assinante uma passagem aérea no trecho Brasília/Recife/Brasília, no prazo de 05 (cinco) dias, contados da data em que se ultimar o trânsito em julgado do provimento condenatório, sob pena de incorrer em multa diária em decorrência do descumprimento da obrigação que lhe fora cominada, rejeitando-se a pretensão destinada a compor os danos morais aventados na inicial.

Não se conformando com o veredicto que lhe fora desfavorável, a demandada contra ele irresignara-se almejando sua reforma e sua conseqüente absolvição das condenações que lhe foram cominadas. Como sustentáculo para sua pretensão revisional aduzira, em suma, que efetivamente as partes entabularam um contrato de assinatura de revistas que edita e, de acordo com o ajustado, ao resgatar os preços avençados teria a autora direito ao recebimento de uma passagem aérea, de ida e volta, de Brasília para as capitais estaduais individualizadas no regulamento da promoção. Resgatados os preços das assinaturas ajustadas, passara a encaminhar as revistas objeto do contrato e emitira a autorização para a assinante retirar os correspondentes bilhetes de passagem junto à empresa aérea Transbrasil, com a qual havia entabulado contrato subjacente destinado ao fornecimento das passagens aos assinantes beneficiários da promoção, revelando que adimplira integralmente as obrigações que lhe estavam destinadas.

Sustentara que, tendo se verificado a inadimplência da empresa aérea que estava obrigada a fornecer as correspondentes passagens aéreas, as obrigações que a ela estavam destinadas não podem lhe atingir, pois o contrato que entabulara com a recorrida continha verdadeira estipulação em favor de terceiro, não podendo ser responsabilizada pela inadimplência daquela que estava obrigada a cumprir a estipulação avençada. Além disso, o regulamento da promoção que realizara não autorizava a substituição dos bilhetes fornecidos e nem sua troca por passagens fornecidas por outras empresas aéreas que não aquela com a qual estabelecera a parceria, revelando que, não tendo tornado-se inadimplente e nem concorrido para os danos materiais experimentados pela assinante, deve ser, de qualquer sorte, isentada da condenação que lhe fora imposta, mantendo-se a rejeição da pretensão destinada a compor os danos morais por ela também invocados por não terem ficado caracterizados.

Defendera, ao final, o acolhimento da irresignação aviada e a conseqüente rejeição da pretensão condenatória agitada em seu desfavor e acolhida pelo eminente Juízo monocrático.

A recorrida, regularmente intimada, contrariara tempestivamente o recurso manejado, pugnando, em suma, pela manutenção do decisório vergastado por seus próprios e jurídicos fundamentos.

É o relatório.

 

VOTOS

 

O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Relator

Estando patente o interesse da recorrente, sendo o recurso apropriado, tendo sido atempadamente manejado, regularmente preparado e subscrito por advogada regularmente constituída, fazendo-se presentes, pois, todos os pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Cuida-se de ação de indenização manejada por Maria Gracilda Neves Pereira em desfavor da Editora Globo S/A colimando a imposição de cominação à demandada destinada a compeli-la a fornecer-lhe um bilhete de passagem que alcance o mesmo trecho que deveria ser coberto mediante a utilização daquele que lhe deveria ser fornecido e não o fora, e, ainda, forrar-se com os importes que declinara como compensação pelos danos morais que experimentara em decorrência dos transtornos, aborrecimentos e frustração provenientes do descumprimento do contrato que celebrara com a demandada e das indevidas cobranças que lhe foram endereçadas e como reembolso dos valores que despendera em pagamento das obrigações que ficaram afetas em decorrência do distrato do ajuste que concertaram, abatido o custo das revistas que lhe foram enviadas, ao argumento de que, tendo entabulado um contrato de assinatura com a editora acionada, ignorara ela as obrigações que lhe estavam destinadas no atinente ao fornecimento da passagem aérea nos trechos que delimitara como parte da campanha promocional que deflagrara, pois que a empresa aérea que contratara para prestação desses serviços aos assinantes que acorreram ao seu chamado paralisara suas atividades.

O ilustrado Juízo monocrático, em sentenciando a demanda, acolhera parcialmente o pedido formulado, condenando-se a demandada a pagar à autora a quantia de R$ 187,00 (cento e oitenta e sete reais), correspondente ao importe a ser repetido em decorrência do distrato do contrato de assinatura que fora concertado entre as partes, e cominando-lhe a obrigação de fornecer à assinante uma passagem aérea no trecho Brasília/Recife/Brasília, no prazo de 05 (cinco) dias, contados da data em que se ultimar o trânsito em julgado do provimento condenatório, sob pena de incorrer em multa diária em decorrência do descumprimento da obrigação que lhe fora cominada, rejeitando-se a pretensão destinada a compor os danos morais aventados na inicial.

Inconformada com a condenação que lhe fora desferida como forma de serem reparados os danos materiais experimentados pela autora, a demandada recorrera objetivando a reforma do julgado monocrático e sua absolvição das cominações que lhe foram impostas sustentando que, não tendo inadimplido as obrigações que lhe estavam destinadas, não pode ser alcançada por uma condenação proveniente da inadimplência de terceiro, ainda mais porque não restara estabelecido o nexo de causalidade jungindo qualquer ato que praticara aos danos experimentados pela recorrida.

Observo, inicialmente, que a autora não se irresignara contra o provimento monocrático na parte em que rejeitara a pretensão condenatória que agitara como forma de ser compensada pelos danos morais que também teria experimentado em decorrência das cobranças indevidas que lhe teriam sido direcionadas e da frustração que experimentara em decorrência de não lhe ter sido fornecida a passagem aérea que lhe era devida, inviabilizando a consumação da viagem de lazer que almejava, restringindo-se a irresignação em cotejo tão somente ao apelo manejado pela demandada com o objetivo de safar-se das cominações que lhe foram impostas como forma de compor os danos materiais experimentados pela assinante em decorrência da inadimplência que lhe fora imputada. Estabelecidos os limites desse recurso e inexistindo quaisquer preliminares a serem apreciadas, passo a examinar o mérito das alegações deduzidas.

Em conformação com o que fora acima alinhavado infere-se que restara incontroverso que as partes concertaram um contrato de assinatura de revistas e, diante da promoção então deflagrada pela recorrente com o objetivo de angariar novos assinantes para as revistas que edita, a recorrida, tendo satisfeito o preço ajustado, tornara-se credora de uma passagem aérea, de ida e volta, no trecho que viesse a escolher dentre aqueles previamente estabelecidos pela própria editora. Essa passagem, sendo o transporte aéreo serviço estranho ao objeto social da recorrente, deveria ser fornecida pela empresa aérea com a qual havia entabulado uma avença subjacente com esse objeto.

Contudo, deparando-se com a paralisação das atividades da companhia aérea contratada pela editora para fornecer as passagens aéreas aos assinantes que foram alcançados pela promoção que lançara, a recorrida, diante do aprazamento da viagem que almejava realizar com a utilização do bilhete de passagem que deveria lhe ser fornecido por ter contratado com a recorrente nos moldes por ela propostos, vira frustrado o seu objetivo, ficando impossibilitada de viajar mediante a utilização daquela passagem pois sequer lhe fora fornecida, malgrado dispusesse do correspondente "vale" para obtê-la.

Estabelecidas essas premissas resta a ser apurado, assim, se existiria qualquer fato apto a determinar a absolvição da recorrente da obrigação que lhe fora cominada quanto ao simples fornecimento de uma passagem aérea à recorrida para cobertura do mesmo trajeto que deveria ser coberto mediante utilização do bilhete que deveria lhe ter sido fornecido e do qual não pôde utilizar-se em decorrência da paralisação das atividades da companhia aérea que a editora contratara à sua livre escolha e sob sua exclusiva responsabilidade.

Estando patente que a recorrente lançara uma promoção segundo a qual, ao efetivar as assinaturas das revistas que edita que elencara ("Época" e "Quem"), a assinante, em resgatando o preço avençado, tornava-se credora de uma passagem aérea nos trechos previamente definidos e discriminados, observada a companhia que deveria prestar os serviços de transporte, ficara jungida aos termos da propaganda que veiculara, que passara a integrar o contrato de assinatura concertado ante a convergência de vontades havida. A vinculação da oferta veiculada e sua adesão aos contratos dela oriundos deriva de expressa previsão legal (artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor), e nem poderia ser diferente, pois que as condições difundidas são preponderantes para a aceitação da proposta e formalização da avença.

Em sendo assim, tendo as condições delineadas derivado da exclusiva iniciativa da própria recorrente, que com elas vislumbrara um considerável atrativo para angariar novos assinantes e manter aqueles com os quais já mantinha relacionamento, ficara jungida à obrigação complementar que aderira ao contrato de assinatura que entabulara com a recorrida. É que a obrigação principal oriunda do ajuste era o fornecimento das revistas, qualificando-se o fornecimento das passagens aéreas como obrigação secundária ou complementar.

Outrossim, tendo o fornecimento da passagem aérea integrado o objeto do contrato de assinaturas de revistas concertado entre as partes, as obrigações dele oriundas alcançaram somente as pactuantes, caracterizando-se como res inter alios, sendo impassíveis de alcançarem e vincular terceiros estranhos à avença. Destarte, à assinante assistia o direito de obter a passagem aérea que cobria os trechos que previamente escolhera e à editora estava debitada a obrigação de fornecê-la, velando pela efetiva prestação dos serviços de transporte pela empresa aérea que havia contratado com esse desiderato, visto que, consoante já assinalado, o transporte aéreo é estranho ao seu objeto social. O vínculo obrigacional estabelecido jungia tão somente a editora e a assinante, pois que não havia a consumidora contratado com a empresa aérea escolhida, sendo-lhe indiferente a companhia que prestaria os serviços de transporte dos quais era credora.

Conseqüentemente, em tendo se verificado a inadimplência da empresa aérea contratada pela recorrente para prestar os serviços de transporte aéreo aos quais se obrigara, a qual paralisara suas atividades e deixara de prestar os serviços de transporte aéreo que fornecia, a inadimplência atinge-a diretamente, obrigando-a a responder perante a recorrida pelos danos patrimoniais que experimentara em decorrência do inadimplemento havido. O contrato subjacente que mantinha com a companhia aérea é estranho à assinante e, diante dessa irreversível evidência, não pode ser alcançada pela inadimplência apurada quanto ao seu objeto, assistindo-lhe o direito de obter junto à empresa com a qual contratara a reparação dos prejuízos que experimentara.

Com efeito, se a recorrida havia agendado uma viagem de lazer, que seria efetivada mediante a utilização da passagem aérea que deveria lhe ser fornecida em decorrência do contrato de assinatura que havia sido entabulado entre as litigantes, e se se deparara com a impossibilidade de efetivá-la ante a paralisação das atividades da companhia aérea escolhida pela própria recorrente, vendo frustrar suas expectativas e seu objetivo, a editora deve, necessariamente, suportar os prejuízos daí oriundos, que são representados exclusivamente pelos custos dos serviços de transporte a que havia se obrigado e não prestara efetiva e corretamente, fornecendo-lhe, com esse desiderato, nova passagem proveniente de companhia aérea operante.

Dessas constatações deriva o nexo de causalidade jungindo a omissão da recorrente aos prejuízos experimentados pela recorrida, pois, deparando-se com a impossibilidade de viajar pela companhia aérea indicada pela editora, vira frustrado seu intento e tolhida a expectativa de fruir de um direito que contratualmente lhe estava assegurado, donde se apura que a obrigada fica compelida ao menos a despender o que deve a assinante desembolsar para adquirir a passagem para cobertura do mesmo trajeto que seria alcançado pela passagem que lhe deveria ser fornecida ou, ainda, fornecer-lhe diretamente novo bilhete de passagem aérea emitido por empresa operante, consoante restara assentado pelo diligente Juízo monocrático, como forma de adimplir as obrigações que a afligiam e deixara de cumprir nos moldes avençados.

Em contrapartida, à recorrente assiste o direito de, em sede regressiva e lhe afigurando conveniente, reclamar junto à companhia aérea com a qual havia entabulado o contrato subjacente os prejuízos que experimentara em decorrência da não prestação dos serviços que lhe estavam afetos, e não pretender transferir os riscos desse ajuste para a assinante, que é inteiramente estranha a esse relacionamento subjacente existente, não podendo ser atingido pelas obrigações e condições dele oriundas.

De outra parte, ao revés do que sustentara a editora recorrente, o contrato que concertara com a recorrida não contemplara qualquer estipulação em favor de terceiros. Para desqualificar essa assertiva, que não guarda conformação com a natureza e alcance do ajuste que efetivamente fora entabulado entre partes, é suficiente ser asseverado que esse contrato fora concertado diretamente entre as litigantes e somente se aperfeiçoara com a intervenção da assinante, sem o que não teria caracterizado-se como ato jurídico perfeito e ingressado no universo do direito. Por conseguinte, em tendo a assinante participado efetivamente do ajuste, sem o que sequer teria sido formalizado, um dos requisitos genéricos do instituto invocado restara afastado, pois para sua caracterização é indispensável que o terceiro beneficiado com a estipulação seja estranho à avença que o beneficia.

Demais disso, o contrato entabulado entre as partes é comutativo e oneroso, tanto que a obrigação complementar que passara a afligir a recorrente somente se aperfeiçoara após o resgate do preço ajustado, derivando justamente das condições avençadas, e não de estipulação que teria efetivado em favor da assinante. Aliás, destinando-se à prestação de serviços a consumidores indeterminados com os quais viesse a entabular contratação, não sendo eles identificados no momento em que concertara o ajuste subjacente com a correspondente companhia aérea, era mesmo inviável se cogitar de estipulação beneficiando terceiros indeterminados, sujeitando essa avença a uma condição que não se conforma com sua natureza.

Ressalte-se, ainda, que a matéria debatida neste recurso não é inédita nesta egrégia Turma e a argumentação acima alinhavada encontra conforto nos precedentes da ilustrada lavra dos seus componentes, consoante asseguram os julgados que guardam as seguintes ementas:

"CIVIL. CDC. OBRIGAÇÃO DE FAZER. VENDA DE REVISTA COM OFERTA DE PASSAGEM AÉREA A SER PRESTADA POR TERCEIRO. ART. 30 DO CDC. RESPONSABILIDADE DIRETA DE QUEM OFERTOU A BENESSE. 1. SE UMA EMPRESA, COMO FORNECEDORA, DIVULGA, EM SUA ESTRATÉGIA DE VENDA DE CERTO PRODUTO (ASSINATURA DE REVISTAS), DETERMINADA BENESSE A QUEM O ADQUIRE (BILHETE DE PASSAGEM DE TRANSPORTE AÉREO GRATUITO), A SER PRESTADA POR UMA TERCEIRA PESSOA (EMPRESA AÉREA), TAL BENEFÍCIO INTEGRA O CONTRATO, NA FORMA DO PREVISTO NO ART. 30 DO CDC. 1.1. SE, ENTRETANTO, EM RAZÃO DE TER TIDO SUA FALÊNCIA DECRETADA, A TAL EMPRESA AÉREA FICA IMPOSSIBILITADA DE PRESTAR O SERVIÇO AO CONSUMIDOR, DEVE A OBRIGADA PRINCIPAL PROVIDENCIAR SEU CUMPRIMENTO, SOB PENA DE CONFIGURAR-SE A INEXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO AVENÇADA, POR QUEM COM ESTE PACTUOU (ART. 1.056 DO CÓDIGO CIVIL), CUJO PREJUÍZO DEVE SER RESSARCIDO PELA CONTRATADA INADIMPLENTE. 2. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Decisão: CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, POR UNANIMIDADE." (TJDF, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, Apelação Cível no Juizado Especial nº 172620/2001, Reg. Int. Proces. 157.243, relator Benito Augusto Tiezzi, data da decisão: 19.06.02, publicada no Diário da Justiça de 08.08.02, pág. 63)

"CONTRATO - ASSINATURA DE REVISTAS - BRINDE - TRANSPORTE AÉREO - NÃO REALIZAÇÃO DO SERVIÇO - RESPONSABILIDADE DA CONTRATADA - OBJETO DA CONDENAÇÃO - RESPEITO AOS LIMITES GEOGRÁFICOS DO CONTRATO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA- 1. ASSINANDO CONSUMIDOR CONTRATO COM EDITORA, PARA RECEBIMENTO DE REVISTAS, E RECEBENDO, COMO BRINDE, PASSAGEM AÉREA, TEM ELE O DIREITO DE SER TRANSPORTADO, POR QUALQUER COMPANHIA AÉREA, E NÃO SÓ POR AQUELA QUE CONSTAVA DO CONTRATO, PORQUE O SEU OBJETIVO ERA A VIAGEM, E NÃO A VIAGEM EXCLUSIVA POR UMA COMPANHIA, NÃO PODENDO A CONTRATADA FUGIR DE SUAS RESPONSABILIDADES, SOB A ALEGAÇÃO DE FATO DE TERCEIRO, JÁ QUE FOI ELA QUEM SE COMPROMETEU A GARANTIR O TRANSPORTE.2. HAVENDO LIMITAÇÃO DE CIDADES NO BRASIL EM QUE PODERIA A VIAGEM SE DAR, SENDO ELA CLÁUSULA EXPRESSA, COM RELAÇÃO NOMINAL DAS CAPITAIS, NÃO PODE SE DAR CONDENAÇÃO QUE FUJA DESTA LIMITAÇÃO, SOB PENA DE DESRESPEITAR-SE CONTRATO.3. DEVE A RECORRENTE PAGAR AS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, POR TER ELA DECAÍDO NA QUASE TOTALIDADE DO RECURSO. Decisão: CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, POR UNANIMIDADE." (TJDF, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, Apelação Cível no Juizado Especial nº 5253/2002, Reg. Int. Proces. 156.605, relator Luciano Moreira Vasconcelos, data da decisão: 12.06.02, publicada no Diário da Justiça de 01.07.02, pág. 48)

Ressalve-se, ainda, diante do que fora suscitado pela recorrente nesse sentido, que a obrigação que lhe fora cominada deriva de expressa previsão contratual e legal, guardando nítida e estrita vassalagem ao vetusto princípio de que os contratos, regularmente formalizados e tendo um objeto lícito e possível, jungem as contratantes e devem ser adimplidos tal como concertados, sob pena de sujeitar-se a inadimplente às conseqüências derivadas da sua inadimplência. A cominação que lhe fora imposta, por conseguinte, é mera expressão e reflexo da sua inadimplência, guardando estrita conformidade com o prejuízo material que fora experimentado pela recorrida, destinando-se, em suma, simplesmente a repará-lo.

Há que ser asseverado, por fim, que a recorrente, malgrado o inconformismo que agitara, não alinhavara o estofo jurídico e contratual que seria apto a determinar sua absolvição da obrigação que também lhe fora imposta quanto à restituição à recorrida de parte do preço do contrato de assinaturas que ajustara em decorrência da assinante ter reclamado seu distrato. Ao revés, a argumentação que delineara focara exclusivamente a cominação que lhe fora imposta quanto ao fornecimento da passagem aérea da qual a recorrida é credora, o que, estabelecidos os limites do apelo aviado pela argumentação deduzida e pretensão absolutória agitada, obsta o tecimento de quaisquer considerações acerca da obrigação pecuniária que também lhe fora imputada, inviabilizando seu reexame em sede recursal.

Da argumentação acima alinhavada deflui a irreversível constatação de que a irresignação aviada deve ser integralmente improvida, prestigiando-se a ilustrada decisão fustigada, pois que restaram apuradas a obrigação que estava afeta à recorrente, sua inadimplência culposa quanto ao seu adimplemento nos moldes concertados, o prejuízo experimentado pela recorrida e o nexo de causalidade enliçando o inadimplemento apurado ao dano material havido.

Em conformação com a argumentação ora delineada, nego provimento ao recurso manejado, mantendo intacta a r. sentença desafiada. Em vassalagem ao princípio da sucumbência albergado pelo artigo 55 da Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), condeno a recorrente no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios da recorrida que, observados os parâmetros traçados por esse dispositivo, fixo no equivalente a 15% (quinze por cento) do valor alcançado pela condenação, regularmente atualizado monetariamente.

É como voto.

O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Presidente e Vogal

Com o Relator.

O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal

Com a Turma.

 

DECISÃO

 

Conhecido. Negado provimento ao recurso. Unânime.


Fonte: Tribunal De Justiça do Distrito Federal e Territórios