DEFEITO DE REPRESENTAÇÃO NÃO SANADO
Órgão :2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
Classe :ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial
N. Processo :2001.01.1.121973-3
Apelante(s) :ROQUE MANOEL DOS SANTOS
Apelado(s) :CBC VEÍCULOS LTDA.
Relator(a) Juiz(a) :BENITO AUGUSTO TIEZZI
EMENTA
CIVIL. PROCESSO CIVIL. CDC. DEFEITO DE REPRESENTAÇÃO NÃO SANADO. REVELIA. OFERTA EM ANÚNCIO DE JORNAL INTEGRA AS CONDIÇÕES DO CONTRATO. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. FORNECEDOR QUE APENAS ALEGA, SEM NADA COMPROVAR. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.
1. Constatado, no grau recursal, que quem firmou a contestação foi outro advogado e não aquele constituído nos autos - o que passou desapercebido ao Juiz sentenciante - e, intimada a Ré, para sanar este defeito de representação, não o faz, torna-se revel, aplicando-se-lhe os seus efeitos para que sejam presumidos como verdadeiros os fatos alegados pelo autor em sua inicial. 2. Empresa fornecedora de produtos e serviços, do ramo de compra e venda de automóveis, novos e usados, que anuncia, nos classificados de jornal, condições de venda de determinado automóvel, está obrigada a vender o bem nas condições do anúncio, segundo impõe a lei consumerista, em seu art. 30, onde prevê que as condições da oferta integram o contrato a ser celebrado. 3. Constatada a verossimilhança das alegações do consumidor, inverte-se o ônus da prova, mormente quando a fornecedora não contesta articuladamente os fatos da inicial, limitando-se a alegar, sem nada comprovar. 4. Recurso conhecido e provido, para reformar a sentença monocrática, julgando procedente o pedido inicial.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, BENITO AUGUSTO TIEZZI - Relator, JOÃO EGMONT LEÔNCIO LOPES – Vogal, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento.
Brasília (DF), 28 de agosto de 2002.
BENITO AUGUSTO TIEZZI
Presidente e Relator
RELATÓRIO
Trata-se da interposição de RECURSO (fls. 40/46) da r. sentença (fls. 36/37), que julgou IMPROCEDENTE o pedido do Autor - que pleiteava a emissão de novo carnê de pagamento com o valor das prestações que constou do anúncio no jornal; além da devolução em dobro do que pagou a maior e as providências necessárias à transferência do veículo adquirido. A improcedência se deu, por entender o nobre Julgador a quo que o Autor não trouxera aos autos prova de que efetivamente assinou um contrato em branco com a Ré e que sua versão não era verossímil, razão porque não aplicou a inversão do ônus da prova.
Inconformado, o Autor recorreu e, em suas razões, aduz não terem sido observadas as provas juntadas aos autos, quando da decisão. Afirma que está patente a diferença entre o valor do anúncio e o que está sendo cobrado através do carnê de financiamento. Requer, destarte, o conhecimento e provimento do presente recurso, com a conseqüente reforma da sentença e a procedência do pedido inicial, como ali formulado.
A recorrida deixou transcorrer in albis o prazo para o oferecimento das contra-razões (fl. 50).
Observada a existência de irregularidade na representação da Ré (ela constituiu apud acta, mediante mandato verbal, o Advogado KLEBER DE SOUZA GOUVEIA – OAB/DF nº 11350, valendo-se do contido no § 3º do art. 9º da Lei nº 9.099/95, para representá-la judicialmente, por ocasião da AUDIÊNCIA de INSTRUÇÃO E JULGAMENTO de fl. 24. Todavia, sua CONTESTAÇÃO à fl. 27, NÃO VEIO ASSINADA por este Advogado - que também não a ratificou - mas sim pelo Advogado JOÃO RODRIGUES NETO, que NÃO mereceu CONSTITUIÇÃO ORAL e NEM POSSUI MANDATO PROCURATÓRIO nos autos), quando dei oportunidade à Ré-recorrida para saná-la. Entretanto, devidamente intimada (fl. 53), deixou fluir in albis o prazo que lhe foi concedido (fl. 54), voltando-me os autos conclusos.
É o breve relatório.
VOTOS
O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Relator
Presentes os pressupostos da admissibilidade, conheço do recurso.
Permissa maxima venia, a r. sentença não pode ser mantida.
Com efeito. Primeiro, porque, como constou do relatório - passando desapercebido pelo nobre Julgador sentenciante - quem assinou a contestação não foi o Advogado que havia sido constituído apud acta (fl. 24) pela Ré-recorrida e que também não ratificou a referida peça contestatória naquela assentada e nem em qualquer outro momento. E, intimada a Ré-recorrida (fl. 53) a regularizar a representação em relação àquele Advogado que havia apresentado a contestação, mas sem mandato, deixou fluir seu prazo sem nenhuma manifestação (fl. 54). Por isso, reconheço, de ofício, a sua revelia (inciso II do art. 13 do CPC), diante do teor do recurso interposto, que devolveu a esta instância recursal o integral conhecimento da matéria ali discutida.
Nestas condições, na forma do art. 319 do CPC, devem ser reputados como verdadeiros os fatos afirmados pelo Autor-recorrente em sua inicial, mormente quando não ocorrente nenhuma das hipóteses previstas nos incisos do art. 320 do CPC.
Depois, porque consta da inicial que o Autor-recorrente, através de um anúncio de jornal (juntado às fl. 8), publicado pela Ré-recorrida, tomou conhecimento da oferta de venda do veículo SANTANA/92, constando o valor da entrada (R$599,00) e o valor das 36 prestações mensais (R$339,90). Foi até o estabelecimento comercial da vendedora, onde, mediante as condições do anúncio, fecharam o negócio. Foi, então, formalizado o contrato (fl. 9), que, segundo assevera o Autor-recorrente, foi assinado em branco, sob a alegação do vendedor de que a Financeira poderia, inclusive, colocar um valor menor e que somente esta última poderia preenchê-lo. Todavia, ao receber o carnê (fl. 11), surpreendeu-se com o valor das prestações ali constantes, cujo valor (R$372,94) era maior do que aquele do anúncio do jornal (fl. 8) e que haviam pactuado.
Note-se que, inclusive, o valor que constou do contrato de fl. 9 (R$369,90) é maior que o do anúncio de fl. 8 (R$339,90) e menor do que aquele que veio no carnê de fl. 11 (R$372,94).
Registre-se que, além da revelia acima reconhecida, a Ré, na contestação de fl. 27, limitou-se a dizer que o veículo anunciado não foi aquele comprado pelo Autor, sem rebater os argumentos e os fatos da inicial um a um, como exigido pelo art. 302 do CPC, fazendo incidir a parte final deste dispositivo processual e seus incisos.
E, ao contrário do asseverado pelo digno Juiz sentenciante, independentemente da revelia, diante do desencontro dos valores, como frisado, faz emergir, segundo ditam as regras de experiência comum, a verosimilhança da versão autoral. Ademais, tratando-se, induvidosamente, de relação de natureza consumerista, deve ser analisada à luz dos princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e, por conseqüência, aquela que facilita a defesa do consumidor (inciso VIII do art. 6º), mormente quando verossímil sua versão e, ainda, como no caso, for ele hipossuficiente frente à Fornecedora.
Ainda, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 30, fez ressaltar que "Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado". Em outras palavras, no momento em que a fornecedora utiliza-se de publicidade para vender seu produto, e, no corpo do anúncio, expõe o preço, a forma de pagamento e as especificações do produto, está obrigada a cumprir aquelas condições que, inclusive, passam a integrar o contrato.
Diante do que foi visto, o valor impresso no carnê, referente às prestações devidas, deve ser minorado para o quantum anunciado (art. 30 do CDC), ou seja, R$339,90.
Outrossim, pelo fato de os valores das prestações estarem além daqueles que são realmente devidos, entendo também devida a restituição em dobro do montante a mais pago pelo Autor (Parágrafo único do art. 42 do CDC).
A respeito da transferência do veículo, ao que consta à fl. 34, já foi providenciada.
Isto posto, DOU PROVIMENTO ao RECURSO e reformo a r. sentença recorrida, JULGANDO PROCEDENTES os pedidos da inicial, para o fim de CONDENAR a Ré-recorrida a providenciar a imediata EMISSÃO DE NOVO CARNÊ DAS PRESTAÇÕES restantes, no valor, cada uma, de R$339,90 (trezentos e trinta e nove reais e noventa centavos) e a DEVOLVER ao Autor-recorrente o valor correspondente à cobrança a maior, em dobro, no importe de R$84,43 (oitenta e quatro reais e quarenta e três centavos), conforme o Parágrafo único do art. 42 do CDC.
Deixo, todavia, de condenar a Recorrida ao pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS e HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS do Recorrente, vez que a LJE só prevê tal cominação a quem recorre e é vencido.
O Senhor Juiz JOÃO EGMONT LEÔNCIO LOPES – Vogal
Com o Relator.
O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal
Com a Turma.
DECISÃO
Conhecido. Dado provimento ao recurso. Unânime.
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios