CANCELAMENTO DO CARTÃO DE CRÉDITO POR INADIMPLEMENTO
APELAÇÃO CÍVEL N º 129.850-4, DE CURITIBA 4ª VARA CÍVEL
Apelante: MAURÍCIO PIZZATTO DE SOUZA E OUTRO
Apelado: CREDICARD S/A ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO
Relator: JUIZ CONVOCADO MÁRIO HELTON JORGE
RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL CANCELAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO - INADIMPLEMENTO DOS TITULARES NÃO CARACTERIZADO INSCRIÇÃO NO SERASA OFENSA À HONRA PELA PERDA DE CREDIBILIDADE- ARBITRAMENTO DO VALOR DO DANO COM OBSERÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, SENTENÇA REFORMADA.
1. O dano moral decorre de ofensa à credibilidade das pessoas e se caracteriza pela simples inscrição indevida do nome, nos cadastros de dados de restrição de crédito.
2. Na fixação do valor da indenização devem ser observados os princípios da proporcionalidade e da vedação de enriquecimento sem causa.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 129.850-4, de Curitiba 4ª Vara Cível, em que são apelantes Maurício Pizzatto de Souza Neto e Cibele Koehler Pizzatto, e apelado Credicard S/A Administradora de Cartões de Crédito .
I Maurício Pizzatto de Sousa e Cibele Koehler Pizzato propuseram ação de rescisão contratual c/c perdas e danos morais contra Credicard- S/A , alegando o descumprimento contratual por parte da ré, pois tiveram seus cartões de crédito cancelados e apreendidos, apesar de terem efetuado o pagamento da parcela mínima do débito total, na data do vencimento. Decorrente desta falha, tiveram seu limite do cheque especial cancelado, seus nomes inscritos na lista do SERASA, restrição negativa de crédito para compra de veículo, além da impossibilidade de obterem outros cartões. Pediram indenização pelos danos morais causados e declaração de rescisão contratual, por inadimplemento da ré.
Credicard S/A. apresentou contestação negando a adoção de qualquer medida de restrição de crédito dos autores, junto aos órgãos de proteção de crédito e demais administradoras de cartões de crédito, perante o Citybank, ou outra instituição financeira, além de que inexistem fatos que possam macular a sua honra, capaz de ensejar indenização por danos morais, eis que o indevido cancelamento do seu cartão de crédito não caracteriza abalo de crédito. Quanto ao pagamento realizado pelos autores, o mesmo não foi detectado pelo sistema, razão pela qual encontra-se pendente de baixa e que não tomou qualquer medida de restrição aos seus créditos, sendo que a retenção dos cartões é automática, gerando apenas um transtorno temporário. No mais, procurou esclarecer os fatos ocorridos e pediu a improcedência dos pedidos(f. 54/60).
Em impugnação, os autores confirmaram que, por erro da ré, tiveram cancelado o limite de cheque especial, em conta corrente mantida junto ao Citybank, além do cancelamento do cartão de crédito pela ré. Refutaram os termos da defesa e reiteraram os argumentos anteriores (f. 86/87).
A audiência de conciliação (f. 97), restou infrutífera, saneado foi o processo, fixados pontos controvertidos e deferida a produção de provas, tendo sido determinadas diligências junto ao Banco Citybank, SPC e SERASA, parcialmente cumpridas.
Em audiência de instrução e julgamento, foi ouvida uma testemunha dos autores (fl.148).
Apresentados memoriais (f.160/162-164171), o Dr. Juiz julgou improcedente o pedido inicial (f.178/185), condenando os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, com juros e correção monetária, em R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Irresignados, aos autores interpuseram recurso de apelação, alegando que o comprovaram o dano moral sofrido, vez que tiveram, indevidamente, seus nomes inscritos no Serasa, e o limite de crédito foi cancelado pelo banco.
Requereram a reforma da sentença prolatada, em caso de entendimento contrário, que sejam reduzidas as verbas de sucumbência.
O apelado apresentou resposta (f.208/216), pugnando pela manutenção da sentença.
É o relatório.
II Preliminarmente, embora não seja objeto de recurso o pedido de rescisão contratual, pugnado pelos autores na inicial, mas não examinado na sentença (omissão), não prospera, eis que falta interesse de agir, levando-se em conta que a própria ré, anteriormente à propositura da ação, cancelou unilateralmente o contrato de prestação de serviços, valendo-se para tanto da cláusula quarta (fl.17). Portanto, sem objeto o pedido, falta-lhes a condição da ação, sendo inepto, que ora se declara,de ofício, com apoio no artigo 267, § 3º, do CPC.
Por outro lado, para o cabimento de indenização por ato ilícito extracontratual devem ser preenchidos os requisitos do artigo 159, do Código Civil: ato culposo, dano e nexo causal.
A tutela aos direitos da personalidade está prevista no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que especificamente prevê a proteção à honra.
A ofensa à honra decorre de fatos relacionados à calúnia, difamação e a injúria, tipificados como crime, nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal.
O fundamento do pedido de reparação de danos morais é relativo à lesão a honra dos autores, no caso, a perda de credibilidade. É verdade que a ausência de credibilidade decorre da mácula à boa fama da pessoa, ou de difamação;no caso, pela falsa informação de que não são bons pagadores, que, por presunção de inadimplência da prestação, tiveram, indevidamente, o cancelamento de seus créditos pela ré.
O cancelamento unilateral do contrato de prestação de serviços cartão de crédito é fato incontroverso, o qual decorreu de suposta inadimplência dos autores. A propósito, a ré não contestou a veracidade do documento (fl.20), representativo do pagamento, em dia, da parcela da dívida, argumentando apenas que não foi detectado pelo sistema de pagamentos, daí gerando as conseqüências aos autores.
A inscrição do nome dos autores junto ao SERASA está comprovada (fl. 114), levando-se em conta a informação de que excluímos a(s) anotação(ões) do CREDICARD S.A., o que significa que houve inclusão.
Assim, ocorrida a inclusão do nome dos autores, no cadastro restritivo de crédito, caracteriza-se como indevida, levando-se em conta que foi a própria ré, em face de problemas de processamento do pagamento que deu causa, maculando a sua fama de bons pagadores, cuja informação ficou acessível a terceiros, em se tratando de banco de dados. Portanto, comprovada a culpa da ré e a ofensa à credibilidade dos autores.
Assim, demonstrada a ofensa à credibilidade dos autores, que atinge às suas honras, passível é a indenização.
O dano moral não é suscetível de demonstração bastando a alegação do ofendido - e o nexo causal sequer foi contestado pela ré.
Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nesses casos, a prova do dano moral, faz-se com a demonstração da existência da inscrição irregular em cadastro restritivo de crédito.
Aliás, recentemente o ilustre Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DE DIREITO reafirmou estar assentado na jurisprudência daquela colenda Corte que não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado, assim, o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação do art. 334 do Código de Processo Civil .
Esta Corte tem decidido, de forma reiterada, nesse sentido, enfatizando que sendo demonstrada a culpa e o nexo de causalidade, entre a conduta omissiva/comissiva do agente e a lesão ao bem jurídico ofendido [honra subjetiva], tratando-se de danos extrapatrimoniais [morais] puros, originados inscrição cadastral ou em banco de dados indevida, não se faz necessária a prova da existência do efetivo prejuízo.
Já, para a fixação do quantum indenizatório, deve seguir, no entanto, ... em face do caso concreto, a trilha do bom senso, da moderação e da prudência, tendo sempre em mente que, se por um lado, a indenização deve ser a mais ampla possível, por outro, não pode tornar-se em fonte de lucro indevido , como adverte o Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro .
Nesse mesmo sentido, não se deve afastar dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, hoje tidos como princípios constitucionais.
Além disso, deve-se ter na mira que o fulcro ressarcitório, quando se cuida do dano moral, converge para duas forças, apontadas, aliás, pelo ilustre Prof. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, quais sejam : caráter punitivo, para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o caráter compensatório para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida pelo mal sofrido.
Além das ponderações sobre as condições das partes e a intensidade da ofensa, tem-se que ela, de um lado, pune a causadora do dano pela ofensa praticada, ao mesmo tempo em que se compensa a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcionará algum prazer [viagem, aquisição de algum bem, etc.], como contrapartida do mal sofrido.
Levando-se em conta as circunstâncias do caso, a gravidade do dano, a situação do ofensor, a condição do lesado, preponderando, em nível de orientação central, a idéia de sanção ao ofensor, arbitra-se o valor correspondente a 30 salários mínimos atuais, que atende a posição sócio-econômica das partes, a gravidade da lesão e a repercussão da ofensa, não constituindo enriquecimento dos ofendidos.
Modificam-se os ônus da sucumbência, com vistas a condenar a ré ao pagamento das custas proporcionais a 80% e os autores em 20%, e de honorários advocatícios fixa-se 10% sobre o valor da condenação, em favor do Advogado dos autores, e em R$ 250,00 em favor do Advogado da ré, com observância do artigo 20, § 3º .c.c. § 4º, do CPC, levando-se em conta a simplicidade da matéria, os trabalhos dos profissionais e o tempo transcorrido para a prestação jurisdicional.
III Pelas razões expostas, ACORDAM os integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, conhecer da apelação e dar provimento para reformar a sentença, nos termos do voto, e de ofício decretar a carência do pedido de rescisão contratual postulado pelos autores, na inicial.
O julgamento foi presidido pelo Des. ANTONIO LOPES DE NORONHA, sem voto, e dele participaram os Des. RAMOS BRAGA e ERACLÉS MESSIAS.
Curitiba, 06 de novembro de 2002.
Juiz Conv. MARIO HELTON JORGE
Relator
Fonte: Tribunal De Justiça do Paraná