FURTO EM ESTACIONAMENTO OFERECIDO POR SUPEMERCADO

 

Órgão : QUARTA TURMA CÍVEL

Classe : APC – APELAÇÃO CÍVEL

N. Processo : 48.029/98

Apelante : CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA S/A

Advogados : Dr. Antônio Carlos Gonçalves e outros

Apelado : WASHINGTON LUIZ FERREIRA DOURADO

Advogados : Dr. Gilson Lucas de Lucena e outros

Relator Des. : MÁRIO-ZAM BELMIRO

Revisor Des. : MARIO MACHADO

EMENTA

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO OFERECIDO POR SUPERMERCADO. NEGLIGÊNCIA QUANTO AO DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 130 DO STJ. REDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO.

1. Caracterizada a culpa in vigilando do estabelecimento comercial, deve o mesmo indenizar o proprietário cujo veículo foi furtado do estacionamento oferecido por supermercado, ainda que diretamente não haja cobrança dos usuários sendo aludida oferta fator de captação de clientela. Irrelevância de avisos de não responsabilidade e não indenização e incidência do enunciado da Súmula nº 130 do eg. STJ.

2. Deve ser reduzido o montante da indenização, objetivando ajustá-lo ao valor de mercado do veículo na data do evento ilícito.

3. O atraso na lavratura do acórdão deveu-se ao extravio das notas taquigráficas, cuja reconstituição determinei tão logo fui comunicado a respeito, dando, então, preferência à confecção do acórdão.

 

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da QUARTA TURMA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, MÁRIO-ZAM BELMIRO – Relator, MARIO MACHADO - Revisor e SÉRGIO BITTENCOURT - Vogal, sob a presidência do Desembargador MARIO MACHADO, em DAR PROVIMENTO PARCIAL. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 14 de setembro de 1998.

Desembargador MARIO MACHADO

Presidente

Desembargador MÁRIO-ZAM BELMIRO

Relator

RELATÓRIO

Versa a presente lide sobre pedido indenizatório formulado pelo autor, alegando que teve seu veículo furtado do estacionamento da Ré, cuja sentença foi pela procedência do pedido.

Irresignada, a parte vencida apela (fls. 37/45), aduzindo, em apertada síntese, que não restou comprovado nos autos o nexo de causalidade entre sua ação e o evento danoso, ou seja, que não logrou o autor comprovar que o veículo fora subtraído do seu estacionamento, quer pelas testemunhas ouvidas, quer pela ausência de comprovante de compras efetuadas em seu estabelecimento. Por isso, requer seja dado provimento ao recurso, com reforma da sentença, dando-se por improcedente o pedido. Requer, também, caso mantida a condenação, que seja reduzida a verba indenizatória, amoldando-a ao real preço do veículo, a fim de evitar-se o enriquecimento sem causa.

Contra-razões às fls. 189/200, propugnando pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador MÁRIO-ZAM BELMIRO - Relator

Presentes os pressupostos legais, conheço do recurso.

Pretende a recorrente a reforma da r. sentença porque, a seu ver, não se desincumbiu o apelado do ônus que lhe competia, qual seja, o de comprovar que a apelante teria agido com qualquer modalidade de culpa no evento noticiado, porquanto não restou provado nos autos que o furto do veículo se deu em seu estacionamento, faltando, por isso, nexo de causalidade entre o dano experimentado pelo recorrido e qualquer ação ou atuação sua que viesse a possibilitar a ocorrência.

Tenho, porém, que o inconformismo da apelante não procede. Com efeito, a singela alegação de que, somente através de tíquete de compra ou nota fiscal, poderia o autor comprovar que o furto se verificou no âmbito do seu estacionamento, fere os mais comezinhos princípios do direito, fazendo letra morta, inclusive, no art. 332 do Código de Processo Civil, que dispõe textualmente que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa". Daí, por óbvio, que o autor, para provar os fatos constitutivos do seu direito, não precisaria, necessariamente, juntar aos autos tíquete ou nota fiscal de compras efetuadas no estabelecimento da ré.

Por outro lado, se se conferisse unicamente a mero tíquete ou nota fiscal força probante irrefutável, como pretende a apelante, tal fato levaria ao absurdo raciocínio e à forçosa conclusão de que a responsabilidade de indenizar por eventos tais se daria mesmo que o furto viesse a se verificar em estacionamentos outros e a vítima apresentasse comprovante das compras que efetuara em supermercados situados à proximidade, a quem demandara. Ora, mero comprovante de compra, embora relevante, não é o único meio de prova capaz de caracterizar a culpa, vez que esta, obviamente, pode restar patenteada por meios outros. Assim, mostra-se irrelevante para o deslinde da controvérsia o fato de o autor ter-se dirigido ao estabelecimento do réu para fazer compras, mas não as fez pelos motivos que declina. E se as tivesse feito, não estaria obrigado, conforme já argumentado, a se lembrar naquele momento de angústia que teria de guardar o comprovante para fazer prova do furto, especialmente porque de médico se cuida, e não de um bacharel em direito, acostumado às lides forenses, a quem, em tese, poderia ser exigida a manutenção de qualquer documento que viesse a lhe servir de prova.

A prova testemunhal colhida e, bem assim, os documentos constantes dos autos estão em perfeita harmonia com as alegações postas na inicial, razão por que hei por bem adotar, nesse particular, como razões de decidir as partes da r. sentença de fls. 159/167, que transcrevo:

 

"Tenho que o autor desincumbiu-se satisfatoriamente do ônus da prova das suas alegações.

A única prova deixada de apresentar foi o tíquete ou comprovante de venda, mas, observe-se, o autor fez compras apenas (sic) pesquisa de preços, não comprou naquele dia qualquer mercadoria. Não vejo neste fato descompromisso com a realidade ou intenção de enganar.

 

(...)

 

A prova testemunhal, no processo cível, possui um valor específico, não devendo ser desprezada pelo Juiz.

Os depoimentos colhidos do autor e testemunhas refletem a realidade dos fatos, salvo se estivessem imbuídos de ardil criminoso de simular fatos inverídicos. Tal intenção criminosa não está presente; ao contrário, verifica-se boa-fé.

.........

 

Ademais, se a ré insiste que os depoimentos são falsos, deveria, pois, denunciar o conluio, a fraude, através de provas do fato, e não meras ilações destituídas de eficácia probante. A fraude, assim como o crime, sempre deixa vestígios, cuja percuciente investigação, quase sempre conduzem à sua elucidação.

Considero verdadeiros os depoimentos."

 

A exemplo do MM. Juiz a quo , as provas carreadas aos autos convenceram-me, após minuciosa leitura, de que o veículo foi furtado quando se encontrava no estacionamento da ré. O principal motivo de meu convencimento está no depoimento desinteressado de Cícero Nicolau de Oliveira, que transcrevo in verbis:

 

"O depoente é taxista no Distrito Federal e recorda-se que numa noite do mês de agosto de 1994, não podendo precisar qual, estava no ponto de táxi do Carrefour Sul; recorda-se que o casal aqui presente chegou até seu táxi bastante angustiado e pediam que os levasse até a delegacia, pois tinham acabado de furtar sua camionete, uma Ford F-1.000. O depoente conduziu o casal até a Delegacia do Cruzeiro, obnde (sic) foi registrada a ocorrência e, após, o depoente retornou ao seu local de trabalho, onde estavam comentando sobre a tentativa de furto de outra camionete e o furto da camionete do autor; recorda-se que, no caminho do Carrefour até a 3ª Delegacia de Polícia, interceptaram uma Kombi da Rocan, mas o rádio da viatura estava quebrado. O depoente recorda-se que a esposa do autor estava chorando e o autor queria que chegassem rápido à delegacia, após ter comentado sobre estar o veículo estacionado no estacionamento do Carrefour. O depoente também se recorda que faltaram alguns centavos no pagamento da corrida e, em face daquela situação, o depoente liberou o autor para que ele cuidasse de seu problema. Dada a palavra ao Dr. Advogado do réu. Que naquele estacionamento tem lojas do Carrefour e a churrascaria" (fls. 139)

 

Na hipótese, pois, por construção jurisprudencial iterativa, restando configurado que o furto se deu no estacionamento da ré e, via de conseqüência, sua culpa in vigilando, exsurge o seu dever de indenizar. Aliás, é de se frisar que a própria apelante reconhece no item 07 do recurso que "de acordo com construção jurisprudencial recente, ... as vítimas de furtos ocorridos em pátios e estacionamentos localizados em frente a supermercados e shopping-centers devem ser indenizadas...". Tanto assim é, que dirigiu seu inconformismo somente em relação às provas, que, no seu entender, não se prestariam a confirmar que o veículo fora furtado em frente ao seu estabelecimento. Sem razão, contudo, conforme até aqui argumentado.

No que concerne ao valor da indenização, tenho que a respeitável sentença merece ligeiro reparo, vez que, nos autos, resta comprovado apenas por revista especializada que o valor venal de veículos semelhantes ao furtado no mês de agosto de 1994, data do evento, era de R$12.800,00 (doze mil e oitocentos reais), cuidando-se, assim, de meras ilações as assertivas alinhavadas pelo autor, no sentido de que o preço constante do documento de fls. 16 são para veículos desprovidos de acessórios, mormente quando não comprovou que o seu os possuía. De igual modo, se os preços praticados em Brasília se apresentam maiores, "superados por um acréscimo não inferior a 30%...", deveria o autor, à vista desse fato, carrear aos autos, conjuntamente com a revista especializada, anúncios de jornais locais para fazer merecedora de crédito sua incomprovada ilação.

Não se há de trazer à baila, aqui, discussões em torno das oscilações ocorridas no preço do veículo, quer no mês de setembro de 1994, como pretendido pelo recorrido, quer na data da sentença, como deseja a recorrente, vez que, certamente, o parâmetro correto é a data do furto (agosto/94), porquanto, a quantia de R$12.800,00, conforme prova dos autos, é o que perceberia o autor, naquele momento, se tivesse vendido o veículo.

Tendo em vista as alegações do eminente advogado da tribuna, acentue-se que, aliado ao depoimento retrotranscrito, consta dos autos depoimentos de informantes parentes do autor. Considerando que tais depoimentos estão em consonância com as declarações prestadas pela testemunha insuspeita Cícero Nicolau de Oliveira, merecem crédito as declarações dos informantes.

Por tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso, tão-somente para fixar o valor da indenização em R$12.800,00 (doze mil e oitocentos reais), observando-se o modo de correção, os juros e a data de incidência constantes da r. sentença, que, no mais, deve ser mantida.

É como voto.

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Presidente e Revisor

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Indiscutível a responsabilidade civil do apelante. Conforme bem fundamentado na r. sentença recorrida, o conjunto probatório – ocorrência policial e depoimentos testemunhais - convence da ocorrência do furto do veículo do apelado, quando se encontrava no estacionamento ofertado pelo apelante para seus clientes.

Nessas circunstâncias, é firme a jurisprudência:"A empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto do veículo ocorrido em seu estacionamento" (Súmula nº 130, do STJ, In DJ de 04/04/95, p. 8.894) "Responsabilidade pela guarda de veículo. Supermercado. Demanda indenizatória procedente. O estabelecimento comercial que oferece estacionamento em área própria para comodidade de seus clientes, ainda que a título gratuito, assume em princípio a obrigação de guarda dos veículos, sendo assim responsável civilmente pelo seu furto ou danificação." (STJ – Resp. no 12.509 - 4a Turma - Rel. Min. Athos Carneiro – unânime - 22/10/91 - in DJ de 18/11/91, Seção I, p. 16.528) "Responsabilidade civil. Estacionamento próprio de supermercado. Furto de veículo. Indenização. De acordo com a orientação da 3a Turma, existe, em casos dessa espécie, contrato de depósito, ainda que gratuito o estacionamento, respondendo o depositário, em conseqüência, pelos prejuízos causados ao depositante (REsp 4.582). Serviço prestado no interesse do próprio incremento do comércio, daí o dever de vigilância e guarda (Resp 5.886). Recurso conhecido e provido, declarada a procedência da ação." (STJ - 3a Turma - REsp. no 8.069 - reg. no 91021164 - Rel. Min. Nilson Naves - 29/04/91 - in DJ de 17/06/91 - p. 8.205).

 

Pouco importa que haja, no interior do estacionamento, avisos de não responsabilidade e não indenização. Esses unilaterais avisos não eximem o responsável civil. Nesse sentido, definiu o STJ: ".... Simples avisos de não responsabilidade não têm o condão de eximir o mantenedor do estacionamento do dever de conservação dos bens confiados à sua guarda" (STJ - 4ª Turma - REsp. nº 52.270-6/SP - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo - 23/08/94 - unânime - fl. 98).

Num ponto, todavia, tem razão o apelante. É que, conforme afirmado pelo próprio autor, na inicial, o valor venal do seu veículo furtado, em agosto de 1994, mês da ocorrência, era de R$12.800,00, o que é corroborado pelo documento de fl. 16, juntado pelo autor. E nenhum acessório ou fator de elevação de preço comprovou o autor. De sorte que não se justifica indenização que parta de valor maior do que o indicado, assim não podendo prevalecer os R$15.000,00 pedidos e deferidos.

Pelo exposto, dou provimento parcial à apelação, apenas para reduzir o valor da indenização para R$12.800,00 (doze mil e oitocentos reais), incidindo os mesmos acréscimos determinados na r. sentença. Mantenho, no mais, a r. sentença.

É o voto.

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT – Vogal

Senhor Presidente, essas áreas destinadas a estacionamentos, anexas às grandes lojas como shopping, supermercados etc, na realidade, são reservadas no interesse primordial dessas empresas. Facilitam, é verdade, a posição do consumidor, mas o objetivo principal é angariar clientela. Por isso, esses locais devem ser vigiados, evitando, assim, danos a terceiros.

No caso, como bem salientou o eminente Relator, restou demonstrado, satisfatoriamente, que o veículo furtado, a caminhonete, estava estacionada no local. Daí resultam a culpa, o dano e o nexo causal entre o evento e o prejuízo.

No que tange ao valor da indenização, tenho, na esteira dos votos precedentes, que correta a redução.

Acompanho a egrégia Turma.

DECISÃO

Deu-se provimento parcial. Unânime.