COBRANÇA DE QUANTIA INDEVIDA

 

Órgão

:

2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe

:

ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial

N. Processo

:

2001.01.1.089940-8

Apelante(s)

:

CREDICARD S.A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO

Apelado(s)

:

MIGUEL CORDEIRO DE ALMEIDA e outro (s)

Relator(a) Juiz(a)

:

BENITO AUGUSTO TIEZZI

 

EMENTA

 

CIVIL. CDC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO CARACTERIZADA. DANO MORAL INCOMPROVADO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Comprovada a cobrança de quantia indevida e efetivado o pagamento não devido, incide, sem nenhuma dúvida, a regra da repetição do indébito do Parágrafo Único do art. 42 do CDC. 2. Só o fato da constatação da cobrança indevida, efetivada através de faturas de cartão de crédito do consumidor, pode, sem dúvida, acarretar à pessoa injustamente cobrada, transtorno e aborrecimento, mas não o suficiente a atingir-lhe o âmago, de forma a ferir-lhe o ego, a ponto de lhe causar vergonha e vexame, que possam redundar em danos morais passíveis de ressarcimento pecuniário. 3. Recurso conhecido e provido parcialmente, com a reforma da r. sentença recorrida.

 

ACÓRDÃO

 

Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, BENITO AUGUSTO TIEZZI - Relator, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal, TEÓFILO CAETANO RODRIGUES NETO - Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, POR MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento.

Brasília (DF), 25 de setembro de 2002.

BENITO AUGUSTO TIEZZI

Presidente e Relator

 

 

RELATÓRIO

 

Cuida-se de recurso (fls. 53/65) interposto da sentença (fls. 42/45) que julgou parcialmente PROCEDENTE o pedido inicial, que pleiteava a indenização por danos morais (R$ 3.170,00), bem como a repetição do indébito, no valor de duas vezes R$ 31,70, tendo a r. sentença condenado a Ré a efetivar esta repetição do indébito e a pagar aos Autores a importância de R$ 908,50, a título de danos morais.

A ré apresentou tempestivamente embargos declaratórios (fls.46/49) alegando omissões e contradições no decisum, que não foram acolhidos (fl. 50).

No prazo que lhe restava, a Ré, inconformada, recorreu (fls. 53/65), aduzindo, em suas razões, resumidamente, que a r. sentença merece reforma, já que a cobrança não foi indevida e quanto à condenação pelos danos morais esta também merece ajuste, vez que os Autores não provaram a sua existência. Aduz, ainda, que, mesmo que tivesse ocorrido o fato em questão, este não daria ensejo a sua ocorrência, não passando de adversidades corriqueiras. Cita jurisprudência nesse sentido, invocando a possibilidade de banalizar os danos morais. Pugna, ao final, pelo afastamento dos danos morais e pelo indeferimento da repetição de indébito. Alternativamente, pede a redução do valor da condenação.

Vieram as contra-razões dos Autores, pugnando, em preliminar, pelo não conhecimento do recurso, por falta de mandato procuratório e, no mérito, em síntese, postulam pela manutenção da sentença monocrática.

Vieram-me conclusos, quando fiz registrar o contido à fl. 84 e converti o julgamento em diligência para a regularização da representação da Ré-recorrente, o que foi atendido, às fls. 86/87 e 89/96.

Dei oportunidade aos Recorridos para se manifestarem sobre os documentos acrescidos (fl. 97), quando, intimados (fl. 98), quedaram silentes (fl. 99).

É o breve relatório.

 

VOTOS

 

O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Relator

Porque a Ré regularizou sua representação nos autos, consoante o consignado e exigido no despacho de fl. 84, REPILO a preliminar, argüida pelos Recorridos, que postulava o não conhecimento do recurso.

Estando presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A r. sentença, permissa maxima venia, não pode ser mantida, na forma proferida, havendo que sofrer, os reparos que abaixo sugiro:

1. No que diz respeito ao pleito da repetição do indébito, porque bem apreciou, analisou e julgou os fatos, aplicando com correção e justiça o direito, deve, neste particular, ser mantida, a cujos argumentos respectivos reporto-me e me valho, chamando-os à colação para que façam parte e fundamento deste voto, tendo-os como se aqui estivessem transcritos.

Com efeito. As provas carreadas aos autos demonstram, induvidosamente, que os Autores efetivaram o pagamento da fatura de fl. 9, no dia de seu vencimento, o fazendo através de um dos Terminais de Auto Atendimento do Banco do Brasil, mediante a digitação ou leitura do código de barra da fatura (conforme o comprovante de pagamento anexo à fatura de fl. 9), o que é regulamentado pelo Banco Central do Brasil e aceito por todos os bancos do sistema financeiro nacional.

O fato de ter havido a recusa do recebimento por parte do UNIBANCO, sem que nos autos viessem os motivos dessa recusa, não pode redundar para os Recorridos a responsabilidade pela não quitação do valor, que por eles foi pago no exato dia do vencimento da fatura. A recusa injustificada do pagamento e a ausência inexplicável da transferência do numerário à credora, porque culpa alguma coube aos Recorridos, não podem prejudicá-los.

Ademais, se não bastasse o pagamento efetivado corretamente e sem nenhum motivo recusado, ao tomarem conhecimento deste fato inusitado, os Recorridos, imbuídos da boa-fé que os vinha norteando, providenciaram NOVO PAGAMENTO do valor devido, mediante PAGAMENTO AVULSO, como se vê de fl. 11, no dia 25/04/2001.

Por isso, não podem ser tidas como corretas e devidas as cobranças, insertas na Fatura Mensal com vencimento marcado para 12/06/2001, sob as rubricas: "12/04 JUROS MORA/DÉBITO R$ 11,04" e "12/04 JUROS FINANCEIROS/DÉBITO R$ 20,36" (fl. 17).

Outrossim, registro ser inaceitável o argumento recursal, segundo o qual, o pagamento somente pode ser feito mediante formulário próprio, quando os Recorridos valeram-se do sistema integrado de Terminais de Auto Atendimento ao Cliente, onde digitaram (ou fizeram a leitura ótica) do código de barras da Fatura, que, como é de conhecimento comezinho, identifica, com todos os detalhes, o que se está pagando, o valor do pagamento, quem paga e a quem se está pagando. Aliás, pagamentos desta natureza poderiam ser feitos até mesmo via internet, através de um computador qualquer. Por isso, data maxima venia, tal argumento recursal peca pela falta da necessária seriedade que o assunto deve ser tratado, o que motiva o seu repúdio.

Resta claro, assim, que a Recorrente cobrou, dos Recorridos, importância indevida, o que lhes dá o direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que lhes foi debitado na fatura em excesso e pago, com o devido acréscimo da correção monetária e dos juros legais, tudo consoante o previsto no Parágrafo Único do art. 42 do CDC.

2. Contudo, no que se refere à condenação pelo DANO MORAL, data maxima venia, não me convencem os respeitáveis argumentos expendidos na r. sentença da lavra da eminente Juíza a quo, vez que não vislumbro a sua ocorrência, cabendo, neste ponto, razão à Recorrente.

É que, o simples fato de terem sido lançadas, as cobranças indevidas, diretamente na fatura no cartão de crédito dos autores, deve ter causado, por certo, algum transtorno e aborrecimento aos Autores. Mas, concessa venia, não me parece que possam ter sido suficientes a atingir-lhes o âmago, ferindo-lhes o ego, a ponto de lhes causar vergonha e vexame, que redundasse em ofensa a suas honras ou lhes causassem danos morais de qualquer natureza, passíveis de ressarcimento pecuniário. Aliás, neste sentido já se posicionou esta 2ª Turma Recursal, consoante acórdão que me coube relatar, a cujos argumentos e fundamentos me reporto, verbis:

CIVIL. PROCESSO CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INCIDE O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. DANO MORAL. INEXISTENTE. HOMO MEDIUS. SUSCETIBILIDADE EXAGERADA. TRANSTORNOS DO DIA A DIA. 1. Deve ser restituído em dobro o valor, quando comprovada a cobrança indevida na prestação de serviços, segundo a regra da repetição do indébito prevista no CDC. 2. É de notória sapiência que a vida das pessoas nem sempre se lhes apresenta como seria desejável. A vivência em comunidade, com a necessidade da utilização de serviços praticados por terceiros, conquanto fosse ideal que se realizassem com perfeição, é praticamente impossível que isso sempre ocorra. Eventuais transtornos e insatisfações da vida, causados por fatos que, até mesmo por mero engano acontecem, fazem parte do nosso dia a dia e nem todos eles, tendo em conta o comportamento de um homo medius, podem ser tidos como danosos à moral das pessoas. Pois, do contrário, seria tutelar de forma distinta e inadmissível quem, fugindo à regra da normalidade das pessoas, possui exagerada e descomedida suscetibilidade, mostrando-se por demais intolerante. 3. Recurso conhecido e provido em parte, para negar a pretensão inicial ao dano moral, porque inexistente. (Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20010110412563ACJ DF Registro do Acórdão Número : 146862 Data de Julgamento : 06/11/2001 Órgão Julgador : Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Relator: BENITO AUGUSTO TIEZZI Publicação no DJU: 01/02/2002 Pág. : 229,na Seção 2).

Isto posto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para o fim de REFORMAR em parte a r. SENTENÇA recorrida, DANDO por IMPROCEDENTE a postulação inicial por danos morais, que não ficaram caracterizados.

Mas, por outro lado, MANTENHO a r. sentença recorrida no pertinente à condenação da Recorrente ao pagamento aos Autores, a título de repetição do indébito, do valor de R$ 63,40 ( sessenta e três reais e quarenta centavos), atualizado monetariamente (a partir do pagamento da parcela desta cobrança indevida – fl. 17 – ou seja: dia 08/06/2001) e acrescido dos juros moratórios legais de 6% (seis por cento) ao ano, desde a citação (fl. 34 – ou seja: dia 24/08/2001, dia da juntada do AR citatório), quando incidiu a sua mora.

Sem condenação nas verbas sucumbenciais (art. 55, caput, da LJE).

O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal

Com o Relator.

O Senhor Juiz TEÓFILO CAETANO RODRIGUES NETO – Vogal

Com a Turma.

 

DECISÃO

 

Conhecido. Dado provimento parcial ao recurso. Maioria.

Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios