DESCUMPRIMENTO NA OBRIGAÇÃO DE FAZER
Órgão |
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2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais |
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Classe |
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ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial |
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N. Processo |
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2002.01.1.012637-5 |
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Apelante(s) |
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editora globo s.a |
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Apelado(s) |
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CARLOS WASHINGTON SABINO DOS SANTOS |
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Relator(a) Juiz(a) |
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BENITO AUGUSTO TIEZZI |
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CIVIL. CDC. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. VENDA DE REVISTA COM OFERTA DE PASSAGEM AÉREA A SER PRESTADA POR TERCEIRO. ART. 30 DO CDC. OBRIGAÇÃO DE QUEM OFERTOU A BENESSE. CANCELAMENTO UNILATERAL DA AVENÇA. CONSEQÜÊNCIAS INDENIZATÓRIAS. 1. Se a fornecedora suspende a entrega do produto, cancelando de forma unilateral a assinatura regularmente avençada, embora adimplente o consumidor, está na obrigação de devolver, imediatamente, o valor recebido (inciso II do § 1º do art. 18 do CDC). 2. Se a empresa fornecedora, divulga, em sua estratégia de venda de certo produto (assinatura de revistas), determinada benesse a quem o adquire (bilhete de passagem de transporte aéreo gratuito), a ser prestada por terceira pessoa (empresa aérea), tal benefício integra o contrato, na forma do previsto no art. 30 do CDC, cujo descumprimento obrigacional redunda em perdas e danos que devem ser ressarcidos pela fornecedora ao consumidor-prejudicado (art. 1.056 do Código Civil). 3. Nem todo e qualquer transtorno e aborrecimento, decorrentes de inadimplemento obrigacional, comuns ao cotidiano das pessoas, podem configurar danos morais, passíveis de ressarcimento pecuniário, havendo que se analisar e ponderar criteriosamente caso a caso, não se admitindo aqueles que envolverem mera suscetibilidade exagerada, para evitar indenizações descabidas. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido. |
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ACÓRDÃO |
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Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, BENITO AUGUSTO TIEZZI - Relator, NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - Vogal, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento.
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Brasília (DF), 07 de agosto de 2002. BENITO AUGUSTO TIEZZI Presidente e Relator
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RELATÓRIO |
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Trata-se de recurso (fls. 54/61), interposto da sentença (fls. 49/52) que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da inicial, que pleiteava a reparação de danos, em razão da não entrega das revistas e da passagem que o Autor contratara com a Ré, onde constava esta última como brinde, bem como devido a danos materiais pelos dias que ficou impossibilitado de trabalhar, no valor de R$ 3.000,00 e, ainda, danos morais, que disse ter suportado, no valor de R$ 600,00. A sentença condenou a Ré a pagar o valor de R$ 396,00, pela não entrega das revistas, e a outro valor idêntico a este, pelo não fornecimento da passagem aérea de ida e volta. Rechaçou, porém, a pretensão aos danos materiais, pelos lucros cessantes e quanto aos danos morais, os acolheu integralmente, no valor de R$ 600,00. Inconformada, a Ré recorreu e, em suas razões, invocou violação de leis federais e dispositivos constitucionais, como prequestionamento para eventual recurso extraordinário, asseverando ter havido condenação manifestamente contrária à prova dos autos, consoante expõe. Diz que houve erro do cartão de crédito que gerou a cobrança dúplice e, com a reclamação do Recorrido, a Recorrente estornou a cobrança e cancelou o contrato, porque nunca poderia saber sobre aquela dupla cobrança. Diz da inexistência de danos morais e do exagero da verba arbitrada, discorrendo longamente sobre o tema, com citações doutrinárias e jurisprudenciais. Quanto aos danos materiais, afirma que não devem ultrapassar o valor da assinatura das revistas. Por fim, requer que seja reconhecida a inexistência de obrigação contratual ou, senão, a redução dos valores da condenação, como também o exame da matéria constitucional invocada. O Autor-recorrido deixou transcorrer in albis o prazo para o oferecimento de contra-razões, sem que juntasse a referida peça. É o breve relatório. |
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VOTOS |
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O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Relator |
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Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. A r. sentença permissa maxima vênia, merece parcial reforma, mas tão-somente no que se refere aos danos morais, permanecendo íntegra quanto ao mais que decidiu. Com efeito. Quanto à alegação de que "...a condenação foi manifestamente contrária às provas, o que viola o devido processo legal e a ampla defesa" falece total razão à Recorrente. O nobre Julgador a quo, após fazer citar regularmente a Ré e permitir a realização da sessão de conciliação, presidiu a audiência de instrução e julgamento, que transcorreu segundo os ditames traçados pela lei de regência, dando às partes toda a oportunidade de defenderem seus direitos. Depois, ao proferir sentença, analisou e ponderou a respeito dos fatos e da prova que lhe foram postos a julgar, tudo em obediência aos arts. 5º e 6º da LJE e consoante as regras constitucionais do inciso LV, do art. 5º da CF, decidiu com justiça e eqüidade. Não há, assim, motivo para falar-se em ferimento a qualquer norma constitucional ou infra-constitucional. Outrossim, é inadmissível o argumento recursal que invoca o reconhecimento da inexistência de sua obrigação contratual. Salta aos olhos e é indiscutível a avença firmada entre as partes, em que, se obrigou a Recorrente a fornecer as revistas e, ainda, a passagem aérea de ida e volta para qualquer cidade daquelas referidas no regulamento de sua promoção de venda de assinaturas das revistas ÉPOCA + QUEM. Ademais, o fato de ter a administradora de cartões de crédito do Recorrido cobrado, por erro, o valor da assinatura em duplicata e, depois de receber a devida reclamação, ter estornado o valor que cobrou a maior, não teve o condão de fazer rescindir a avença primária firmada entre as partes destes autos, o que, por isso, obrigava a Ré-recorrente ao cumprimento total do pacto contratual firmado, sob pena de arcar com as conseqüências indenizatórias decorrentes de seu inadimplemento. Frise-se, ademais, que a relação jurídica havida entre as partes é de natureza consumerista, razão porque está submetida à obediência dos princípios insertos no CDC, restando incontroversa a obrigação de cumprimento daquilo que a Recorrente fez divulgar em sua propaganda e fez atrair o Recorrido-consumidor. A oferta da passagem aérea, a quem adquirisse as assinaturas das revistas, passou a integrar o contrato, na forma do art. 30 do CDC e deve ser cumprida, sob pena de responder a Recorrente pela inexecução dessa obrigação assumida (art. 1.056 do Código Civil). No que concerne a configuração dos danos materiais pleiteados e concedidos na r. sentença, não merece nenhum reparo. Sobre a devolução do valor pago pela assinatura das revistas (ÉPOCA + QUEM), como ficou demonstrado que efetivamente a Recorrente suspendeu a remessa das revistas ao Recorrido, aplica-se aqui o contido no inciso II do §1º do art. 18 do CDC, "a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;". E, se o consumidor suportou perdas e danos, em razão do contrato firmado entre as partes destes autos, ao comprar a assinatura das revistas (ÉPOCA + QUEM), que lhe dava o direito de receber da Recorrente um voucher (vale) para trocar por uma passagem aérea de ida e volta, "classe econômica com desconto", para locais do Brasil nos quais a TRANSBRASIL operava o seu percurso (fl. 4), tem todo o direito de ver-se ressarcido. Frise-se que, in casu, o Recorrido, sequer conseguiu receber o voucher (vale), apesar de ter cumprido integralmente a sua parte na avença pactuada. Sabe-se, outrossim, que o adimplemento por parte da Recorrente se tornou sumamente difícil (ou impossível, na forma pactuada), vez que, consoante é publico e notório, porque fartamente noticiado pela mídia, a TRANSBRASIL encontra-se em estado falimentar, evidenciando-se o prejuízo daí decorrente para o Recorrido. Anote-se, como reforço de argumento, que o fato de ter a Recorrente se comprometido a cumprir obrigação de disponibilizar as passagens aéreas e fazer o transporte através de terceiro (TRANSBRASIL), obviamente não lhe autoriza exonerar-se desta responsabilidade assumida contratualmente com o Recorrido. O seu não cumprimento, na forma e modo da pactuação, a obriga a ressarcir o Recorrido pelos prejuízos daí advindos. Outrossim, mostrou-se, data maxima venia, extremamente suave a determinação sentencial que, ao interpretar a postulação inicial, que o valor do ressarcimento pelo não fornecimento da passagem aérea deveria corresponder à importância paga pela assinatura das revistas (R$396,00), vez que se mostra muito aquém de qualquer passagem de ida e volta para as localidades previstas no regulamento da promoção da Recorrente (fl. 4). Ad argumentandum tantum, se o Autor-recorrido, ao receber o voucher (vale), como seria de seu direito, tivesse optado pela obtenção de uma passagem de ida e volta para a cidade de Natal - que é o trecho mais caro, dentre aqueles que eram disponibilizados, o valor seria muito maior (basta a tanto uma comparação com as tarifas cobradas pelas demais companhias aéreas, como, por exemplo, se através da VASP que, notoriamente, tem suas tarifas num patamar médio - não é a que menos cobra, como acontece com a GOL; bem assim, não é a mais careira, como sucede com a VARIG - o valor de uma ida e volta para Natal giraria em torno de R$1.400,00, sem a taxa de embarque). Porém, como não houve recurso por parte do Autor, o valor arbitrado na r. sentença tem que ser mantido. No que se refere aos danos morais, entretanto, penso ter razão a Recorrente, vez que divirjo do entendimento esposado pelo eminente Juiz sentenciante, em sua sentença, data maxima venia. É que não enxergo no descumprimento obrigacional da Recorrente nenhum ato afrontoso à moral do Recorrido e que lhe pudesse trazer danos desta natureza. Não há dúvida de que o inadimplemento obrigacional da Recorrente trouxe-lhe aborrecimento e transtorno, mas não o suficiente a redundar em ofensa à sua moral, que pudesse reclamar reparação pecuniária a este título. Aliás, como é de notória sapiência, a vida em si nem sempre se apresenta às pessoas como seria o desejável. A vivência em comunidade traz eventuais transtornos e insatisfações, causados por fatos de terceiros que, na realidade, passam a fazer parte do nosso dia a dia e nem todos eles, tendo em conta o comportamento de um homo medius, podem ser tidos como danosos à moral das pessoas, consoante este em julgamento. Se diferente fosse, estar-se-ia tutelando de forma distinta e inadmissível quem, fugindo à regra da normalidade das pessoas, possui exagerada e descomedida suscetibilidade, mostrando-se por demais intolerante. Isto posto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao RECURSO para REFORMAR PARCIALMENTE a r. sentença recorrida, tão-somente no que se refere aos danos morais, que não os reconheço, mas mantendo-a, no mais, na forma como foi proferida. Condeno a Recorrente ao pagamento das CUSTAS DO PROCESSO, mas não a condeno na verba honorária do Recorrido, vez que não apresentou contra-razões ao recurso. |
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A Senhora Juíza NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO – Vogal |
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Com o Relator. |
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O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal |
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Com a Turma. |
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DECISÃO |
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Conhecido. Dado provimento parcial ao recurso. Unânime. |
Fonte: Tribunal de Justiça do distrito Federal e Territórios