CIGARROS - PROPAGANDA ENGANOSA
Órgão : 2ª TURMA CÍVEL
Classe : APC – APELAÇÃO CÍVEL
N. Processo : 1999 01 1 048788 – 9
Apelante : HAMILTON KIRCHNER FILHO
Apelado : SOUZA CRUZ S.A.
Relatora Desa. : ADELITH DE CARVALHO LOPES
Revisor Des. : GETÚLIO MORAES OLIVEIRA
EMENTA
REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS – MALEFÍCIOS À SAÚDE CAUSADOS PELO USO DE CIGARRO – CÂNCER DE PULMÃO – EMPRESA RESPONSÁVEL PELA FABRICAÇÃO DO PRODUTO – PROPAGANDA ENGANOSA – OMISSÃO POR NÃO INFORMAR ACERCA DOS DANOS PROVOCADOS PELO FUMO – RESPONSABILIDADE – NÃO-CONFIGURAÇÃO – HÁBITO DE FUMAR – ESCOLHA CONSCIENTE DO FUMANTE.
1. Inviável se revela pretensão tendente a condenar empresa fabricante de cigarros em danos materiais e morais, à consideração de que teria veiculado propaganda enganosa e omitido acerca dos prejuízos e malefícios causados pelos componentes químicos existentes no cigarro.
2. A empresa responsável pela fabricação de cigarros desenvolve atividade lícita, porquanto autorizada, disciplinada e fiscalizada pelo Poder Público e, uma vez disponibilizado o produto ao consumidor, este detém o livre-arbítrio para decidir se vale ou não a pena consumir o produto. Se o autor iniciou e continuou sua atividade tabagista, o fez por livre e espontânea vontade, não havendo que se falar em responsabilidade da empresa por suposta veiculação de propaganda enganosa, tanto mais quando demonstrado que a mesma vem divulgando seus produtos sem extrapolar os lindes delimitados pela Portaria nº 490/88 e legislações subseqüentes.
3. Não configurada a conduta ilícita por parte da ré e caracterizada a culpa exclusiva do autor, que, mesmo ciente quanto ao risco do produto consumido, assumiu-o voluntariamente ao persistir no hábito do tabagismo, incensurável se revela provimento jurisdicional que julga improcedente pleito indenizatório respectivo.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores da SEGUNDA TURMA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ADELITH DE CARVALHO LOPES - Relatora, GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - Revisor, CARMELITA BRASIL, Vogal, sob a presidência da Desembargadora ADELITH DE CARVALHO LOPES, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 20 de junho de 2002.
Desa. ADELITH DE CARVALHO LOPES
Presidente/Relatora
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de apelação, deduzido por HAMILTON KIRCHNER FILHO, em face da r. sentença proferida nos autos da ação indenizatória que promove em desproveito de SOUZA CRUZ S.A., cujo pleito se circunscreve a pedido de condenação da ré em danos morais e materiais supostamente sofridos em razão do consumo de cigarros, iniciado pelo apelante, ainda adolescente, por volta dos anos 60, quando a ré procedia à distribuição gratuita do produto nas proximidades das escolas.
Atribui ainda responsabilidade da apelada em decorrência de veicular propaganda enganosa e também porque não se desincumbiu do seu dever de informar acerca dos malefícios provocados pelo fumo.
Diz, outrossim, que, em razão do vício, adquirido por culpa da ré, acabou contraindo câncer de pulmão, o qual foi retirado após intervenção cirúrgica, tendo que se submeter a diversas sessões de radioterapia.
A douta magistrada sentenciante concluiu pela improcedência da pretensão deduzida, ao argumento nuclear de inexistência de conduta ilícita perpetrada pela apelada.
No seio do vertente recurso, o apelante insiste na tese da caracterização da responsabilidade da ré em decorrência dos males que sofreu, consistente na retirada de um pulmão por força de tumor, originário do tabagismo.
Argumenta, em rebate à tese monocrática, que "...em nenhum momento se discute a legalidade ou não do comércio praticado pela ré, mas sim a responsabilidade da mesma pelos males causados pelo seu produto, pelo que indeferir o pleito do autor sob esse argumento é, sem dúvida, ‘legalizar’ a propagação de doenças cancerígenas e até mesmo incentivar a comercialização de produto sabidamente nocivo à saúde, e principal causador de mortes no país".
Articula que o cigarro se caracteriza como um grande causador de doenças e, também, "um enorme alterador da vontade humana", sendo certo que a nicotina estimula, deprime, ocasiona turbações cardíacas, respiratórias e digestivas, além de complicações funcionais no cérebro, cerebelo e bulbo e perturbações visuais e auditivas.
Discorre, ademais, sobre estatísticas efetivadas pela Organização Mundial de Saúde e organizações médicas brasileiras, que demonstraram a existência de oito variações de câncer produzidos pelo uso do cigarro.
Diz, mais, que, embora seja a atividade da ré de natureza ‘lícita’, a mesma acaba por ferir preceito da Lei Maior que garante o direito à vida a todo cidadão.
Rebate o apelante, outrossim, a argumentação da MM. Juíza de inexistência de nexo de causalidade entre o consumo de cigarros e a doença adquirida e de que o ‘marketing’ veiculado pela ré não pode ser taxado como propaganda enganosa, e prossegue afirmando que, se existe dependência física e psíquica causada pela nicotina, não há que se falar em vontade própria, mas sim sob o arbítrio, domínio e influência do produto.
Invoca o Código de Defesa do Consumidor, dizendo que "cabia à apelada provar que os danos sofridos pelo autor não decorreram do produto por ela comercializado, o que, induvidosamente, não se verificou, ao contrário, tendo sido afirmado pela r. sentença recorrida que o cigarro é causador de dependência".
Após transcrever íntegra de julgado que entende socorrer sua tese, requer o apelante o provimento do recurso, reconhecendo-se o direito à percepção da indenização nos moldes declinados na inicial.
Nas contra-razões de fls. 686/710, a apelada rebate ponto a ponto as considerações do recurso e requer o seu desprovimento, mantendo-se a r. sentença monocrática tal qual proferida.
É o relato do que interessa.
VOTOS
A Senhora Desembargadora ADELITH DE CARVALHO LOPES – Presidente/Relatora.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
No entanto, apesar das alentadas considerações do apelante em sua peça recursal, entendo que a r. sentença monocrática bem dirimiu a controvérsia, razão por que adiro aos seus fundamentos, verbis:
"...cuida-se de pedido de indenização por danos morais e materiais que o autor alega ter sofrido em razão do consumo de cigarros, que se iniciou com a distribuição gratuita de cigarros fabricados pela ré na porta de colégios na época da adolescência do autor, por volta dos anos 60, devido à veiculação de propaganda que reputa claramente enganosa e por ausência de qualquer informação, pela ré, sobre os prejuízos causados pelos componentes químicos existentes no cigarro.
Inicialmente, há que se observar a licitude da atividade da empresa ré, no que tange ao cultivo do fumo, preparação e comercialização de cigarros, vez que autorizada, disciplinada e fiscalizada pelo Poder Público. Igualmente, impõe-se deixar clara a não aplicabilidade dos regramentos do Código de Defesa do Consumidor anteriormente à sua vigência.
O autor alega que iniciou o hábito de fumar aos onze anos de idade, através da distribuição gratuida de cigarros nas portas dos colégios de sua cidade natal. Tal prova é impossível de ser produzida, mas, de qualquer sorte, não havia qualquer proibição, por parte do Estado, vedando tal prática da ré.
Além disso, não afirmou o autor ter sido coagido a fumar cigarros; portanto, poderia, como tantos outros devem ter feito, ter ignorado a oferta ou mesmo a rejeitado. Se iniciou sua atividade tabagista, o fez por livre vontade.
Do mesmo modo persistiu no hábito de fumar, pois os malefícios do fumo são conhecidos desde há muito; antes mesmo da Portaria 480/88 e da Constituição Federal/88, que restringiram a propaganda comercial do tabaco para preservar a pessoa e a família da propaganda de produtos nocivos á saúde e instituiu as advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
Nesse ponto, pondero que a alegação do vício causado pela nicotina, a justificar a dependência ao cigarro, não pode ser considerada da forma como colocada pelo autor. A nicotina pode até causar dependência física e psíquica, mas não a ponto de retirar do fumante sua autodeterminação. A decisão pessoal de iniciar e continuar a fumar é fruto da escolha consciente do fumante, sendo cediço que inúmeras pessoas largam o hábito quando decidem fazê-lo, necessitando apenas de força de vontade para persistir nessa decisão.
Quanto à alegação de propaganda enganosa acerca do produto comercializado pela ré e da ausência de informações sobre os malefícios do cigarro, consoante ponderado, anteriormente à vigência do Código de Defesa do Consumidor, não se aplicam seus regramentos.
De qualquer modo, a ré, depois da edição da Portaria 490, de 25.08.88, a qual estabeleceu regras para a publicidade de cigarros e impôs a inclusão de cláusula de advertência, passou a observar a determinação do Ministério da Saúde. Igualmente o fez em relação aos §§ 3o e 4o do art. 220 da Constituição Federal e à Lei 9.294/96 e posteriores alterações. Não há nos autos qualquer afirmação contrária.
Portanto, a publicidade de cigarros, por seguir o que determina a legislação sobre o tema, inclusive os arts. 8o e 9o do Código de Defesa do Consumidor, não pode ser considerada enganosa.
No que tange à responsabilidade imputada à ré pela neoplasia pulmonar que acometeu o autor, imperioso tecer as seguintes considerações:
A responsabilidade civil tratada pelo Código de Defesa do Consumidor refere-se à existência de vício no produto ou nas informações sobre sua utilização e riscos. Confira-se:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador, respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos". (grifei).
Não há alegação de defeito nos produtos da ré. Com relação às informações, estas são prestadas na forma como exigida pela legislação de regência e são cristalinas quanto aos malefícios do consumo de cigarro.
Destarte, a questão não pode ser decidida à luz da responsabilidade civil objetiva, remanescendo a responsabilidade civil tratada pelo art. 159 do Código Civil, regulada da seguinte forma:
"Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".
Também para a análise da responsabilidade civil é importante considerar que o inciso I, do art. 160, do mesmo diploma legal, não considera ato ilícito aquele praticado no exercício regular de um direito.
Desse modo, unindo-se os dois preceitos legais, tem-se que, para a responsabilidade civil, necessária a comprovação de três elementos: a conduta ilícita do agente, o nexo de causalidade entre tal conduta e os danos ocorridos, com a comprovação dos mesmos.
No caso dos autos, infere-se a ausência de conduta ilícita por parte da ré, que comercializa produto permitido pelo Poder Público. Desnecessário perquirir sobre os demais elementos ensejadores da responsabilidade, convindo ressaltar que a inobservância das recomendações de risco à saúde, pelo autor, rompe o nexo causal e permite concluir pela sua culpa exclusiva, pois, ciente quanto ao risco do produto consumido, assumiu-o voluntariamente ao persistir no hábito do tabagismo.
Quanto ao mais, concluindo-se pela ausência de responsabilidade civil da ré, resta prejudicada a avaliação quanto ao valor dos danos morais e materiais postulados..."
Consigno que, nesta oportunidade, o apelante não trouxe qualquer argumento de suporte capaz de reverter as conclusões lançadas na r. sentença de 1o grau.
Isso posto, nego provimento ao recurso, para manter indene a inteligência singular.
É como voto.
O Senhor Desembargador GETÚLIO MORAES OLIVEIRA – Revisor.
Senhora Presidente, não se produziu, neste caso, a prova necessária que pudesse lastrear uma condenação. Aliás, acreditando até que, no atual estágio científico, ao que parece, não se pode precisar exatamente qual a causa do mal insidioso e cruel do qual lamentavelmente padeceu o autor. O que se sabe são de produtos de risco; risco, inclusive, inerente. É preciso a prova do nexo, e nesses autos não vi.
Nessas condições, a improcedência é imperativo legal.
A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL – Vogal.
Com a Turma.
DECISÃO
Negou-se provimento. Unânime.
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios