COMPRA E VENDA DE VEÍCULO- VÍCIO OCULTO

Órgão :Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe :ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial

N. Processo: 803/99

Apelante(s): CODIPE – COMERCIAL DE PEÇAS E VEÍCULOS LTDA

Apelado(s): MÁRCIO FERREIRA DE OLIVEIRA

Relator(a) Juiz(a): ROBERVAL CASEMIRO BELINATI

EMENTA

COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. DEFEITO OCULTO. VÍCIO REDIBITÓRIO. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PROPOSTA NO PRAZO LEGAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. MATÉRIA REGIDA PELO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR E NÃO PELO CÓDIGO CIVIL. INDENIZAÇÃO FIXADA COM BASE EM NOTA FISCAL. ÔNUS DA PROVA. SUCUMBÊNCIA.

I – Tratando-se de vício redibitório, cujo defeito oculto for reclamado no prazo legal, caberá indenização em favor do adquirente do veículo, para reparar-lhe os valores que comprovadamente forem gastos com a reparação mecânica do automóvel.

II – O fato de o veículo vendido não ser novo e já ter rodado mais de cem mil quilômetros, não exclui a responsabilidade da empresa vendedora pelos defeitos ocultos que aparecerem depois da venda, mormente quando se comprova que o vendedor da agência, na ocasião da negócio, mentiu ao comprador, dizendo-lhe que o automóvel tinha passado por revisão e não apresentava nenhum problema mecânico.

III – Na ocorrência do vício redibitório, o valor da indenização poderá ser fixado com base na nota fiscal emitida por empresa idônea, que consertou o veículo, atestando as substituições das peças e os serviços executados na reparação dos defeitos. Isto significa que o comprador, ao constatar o defeito, depois de notificar o vendedor, poderá providenciar a reparação do veículo e depois cobrar os respectivos valores. Não precisa, pois, aguardar o pagamento antecipado dos valores para depois reparar o automóvel.

IV – Tendo sido o veículo vendido por pessoa jurídica, especializada na comercialização de automóveis, deflagrada está a relação de consumo, a ser regulada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11.09.1990). Em decorrência dessa relação de consumo, a questão atinente à ocorrência de decadência do direito de ação será regida pelo CPDC e não pelo art. 178, § 2º, do Código Civil. Este se aplica quando o negócio for realizado entre particulares, isto é, entre pessoas físicas, numa situação que não puder ser definida como de relação de consumo.

V - No caso de vício oculto na parte mecânica de automóvel, que é considerado produto durável, o prazo decadencial, que é de 90 (noventa) dias, inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito, e não na data da entrega do veículo, segundo o art. 26, II e seu § 3º, do CPDC. Sendo a ação proposta no prazo legal, não há que se falar em decadência do direito do autor.

VI – Cabe ao réu comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 333, II, do Código de Processo Civil, não sendo este ônus da prova da responsabilidade do Juiz sentenciante.

VII – Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, ex vi do art. 55 da Lei nº 9.099/95, não sendo beneficiário da justiça gratuita.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Juízes da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator(a), SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS – Vogal, ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS – Vogal, sob a presidência do Juiz SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, em CONHECER O RECURSO. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 01 de junho de 1999.

SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS

Presidente

ROBERVAL CASEMIRO BELINATI

Relator(a)

RELATÓRIO

Trata-se de ação de reparação de danos movida por Márcio Ferreira de Oliveira em desfavor de Codipe Comercial de Peças e Veículos Ltda.

De acordo com a sentença de fls. 44/48, a ação foi julgada procedente, condenada a ré a pagar ao autor a importância de R$ 2.600,01 (dois mil e seiscentos reais e um centavo), monetariamente atualizada e acrescida de juros legais a partir da citação.

Irresignada com a condenação, a ré recorre e diz, em síntese, que a MM. Juíza a quo deveria tomar por base o pedido contido na inicial do apelado, que afirma de forma categórica que o veículo apresentava defeitos de motor e câmbio (nota fiscal de fls. 09/11). Assim, pode-se verificar que todas as peças indicadas na nota fiscal retro e não correlacionadas aos defeitos indicados pelo apelado deverão ser excluídas da condenação atacada, pois caracterizam, sem sombra de dúvida, julgamento ultra petita.

Aduz, ainda, que a decisão hostilizada deverá ser reformada, sob pena de enriquecimento sem causa do autor, que adquiriu um veículo com mais de cem mil quilômetros rodados e agora deseja cobrar por peças possíveis e imagináveis. Por isso, reitera todos os termos da peça contestatória.

Nas contra-razões, o autor ressalta que o recorrente deseja apenas procrastinar o andamento do feito.

Após esse breve relatório, formulado de acordo com o art. 46 da Lei n.º 9.099, de 26.09.95, passo ao voto.

VOTOS

O(A) Senhor(a) Juiz(a) ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Relator(a)

Rejeito a preliminar de decadência do direito de ação argüida pelo recorrente, nos termos do art. 26, inciso II e § 3º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990). Segundo os documentos juntados aos autos, o veículo foi entregue pela ré ao autor no dia 27.8.98 e a ação foi protocolada no dia 23.10.98. Menos de dois meses após o recebimento do automóvel. Com efeito, no caso em apreço, o autor tão logo recebeu o veículo, de doze a quinze dias depois, consoante ficou comprovado pela prova testemunhal, procurou a agência-ré para denunciar o defeito oculto que o carro vinha apresentando e solicitar providências. Dispõe o § 3º citado que "tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito". Portanto, a presente ação foi ajuizada no prazo legal.

Acresce-se, por oportuno, que não se aplica ao caso o disposto no art. 178, § 2º, do Código Civil, porque a compra e venda do veículo foi efetuada numa relação de consumo envolvendo um particular e uma pessoa jurídica, especializada em tal negócio.

No mérito, não merece reforma a douta decisão atacada, eis que o recorrente limitou-se a afirmar que "todas as peças indicadas na nota fiscal (fls. 09/11) que não estejam correlacionadas com os defeitos de motor e câmbio, deverão ser excluídas da condenação". Ora, o autor não pediu somente a reparação dos defeitos de motor e câmbio. Conforme a petição inicial (fls. 02/03), ele está cobrando os valores que teve que arcar com a revisão do veículo. Ademais, não cabe a este Magistrado fazer o papel de perito para identificar quais as peças ou serviços que não estariam relacionados com a reparação dos defeitos do motor e câmbio do veículo. Essa tarefa cabia ao recorrente. Por conseguinte, diante de sua omissão, uma vez que apenas se limitou a fazer tal pedido, estou certo de que todas as peças indicadas na referida nota fiscal tem a ver com os defeitos ocultos apresentados pelo veículo.

Concordo com a fundamentação da douta decisão recorrida, de que "optou o autor, em suma, pelo abatimento proporcional do preço, uma vez que, tendo efetuado o conserto do veículo, pleiteia apenas e tão-somente a condenação da ré ao pagamento do valor por ele desembolsado para tanto, o que equivale, em última análise, à diferença do valor efetivamente pago pelo veículo e seu valor real, tendo em vista a existência de vícios de qualidade, por sinal incontroversos. O veículo foi levado à empresa-ré para conserto, o que não foi efetivado satisfatoriamente, tanto assim que foi necessária a troca de peças e execução de serviços diversos, conforme se vê da nota fiscal juntada aos autos, sendo que os itens ali constantes constituem prova de evidentes vícios de qualidade, os quais deveriam ter sido verificados pela ré antes da venda do veículo, o que não ocorreu. Tanto assim que o representante legal da ré, em seu depoimento pessoal, confessou que a troca de lâmpadas, por exemplo, poderia ter sido dado em razão de um curto circuito na parte elétrica do veículo; ora, se, conforme ele próprio afirmou, o veículo foi revisado na própria empresa-ré antes de ser colocado à venda, tendo sido feita, inclusive, revisão na parte elétrica, mostrando-se pouco provável que menos de um mês após a venda o veículo que, supostamente estivesse em boas condições de uso, viesse a ter um curto-circuito daquela ordem".

O fato de o veículo já ter rodado mais de cem mil quilômetros não exclui a responsabilidade da ré pelos vícios ocultos, pois, conforme diz o autor, "quando decidiu adquirir um veículo, procurou uma empresa idônea e respeitada para que jamais tivesse problemas futuros".

A recorrente não conseguiu comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 333, II, do Código de Processo Civil.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso, para manter íntegra a douta decisão recorrida, e condeno a recorrente ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, ex vi do art. 55 da Lei n.º 9.099/95.

 

É como voto.

O(A) Senhor(a) Juiz(a) SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Vogal

Com o Relator.

O(A) Senhor(a) Juiz(a) ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Vogal

Com a Turma.

DECISÃO

Recurso conhecido. Negou-se provimento. Unânime.

 

Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios