BLOQUEIO DE LINHA TELEFÔNICA - INEXISTÊNCIA DE JUSTO MOTIVO
Órgão : Quarta Turma Cível
Classe : APC - Apelação Cível
Num. Processo : 2000 01 1 052540-3
Apelante(s) : JOSÉ VIEIRA ALVES E OUTRO E
BRASIL TELECOM S/A. FILIAL TELEBRASÍLIA
Apelado(a)(s) : OS MESMOS
Relator Des. : SÉRGIO BITTENCOURT
Revisor Des. : LECIR MANOEL DA LUZ
E M E N T A
CIVIL REPARAÇÃO DE DANOS PRESTADORA DE SERVIÇOS DE TELEFONIA BLOQUEIO DE LINHA TELEFÔNICA ERRO INEXISTÊNCIA DE JUSTO MOTIVO DANO MORAL CARACTERIZAÇÃO QUANTUM DANO MATERIAL PROVA.
Constatado o bloqueio de linha telefônica do cliente sem justo motivo, fato assumido como erro pela prestadora de serviços, impõe-se o dever de indenizar os prejuízos causados.
O dano moral independe de prova; sua existência é presumida, não se cogitando, pois, da comprovação do prejuízo, nem da intensidade do sofrimento experimentado pelo ofendido.
Ao fixar o valor da reparação pelos danos morais deve o julgador cuidar para que não seja tão alto, a ponto de tornar-se instrumento de vingança ou enriquecimento sem causa do prejudicado, nem tão baixo de maneira a se mostrar indiferente à capacidade de pagamento do ofensor.
O dano material, por outro lado, não se presume, devendo ser comprovado para o deferimento da respectiva reparação.
A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, SÉRGIO BITTENCOURT Relator, LECIR MANOEL DA LUZ Revisor e ESTEVAM MAIA Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 18 de fevereiro de 2002.
Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT
Presidente e Relator
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada por José Vieira Alves e VW Produção Cinema, Vídeo e Televisão Ltda. em desfavor de Brasil Telecom S/A. Filial Telebrasília. Alega o primeiro autor ter adquirido da ré uma linha telefônica, instalada em abril de 2000 no escritório da segunda autora, a qual foi desligada em junho daquele ano. Ao contactar a ré, esta lhes informou que tal fato se deu pela ausência de pagamento da fatura do mês de abril/2000, relativa à cobrança do valor da assinatura e da mudança de linha. Argumentam que tal cobrança foi indevida, eis que aludida linha telefônica era nova e instalada pela primeira vez. Noticiam que os serviços foram restabelecidos somente em julho de 2000, ocasião em que a ré lhes enviou correspondência admitindo seu erro. Dizem ter sofrido danos materiais e morais. Pretendem receber R$ 50.000,00 por danos morais, bem como indenização por danos materiais. Acrescento que a ré apresentou contestação fora do prazo legal, tendo sido decretada a sua revelia.
A MM. Juíza a qua julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando a ré a pagar aos autores, a título de danos morais, o valor de R$ 5.000,00. Não houve condenação em danos materiais. Em face da sucumbência recíproca, condenou as partes a arcarem, cada qual, com o pagamento dos honorários advocatícios de seus patronos e com 50% das despesas processuais, fixadas em 20% da condenação, nos termos do art. 20, § 3Ί c/c art. 21, do CPC.
Irresignados, os autores apelaram (fls. 114/118), sustentando que, embora de difícil comprovação, os danos materiais são devidos. Insurgem-se, ainda, com relação ao valor dos danos morais, pedindo sua majoração. Aduzem, por fim, que os ônus da sucumbência devem ser suportados, tão-somente, pela ré, já que tiveram o pleito acolhido.
A ré também apelou (fls. 120/131), insistindo que o bloqueio da linha telefônica não se deu exclusivamente em razão da transferência do endereço dos autores, mas pela inadimplência dos mesmos, concluindo que agiu licitamente. Afirma que não restou comprovado o alegado dano moral. Considera exorbitante seu valor, pedindo, se mantida a condenação, a redução do quantum para R$ 1.000,00.
Preparos regulares dos autores e da ré, às fls. 119 e 132, respectivamente.
Contra-razões da ré (fls. 139/142) e dos autores (fls. 147/149).
É o relatório.
V O T O S
O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT Presidente e Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.
Examinarei, simultaneamente, ambas as apelações.
A ré alega que o bloqueio da linha telefônica ocorreu licitamente, em virtude da inadimplência dos autores. Acrescenta que os alegados danos morais não foram provados, pedindo, se mantida a condenação, que seu valor seja reduzido. Já os autores pretendem a majoração da indenização por danos morais, afirmando, ainda, que os danos materiais são devidos.
Sem razão, porém.
Diferentemente das alegações da ré, verifico que o bloqueio da linha telefônica dos autores não se deu por falta de pagamento. Na verdade, tal fato ocorreu por erro cometido pela própria ré, consoante admite na correspondência enviada aos autores, onde diz ter excluído o valor referente à taxa de mudança de endereço, lançado indevidamente na fatura do mês de abril/2000 (fl. 25). Aliás, a ré informou na referida carta que havia alterado para 26/07/2000 o vencimento da mencionada fatura, cujo pagamento foi feito pelos autores na data estipulada (fl. 24). Não houve, portanto, a alegada inadimplência dos autores, a justificar o bloqueio indevido de sua linha telefônica.
Indubitável, portanto, a existência do dano moral, o qual, ao contrário do entendimento do réu, independe de prova. Sua existência é presumida, não se cogitando, pois, da comprovação do prejuízo, nem da intensidade do sofrimento experimentado pelo ofendido. Sobre o assunto, Carlos Alberto Bittar, in Reparação Civil por Danos Morais, RT, pág. 74, escreve, com muita propriedade, que "não se deve cogitar de mensuração ou sofrimento ou de prova de dor, exatamente porque esses sentimentos estão ínsitos no espírito humano. Compõem, pois, a sua essencialidade, de sorte que, das simples circunstâncias do caso, tem o magistrado a plena possibilidade de aquilatar a respectiva existência, não apresentando relevância jurídica o grau de reação manifestado pelo lesado".
Confira-se, a propósito, jurisprudência do Col. STJ:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANOS PATRIMONIAL E MORAL. ART. 602 DO CPC. 1. A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa). 2. Omissis. 3. Omissis. 4. Omissis. 5. Omissis." (REsp nΊ 1992/0014665-1, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ͺ Turma).
Quanto ao valor da reparação, o professor Humberto Theodoro Júnior, em artigo publicado no livro "Doutrina", volume 1, do Instituto de Direito, págs. 89/95, reedita preciosa lição de Amílcar de Castro, à época abrilhantando o antigo Tribunal de Apelação de Minas Gerais: "Causando o dano moral, fica o responsável sujeito às conseqüências de seu ato, a primeira das quais será essa de pagar uma soma que for arbitrada, conforme a gravidade do dano e a fortuna dele responsável, a critério do poder judiciário, como justa reparação do prejuízo sofrido, e não como fonte de enriquecimento".
Estes, realmente, são os critérios que devem nortear o julgador. Ao mesmo tempo em que deve cuidar para que a indenização não se torne um instrumento de vingança ou enriquecimento indevido do prejudicado, não pode permitir o aviltamento de seu valor, a ponto de torná-lo indiferente à capacidade de pagamento do ofensor. Ou, como ensina Caio Mário da Silva Pereira ("Responsabilidade Civil", 9ͺ ed., editora Forense, pág. 60): "a vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva".
É sabido, outrossim, que a estimativa da indenização por danos morais não se prende, necessariamente, ao pedido formulado na inicial. Tem o julgador a liberdade e discricionariedade para avaliar e sopesar a dor do ofendido, a fim de propiciar-lhe o adequado conforto material como forma de compensação, levando-se em conta o potencial econômico e social da parte obrigada, bem como as circunstâncias e a extensão do evento danoso.
Assim, o benefício concedido nem sempre corresponde à pretensão quantitativa do lesado, razão pela qual, se invertidas as posições, isto é, se negado o direito do autor, não se deve mensurar a sua derrota segundo os parâmetros de expectativa da vitória.
Portanto, a reparação deve ser arbitrada moderadamente, visando reparar, de um lado, os danos causados e, de outro, não permitir o enriquecimento sem causa. Tenho, portanto, como justa a condenação no pagamento de R$ 5.000,00, fixada em primeira instância.
De outro lado, não há como acolher o pedido de danos materiais formulado pelos autores, eis que em momento algum conseguiram provar os prejuízos que alegam ter sofrido.
Por fim, os autores aduzem que foram vitoriosos, concluindo que os ônus da sucumbência devem ser suportados somente pela ré. Verifico que tal afirmação se mostra equivocada, já que, não obstante terem pedido em sua inicial indenização por danos materiais e morais, apenas estes últimos foram acolhidos, pois os danos patrimoniais não restaram demonstrados. Indubitável, pois, que houve sucumbência recíproca, devendo as partes arcarem com o pagamento dos honorários de seus respectivos advogados, bem como ratearem as despesas processuais, nos termos do art. 21 do CPC.
Ante o exposto, nego provimento aos recursos, mantendo in totum a r. sentença guerreada.
É o voto.
O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ Revisor
Cabíveis e tempestivos, conheço dos recursos.
Cuida-se de apelações interpostas por José Vieira Alves e outros e Brasil Telecom S.A Filial Telebrasília, com o propósito de modificar a r. sentença proferida pela MM. Juíza da 12ͺ Vara Cível da Circunscrição Judiciária Especial de Brasília, Drͺ Luciana Corrêa Torres de Oliveira, nos autos do processo nΊ 2000.01.1.052540-3, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando a ré a pagar aos autores, a título de danos morais, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Apelaram as partes.
Sustentam, os autores, que, não obstante, os danos materiais sejam de difícil comprovação, estes são devidos. Por fim, postulam que a parte ré suporte os ônus da sucumbência, posto que o pleito foi acolhido.
A ré, por sua vez, afirma que agiu licitamente, posto que a linha telefônica foi bloqueada em face do inadimplemento dos autores, repetindo, no mais, os argumentos trazidos na peça contestatória. De resto, pleiteia a redução da condenação para R$ 1.000,00.
Eis a suma dos fatos.
Passo à análise simultânea dos recursos.
Com efeito, tenho que a empresa Brasil Telecom S/A. bloqueou a linha telefônica dos autores sem qualquer justificativa, emergindo daí, o dano moral.
Induvidoso que a ré não demonstrou o alegado inadimplemento dos autores, o que restou comprovado através da correspondência enviada por aquela, onde exclui o valor relativo à taxa de mudança de endereço, que foi lançado indevidamente na fatura do mês de abril de 2000 (fl. 25). E mais, o documento colacionado à fl. 24 é prova cabal do adimplemento por parte dos requerentes.
Comprovado o dano moral, a controvérsia cinge-se ao quantum indenizatório a ser arbitrado e para mensuração desse valor, levar-se-á em conta os seguintes critérios, a saber: a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade na natureza e repercussão da ofensa e a posição social da vítima, a intensidade da culpa da ré e sua situação econômica.
Acrescento que a indenização por dano moral, a título de critério subsidiário, possui caráter repressivo, no sentido de desestimular práticas por parte do responsável, levando-o à consciência de que reiterações futuras poderão custar-lhe ainda mais.
Assim, em face da desídia da Brasil Telecom S/A, ao bloquear injustificadamente o telefone comercial dos autores, merecem esses uma compensação de ordem material para diminuir sua sensação de impotência diante da lembrança do fato ocorrido.
Diante disso, tenho que a r. sentença monocrática não merece reparos quanto ao valor arbitrado a título de dano moral, posto que adequadamente fixado.
No que pertine ao dano material, cabia à empresa requerida a demonstração inequívoca da diminuição de seu patrimônio ou, ainda, a perda da vantagem que poderia auferir com o crédito. Nesse sentido nada demonstrou, assim, não há que se falar em dano material.
Por pertinente, transcrevo ementa do Colendo Superior Tribunal de Justiça, emanada pela Egrégia Terceira Turma, no REsp nΊ 137.482/DF, in verbis:
"CIVIL E PROCESSUAL INDENIZAÇÃO DANO MORAL E MATERIAL MATÉRIA DE PROVA DISSÍDIO NÃO COMPROVADO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ EXCEÇÕES DO ART. 132 DO CPC. I Se o acórdão recorrido, com base nas provas carreadas aos autos, reconheceu a culpa dos prepostos da empresa-ré para a ocorrência do evento danoso que vitimou o pai e o marido das autoras, tal assertiva não pode ser revista em sede de Especial, por expressa vedação da Súmula 7/STJ. II Na fixação do dano moral, deve o juiz orientar-se pelos critérios recomendados pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade e eqüidade, atento à realidade e às peculiaridades de cada caso concreto. Dissídio jurisprudencial não demostrado, quanto ao ponto, ante a semelhança das hipóteses em confronto. III Transferido o juiz que concluiu a instrução do processo, desvincula-se do feito. Inteligência do art. 132 do CPC, em sua nova redação. IV Recurso não conhecido." (DJ de 14.9.98, p. 00055.)
Quanto à questão dos ônus da sucumbência, entendo que autor e réu devem arcar, cada qual, com o pagamento dos honorários de seus respectivos advogados e custas pro rata, porquanto inequívoca se mostra a sucumbência recíproca das partes, eis que o autor formulou, em sua exordial, dois pedidos dano material e dano moral, restando vencido quanto ao material.
Frente às razões supra, nego provimento a ambos os recursos.
É como voto.
O Senhor Desembargador ESTEVAM MAIA Vogal
De acordo.
D E C I S Ã O
Negou-se provimento. Unânime.
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios