EMISSÃO INDEVIDA DE CARTÃO DE CRÉDITO- COBRANÇA DE FATURA

 

Órgão

:

2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe

:

ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial

N. Processo

:

2002.07.1.001765-3

Apelante(s)

:

CREDICARD S.A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO LTDA

Apelado(s)

:

NEWTON SANTOS ALMEIDA

Relator(a) Juiz(a)

:

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

 

 

EMENTA

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. REVELIA. AFASTAMENTO. REPRESENTAÇÃO PERFEITA. NULIDADE INEXISTENTE. CARTÃO DE CRÉDITO NÃO UTILIZADO PELO CONSUMIDOR. FATURAS EMITIDAS INDEVIDAMENTE E ANOTAÇÃO PROMOVIDA EM CADASTRO DE DEVEDORES INADIMPLENTES SEM LASTRO MATERIAL. DANO MORAL CARACTERIZAÇÃO. 1. Apresentando-se a ré na audiência de conciliação representada por preposto regularmente constituído mediante instrumento firmado por quem estava municiado com poderes para esse desiderato, afigura-se ilegítima e indevida a decretação da sua revelia por ocasião da ultimação do ato instrutório. 2. Conquanto afirmada a revelia, se a defesa fora recebida e acolhida, assegurado à ré plena participação em todos os atos instrutórios praticados e considerada a argumentação que deduzira naquela irresignação pelo Juízo monocrático por ocasião da prolação da sentença, dela não emergiram quaisquer prejuízos efetivos. 3. Inocorrentes quaisquer prejuízos e tendo sido observados os princípios do contraditório e da ampla defesa que foram içados à condição de dogmas constitucionais, afasta-se a revelia mas, em vassalagem aos princípios informadores da Lei nº 9.099/95, notadamente o da instrumentalidade das formas, prestigia-se a higidez do provimento desafiado. 4. Emitido o cartão de crédito, o consumidor somente ficará obrigado a suportar o pagamento dos débitos gerados mediante sua utilização se comprovado que efetivamente lhe fora entregue e dele utilizara-se para a consumação das transações havidas. 5. Não evidenciado que o consumidor recebera o instrumento de crédito e dele utilizara-se, os débitos oriundos da utilização ilícita do cartão não lhe podem ser imputados, estando eximido da obrigação de resgatá-los. 6. Estando desobrigado de resgatar as obrigações oriundas da indevida utilização do cartão emitido em seu nome, o consumidor, não qualificando-se como devedor inadimplente, não pode ter seu nome anotado em qualquer cadastro de devedores inadimplentes, sob pena de, em assim procedendo, a administradora praticar um ilícito passível de caracterizar-se como dano moral ante o abalo no crédito que provoca. 7. Caracterizada a anotação indevida, porque desprovida de lastro material, e sendo presumidos os danos morais experimentados pelo consumidor, assiste-lhe o direito de merecer uma compensação pecuniária e ver seu nome excluído do cadastro em que fora anotado, conformando-se a expressão pecuniária da reparação às circunstâncias que envolvem o caso concreto. 8. Recurso parcialmente provido. Unânime.

 


ACÓRDÃO

 

Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Relator, - BENITO AUGUSTO TIEZZI – Vogal, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento.

Brasília (DF), 18 de setembro de 2002.


BENITO AUGUSTO TIEZZI

Presidente

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

Relator

 

 

RELATÓRIO

 

Cuida-se de ação de reparação de danos morais ajuizada por Newton Santos Almeida em desfavor da Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito colimando forrar-se com o importe que indicara como compensação pelos danos morais que lhe teriam sido impingidos, ao argumento de que, conquanto não tenham concertado qualquer ajuste e nem utilizado-se de cartão de crédito por ela administrado, a demandada imputara-lhe débitos, endereçara-lhe cobranças indevidas e promovera a inserção do seu nome no rol dos maus pagadores, determinando a perda do seu crédito na praça desta capital, o que sujeitara-o a situações vexatórias e constrangedoras que provocaram-lhe sérios percalços e constrangimentos que se transmudaram em sofrimento e abatimento psicológico, afetando sua estima e moral, merecendo, pois, uma compensação pecuniária pelos danos que experimentara, mesmo porque a anotação que maculara seu nome somente fora extirpada quando efetuara uma reclamação junto ao PROCON-DF.

Frustradas as tentativas empreendidas com o objetivo de ser obtida a conciliação das partes, a ação fora processada e, afirmada a revelia da demandada ao estofo de que o preposto que a representara no ato conciliatório não havia sido regularmente constituído, o pedido fora acolhido, condenando-se a ré a pagar a quantia de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), reputada pelo Juízo monocrático como suficiente para compensar o autor pelos danos morais que experimentara em decorrência da anotação restritiva de crédito que o afligira.

Inconformada com a afirmação da sua revelia e com a condenação que lhe fora imposta, a ré recorrera argüindo, em preliminar, a nulidade da sentença desafiada por ter, afirmando indevidamente sua revelia, cerceado o pleno exercício do direito de defesa e ao contraditório que lhe são constitucionalmente assegurados, ao argumento de que o preposto que a representara na audiência de conciliação fora regularmente constituído, tanto que à causídica que firmara a correspondente carta de preposição haviam sido confiados os poderes das cláusulas ad e extra judicia, para transigir, acordar, conciliar e, dentre outros, para constituir prepostos em seu nome perante a Justiça do Trabalho e os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, revelando que estava perfeitamente municiada com aparato material para patrociná-la e nomear representantes em seu nome para representá-la em Juízo ou fora dele. Afigurando-se regular sua representação, impõe-se, então, a afirmação da nulidade do decisório vergastado, cassando-o, por ter indevidamente decretado sua revelia e cerceado-lhe o direito de defesa que constitucionalmente lhe é assegurado, possibilitando-lhe valer-se do contraditório para repelir as assertivas lançadas em seu desfavor.

Quanto ao mérito, sustentara, em suma, que o autor fora vitimado por meliantes que, apossando-se dos seus documentos pessoais, passaram a realizar transações comerciais em seu nome, determinando que fosse inscrito no rol dos maus pagadores por outras empresas. De sua parte, quando fora comunicada do uso indevido do cartão de crédito que emitira em seu nome, cuidara de imediatamente eliminar a anotação que havia promovido, assumindo os prejuízos causados pelos meliantes que utilizaram-se indevidamente daquele instrumento de crédito, revelando que não agira com má-fé. Além disso, malgrado a existência da anotação que promovera, o demandante não evidenciara que sofrera quaisquer restrições de crédito em decorrência dessa inscrição, que revelara-se inócua e imprópria para gerar quaisquer danos passíveis de merecer uma compensação pecuniária.

Asseverando que a condenação que lhe fora imposta afigura-se excessiva e desconforme com o princípio da razoabilidade, principalmente se comparada com os importes que teria o autor recebido das outras empresas que também inscreveram seu nome no rol dos maus pagadores, defendera o acolhimento da preliminar que suscitara, cassando-se a r. sentença desafiada e determinando-se o retorno dos autos à instância originária para que possa exercitar o amplo direito de defesa que lhe é assegurado, ou, se ultrapassada, o provimento do apelo que aviara para que reste absolvida da cominação que lhe fora imposta ou, ainda, para que a indenização fixada seja reduzida consideravelmente.

O autor, regularmente intimado, contrariara o recurso aviado, pugnando pela rejeição da preliminar suscitada pela demandada ante a circunstância de que efetivamente não fora devidamente representada no ato conciliatório que realizara-se, ou, quanto ao mérito, a integral rejeição da pretensão reformatória aduzida por traduzir o provimento desafiado a perfeita aplicação do direito ao caso concreto dilucidado.

É o relatório.

 

VOTOS

 

O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Relator

Estando patente o interesse da recorrente, sendo o recurso apropriado, tendo sido atempadamente manejado e regularmente preparado, fazendo-se presentes, pois, os pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Cuida-se de ação de reparação de danos morais ajuizada por Newton Santos Almeida em desfavor da Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito colimando forrar-se com o importe que indicara como compensação pelos danos morais que lhe teriam sido impingidos, ao argumento de que, conquanto não tenham concertado qualquer ajuste e nem utilizado-se de cartão de crédito por ela administrado, a demandada imputara-lhe débitos, endereçara-lhe cobranças indevidas e promovera a inserção do seu nome no rol dos maus pagadores, determinando a perda do seu crédito na praça desta capital, o que sujeitara-o a situações vexatórias e constrangedoras que provocaram-lhe sérios percalços e constrangimentos que se transmudaram em sofrimento e abatimento psicológico, afetando sua estima e moral, merecendo, pois, uma compensação pecuniária pelos danos que experimentara, mesmo porque a anotação que maculara seu nome somente fora extirpada quando efetuara uma reclamação junto ao PROCON-DF.

O pedido fora acolhido e, inconformada com a afirmação da sua revelia e com a condenação que lhe fora imposta, a ré recorrera perseguindo, em sede de preliminar, a afirmação da nulidade do provimento desafiado e o retorno dos autos à instância originária para que a lide seja regularmente processada, assegurando-lhe o exercício do amplo direito de defesa e ao contraditório que constitucionalmente lhe são outorgados, e, quanto ao mérito, sua absolvição da cominação que lhe fora imposta ou, ainda, a mitigação da expressão pecuniária da condenação.

Antes de ser apreciado o mérito do apelo manejado, deve ser apreciada a preliminar suscitada pela recorrente. Essa prejudicial, de nulidade da sentença desafiada por ter sido indevidamente afirmada sua revelia, cerceando o pleno exercício do direito de defesa e ao contraditório que lhe são constitucionalmente assegurados, fora agitada ao argumento de que o preposto que a representara na audiência de conciliação fora regularmente constituído, tanto que à causídica que firmara a correspondente carta de preposição haviam sido confiados os poderes da cláusula ad e extra judicia, para transigir, acordar, conciliar e, dentre outros, para constituir prepostos em seu nome perante a Justiça do Trabalho e os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, revelando que estava perfeitamente municiada com aparato material para patrociná-la e nomear representantes em seu nome para representá-la em Juízo ou fora dele.

Cotejando-se o instrumento de mandato que está estampado à fl. 09/10, o qual, ressalte-se, fora outorgado através de escritura pública e apresentado sob a forma de cópia reprográfica autêntica, infere-se que aos ilustrados causídicos que nele figuram como outorgados foram confiados os poderes das cláusulas ad e extra judicia e, além dos que delas emergem, notadamente para acordar, transigir, receber e dar quitação, receber a citação inicial, para constituir prepostos para representar a recorrente perante a Justiça do Trabalho, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e demais órgãos do Poder Judiciário em todas suas instâncias e tribunais.

Dentre os destinatários desses amplos poderes está inserida a Dra. Célia Padilha Xavier Fernandes, inscrita na OAB/SP nº 134.178, que, municiada com os poderes que lhe haviam sido efetivamente confiados, fora quem firmara a carta de preposição apresentada pela recorrente por ocasião da realização da audiência de conciliação. Esse instrumento, de sua parte, fora exibido no original e contemplara Felipe Lemos Figueiredo de Araújo, que não é advogado e comparecera àquele ato na condição de preposto e representante da recorrente.

Dessas irreversíveis constatações emerge a evidência de que a recorrente fora regularmente representada na audiência de conciliação que se realizara, pois que a firmatária da carta de preposição que exibira estava municiada com amplos poderes para representá-la e, de forma expressa, para constituir prepostos em seu nome, revelando-se ilegítima e desprovida de estofo material o decisório que afirmara sua revelia por defeito de representação no ato conciliatório.

Contudo, malgrado tenha sido indevidamente afirmada a revelia da recorrente, a verdade é que sua defesa fora recebida e acatada pelo eminente Juízo monocrático, tanto que fora conferida oportunidade para o recorrido sobre ela pronunciar-se, e, em seguida, a instrução fora regularmente procedida, colhendo-se o depoimento do consumidor e, ante a circunstância que nenhuma das partes havia reclamado a produção de provas testemunhais, afirmado seu encerramento. Aliás, consoante está assentado no termo que retrata o ato instrutório havido (fls. 42/46), à recorrente, conquanto afirmada sua contumácia, fora assegurada a participação em todos os atos então praticados, sendo-lhe franqueada oportunidade para se manifestar até mesmo sobre as declarações então aduzidas pessoalmente pelo recorrido, revelando que o seu direito de defesa e ao contraditório não foram cerceados em qualquer instante.

Demais disso, não obstante tenha afirmado a revelia da recorrente em decisão interlocutória proferida por ocasião do início do ato instrutório, o eminente Sentenciante, a par de inserir a lide em uma instrução sumária, ao confeccionar seu ilustrado veredicto apreciara as alegações deduzidas na defesa então apresentada, cotejando-as com a argumentação alinhavada pelo recorrido em socorro da pretensão indenizatória que veiculara e com os elementos de convicção amealhados, revelando que procedera como se efetivamente não houvesse reconhecido a contumácia.

Outrossim, a elucidação da matéria e equacionamento dos fatos controvertidos debatidos na lide que flui nestes autos não reclamavam e nem comportavam a produção de provas testemunhais, tanto que a recorrente sequer levara ao ato instrutório qualquer testemunha que pretendia ver ouvida, e, ante o recurso que maneja, todos os pontos e fatos que abordara na defesa que veiculara serão revolvidos nesta instância revisora, denotando que a afirmação da sua revelia, a despeito de imprópria e desprovida de aparato legal, não lhe acarretara quaisquer prejuízos e nem maculara o amplo direito de defesa que constitucionalmente lhe é assegurado.

Acresça-se que, em vassalagem aos princípios da celeridade, informalidade, economia e, principalmente, da instrumentalidade das formas que estão amalgamados na Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), nenhum ato processual deve ser renovado, senão se dele emergira prejuízos efetivos para qualquer das partes. Conseqüentemente, se a afirmação da revelia, malgrado seus efeitos drásticos quanto à reputação dos fatos ventilados na inicial como verdadeiros, na espécie em apreço não redundara em quaisquer prejuízos efetivos para a recorrente, tanto que sua defesa fora recebida e considerada por ocasião da prolação do provimento desafiado, e nem foram reputados verídicos os contornos fáticos içados como estofo material para a pretensão indenizatória manejada em seu desfavor, inexiste sustentáculo para cassar-se a sentença desafiada e ensejar a mera repetição do ato instrutório havido.

E isso fica mais evidente quando se depara com a constatação de que sequer fora indeferida a produção de qualquer prova atempadamente reclamada pela recorrente, pois não havia indicado ou levado consigo quaisquer testemunhas que pretendia ouvir em Juízo, revelando-se inócuo e desconforme com o almejado pelo legislador decretar-se a nulidade de um provimento do qual não emergira quaisquer prejuízos efetivos para as partes e quando eventual inadequação dele proveniente é passível de ser revista e conformada aos ditames legais em sede recursal.

Em vassalagem aos primados acima invocados e apurado que esteve regular e legalmente representada no ato conciliatório que se realizara, impõe-se tão somente o afastamento da revelia que fora imputada à recorrente, tornando controversa e passível de ser enfrentada toda a matéria fática que abordara na defesa que atempadamente apresentara, joeirando-a com os elementos probatórios que foram coligidos para o seio dos autos.

Estofado nesses argumentos, acolho a preliminar suscitada pela recorrente tão somente para afastar a revelia que lhe fora imputada, rejeitando-a, todavia, quanto à pretensão destinada a cassar-se a sentença desafiada por não lhe ter advindo quaisquer prejuízos da contumácia que lhe fora imputada, tornando-se legalmente viável e pragmaticamente recomendável a apreciação do mérito.

No atinente ao mérito, restara apurado de forma incontroversa, visto que a própria recorrente reconhecera esse fato na defesa que veiculara, que o recorrido efetivamente não se utilizara do cartão de crédito que emitira e que as compras realizadas mediante a utilização desse instrumento creditício foram consumadas por um terceiro que dele se apossara indevidamente. Inconformada com o acolhimento da pretensão indenizatória inicialmente aduzida, a recorrente irresignara-se almejando sua absolvição da obrigação de indenizar o recorrido pelos danos morais que experimentara ao estofo de que também fora vitimada pelo extravio do cartão de crédito que emitira, pois fora obrigada a suportar os débitos gerados mediante sua utilização indevida, revelando que não lhe pode ser debitada qualquer responsabilidade pelo ocorrido por ter decorrido de força maior e por ter obrado com extrema boa-fé em face do verificado.

Infere-se, assim, que a recorrente não sustenta que a anotação restritiva de crédito que promovera era legítima e encontrava-se lastreada em débitos efetivamente gerados pelo recorrido mediante a utilização do cartão de crédito que fora emitido em seu nome. Almeja, ao revés, ser absolvida da cominação pecuniária que lhe fora imputada ao argumento de que o cartão extraviara-se e não pode ser responsabilizada pelo ocorrido na medida em que também fora vitimada pelos débitos gerados mediante sua utilização indevida.

A argumentação delineada pela recorrente, todavia, não socorre a pretensão absolutória que aduzira, pois que, na condição de prestadora de serviços jungida à incidência das regras derivadas do Estatuto de Proteção ao Consumidor (Lei nº 8.078/90), competia-lhe, se as partes concertaram um contrato subjacente, velar para que o cartão de crédito derivado do avençado fosse encaminhado e efetivamente recebido pelo consumidor. Se assim não procedera, permitindo que esse instrumento de crédito viesse a ser extraviado quando encaminhara-o ao seu destinatário, a eficácia e perfeição dos serviços que prestara restaram comprometidas, devendo assumir as conseqüências daí inerentes, ainda mais porque o consumidor não teve qualquer participação no ocorrido. Ao contrário, quanto ao desaparecimento havido não teve qualquer participação, tendo o extravio derivado exclusivamente da imperfeição dos serviços prestados pela administradora, que torna-se responsável pelos danos provenientes da sua utilização indevida.

Patenteado, então, que o extravio do cartão de crédito, seu conseqüente apossamento indevido por terceiro e sua ilícita utilização por aquele que dele apoderara-se de forma ilegítima decorreram da imperfeição dos serviços prestados pela recorrente, resta apurado que os débitos gerados mediante a utilização daquele instrumento de crédito, não derivando de transações que efetivara, não são da responsabilidade do recorrido, afigurando-se ilícita a imputação dessas obrigações em seu desfavor e, mais ainda, a inserção do seu nome em um cadastro de devedores inadimplentes em decorrência de débitos que não eram da sua responsabilidade.

Em sendo assim, comprovada a ilicitude da anotação promovida, vez que desprovida de lastro material, caracteriza-se essa inserção como uma ofensa indevida contra a credibilidade e bom nome do recorrido, mesmo porque os danos que experimentara não derivaram do simples extravio do cartão de crédito emitido em seu nome, mas, isso sim, da sua inserção no rol dos maus pagadores quando não havia incorrido em mora ou deixado de adimplir quaisquer obrigações assumidas junto à recorrente, o que deixa patente o nexo de causalidade jungindo a ação da ofensora ao resultado danoso advindo. Inexiste, outrossim, qualquer fato apto a retirar da recorrente a responsabilidade pelo fator gerador da pretensão indenizatória aduzida em seu desfavor, pois o ato lesivo emergira exclusivamente da imperfeição dos serviços que prestara e, mais ainda, da indevida imputação de um débito inexistente ao seu cliente.

Diante de tão inequívocos parâmetros deflui a nítida evidência de que, a despeito de não encontrar-se em mora quanto a qualquer das obrigações que eventualmente havia assumido junto à recorrente ou a quaisquer outros estabelecimentos comerciais, fora o recorrido, ainda que por curto espaço de tempo, inscrito no rol dos maus pagadores. Essa ocorrência derivara da exclusiva culpa da recorrente pois, descurando-se quanto às obrigações que lhe estavam afetas na condição de fornecedora de serviços, permitira que o cartão de crédito que emitira extraviasse e, sobretudo, viesse a ser utilizado indevidamente por aquele que dele se apossara, gerando débitos que imputara ao recorrido e determinaram a anotação do seu nome no rol dos maus pagadores.

As situações vexatórias enfrentadas pelo recorrido são impassíveis de questionamento e independem de prova ante a circunstância de que atualmente, consoante é público e notório, a inadimplência campeia soberana nos vínculos obrigacionais derivados dos mais variados relacionamentos contratuais existentes, denunciando que presumivelmente fora alcançado por esse estigma e por comentários não condizentes com sua postura em decorrência de débitos que não eram da sua responsabilidade, caracterizando-se, efetivamente, como sofrimentos de natureza íntima que efetivamente afetaram sua auto-estima e macularam sua reputação e dignidade.

Ora, diante do realce conferido à proteção dos direitos individuais pelo legislador constituinte, os enunciados constantes do artigo 5º, inciso X, da vigente Constituição Federal, sepultando controvérsias até então reinantes, içaram à condição de dogmas constitucionais a possibilidade do dano moral derivado de ofensa à vida privada, à honra e à imagem das pessoas ser indenizado.

A novidade decorrente desse dispositivo é a introdução do dano moral como fato gerador do direito à reparação, pois não integrava a tradição do nosso direito a indenização material do dano puramente moral. O exemplo claro dessa constatação decorre do direito comparado, onde são encontrados práticas vetustas quanto ao cabimento da reparabilidade do dano puramente moral como forma de ser preservada a incolumidade física e psíquica de toda e qualquer pessoa.

O dano moral, como se sabe, é a ofensa a interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, proveniente de um ato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto do seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse, gerando, conseqüentemente, o direito de ser indenizado. Assim, qualquer ofensa que a pessoa sofra na sua integridade física ou moral, provocando-lhe danos materiais efetivos ou afetando seu bem-estar intrínseco, ceifando-lhe as perspectivas de vida ou felicidade, causando-lhe uma diminuição da sua capacidade de viver bem consigo mesmo e no contexto social, desviando-a do seu projeto de vida inicial, é passível de merecer a correspondente reparação.

O que é relevante é que, em conformação com o consignado no dispositivo constitucional em cotejo, a responsabilidade civil derivada de ofensa à integridade física, moral ou à imagem de qualquer pessoa adquirira outro patamar, uma vez que o cabimento da indenização já não depende da caracterização ou ocorrência de qualquer prejuízo material efetivo, bastando, para sua caracterização, tão somente a ocorrência do ato lesivo e seu reflexo na personalidade do ofendido. E não se trata, ressalte-se, de pagar a dor do lesado, ainda que não tenha enfrentado qualquer desfalque patrimonial, mas, em verdade, de outorgar-lhe uma compensação pecuniária como forma de atenuar as dores que lhe foram impregnadas pela ação lesiva do agente.

Das balizas alinhavadas emerge a irreversível evidência de que na hipótese em tela se divisam nitidamente a presença dos pressupostos necessários para que o recorrido efetivamente mereça uma compensação pecuniária compatível com as ofensas que foram direcionadas à sua dignidade e bom nome pelos percalços e dissabores que experimentara em decorrência da negligência da recorrente ao permitir que seu nome fosse anotado e continuasse inscrito em um cadastro de devedores renitentes quando não havia incorrido em mora ou sequer apresentava-se como devedor.

Ademais, estando patenteado que a recorrente exorbitara os direitos que lhe são assegurados pelo ordenamento jurídico, pois imputara ao consumidor débitos que não eram da sua responsabilidade, fica caracterizado que praticara um ilícito ao promover a anotação do nome do recorrido em um cadastro de inadimplentes quando não detinha a condição de sua credora, não estando, pois, legitimada a promover qualquer medida, judicial ou extrajudicial, objetivando receber a satisfação de um direito que não detinha e nem lhe assistia. Ressalve-se, inclusive, que as outras duas anotações restritivas de crédito que afligiram o recorrido também eram indevidas, tanto que a própria recorrente lastreara-se nas indenizações que lhe foram asseguradas em decorrência dessas inserções para reclamar a mitigação da cominação pecuniária que lhe fora imposta.

Apurados, então, a ação da recorrente, que consistira na indevida anotação do nome do recorrido em um cadastro de devedores inadimplentes e sua demora em excluí-la após ter sido notificada informalmente com esse objetivo, o dano, que é representado pelas ofensas direcionadas ao bom nome do recorrido e às situações vexatórias a que fora submetido em decorrência de figurado no rol dos maus pagadores, restringindo seu crédito e até mesmo a aceitação de cambiais da sua emissão, o nexo de causalidade jungindo o proceder do lesante às lesões intrínsecas experimentadas pelo ofendido e, por fim, a irreversível culpabilidade da recorrente, ficam caracterizados todos os pressupostos para a geração da obrigação de compensar os danos que provocara.

Desse modo, estando evidente que o recorrido fora indevidamente atingido em sua dignidade e reputação em decorrência da indevida inserção do seu nome em um cadastro de devedores inadimplentes e que a causa originária do fato lesivo fora a exclusiva negligência da recorrente, consoante acima delineado, deve-lhe ser assegurada uma satisfação de ordem pecuniária, que não constitui, como é cediço, um pagamento da dor, pois que é esta imensurável e impassível de ser ressarcida, mas representa a consagração e o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, do valor inestimável e importância desse bem, que deve ser passível de proteção tanto quanto os bens materiais e interesses pecuniários que também são legalmente tutelados.

Por seu turno, a expressão pecuniária dos danos experimentados pelo recorrido fora mensurada pelo eminente Sentenciante de forma excessiva, pois fixara a compensação devida em R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), de forma que merece ser mitigada ante as circunstâncias que envolvem o caso concreto, o comportamento adotado pela lesante e sua capacidade financeira. Sopesando-se esses parâmetros e atento à dupla finalidade da reparação pecuniária devida, que é punir a ofensora e conferir uma compensação ao ofendido em conformação com suas situações pessoais, a quantia de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais) afigura-se compatível com as ofensas havidas e expressam uma satisfação ao lesado pelos danos que experimentara.

Da argumentação alinhada deflui a irreversível evidência de que a pretensão indenizatória alinhavada na inicial deve efetivamente ser acolhida e, afigurando-se excessiva a mensuração da reparação pecuniária assegurada ao recorrido, ser parcialmente acolhido o apelo aviado pela recorrente para mitigar a condenação que lhe fora imposta, balizando-a no importe apontado.

Diante do exposto, provejo parcialmente o recurso manejado tão somente para reduzir a compensação pecuniária conferida ao autor, fixando a indenização que lhe é devida no equivalente à quantia de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), regularmente atualizada nos moldes fixados pelo ilustrado provimento vergastado. Em vassalagem ao princípio da sucumbência albergado pelo artigo 55 da Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) e por ter restado vencida na maior parte da irresignação que agitara, condeno a recorrente no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do recorrido que, observados os parâmetros delineados por aludido dispositivo e computada a sucumbência parcial havida, fixo no equivalente a 10% (dez por cento) do valor alcançado pela condenação, regularmente apurado nos moldes fixados pelo decisório hostilizado.

É como voto.

O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Presidente e Vogal

Com o Relator.

O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal

Com a Turma.

 

DECISÃO

 

Conhecido. Dado provimento parcial ao recurso. Unânime.


Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios