AQUISIÇÃO DE VEÍCULO EM DÓLAR POR UMA FACTORING

 

Apelação Cível nº 116.557-3 de Curitiba 15ª Vara Cível
Apelante:
Ford Factoring Fomento Comercial Ltda.
Apelado: José Ari Matos
Relator:
Juiz Convocado Miguel Kfouri Neto

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL AÇÃO DE NULIDADE CONTRATUAL AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM CORREÇÃO PELO DÓLAR EMPRESA DE FACTORING NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE QUE O BEM FOI ADQUIRIDO COM RECURSOS CAPTADOS NO EXTERIOR FATOS SUPERVENIENTES QUE TORNARAM EXCESSIVAMENTE ONEROSAS AS OBRIGAÇÕES CONTRAÍDAS PELO CONSUMIDOR POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA VARIAÇÃO CAMBIAL APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ADMISSIBILIDADE ADOÇÃO DO INPC COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO JUROS EMPRESA QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA LIMITAÇÃO DOS JUROS SENTENÇA MANTIDA APELAÇÃO IMPROVIDA.


"- A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas.
- A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor indexada em dólar norte-americano." (STJ REsp 361.694-RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 25.03.2002, p. 281).


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 116.557-3 de Curitiba 15ª Vara Cível, em que é apelante Ford Factoring Fomento Comercial Ltda. e apelado José Ari Matos.

1. Trata-se de ação ordinária de nulidade contratual e antecedente medida cautelar inominada, objetivando a declaração de nulidade de cláusulas do contrato de compra e venda, cessão de crédito com reserva de domínio e outras avenças, que firmou com a ré, para aquisição de um veículo da marca Ford.

Em sentença única, o ilustre julgador singular julgou parcialmente procedente o pedido da ação principal, para "declarar nulas as cláusulas que fixaram os juros ilegais e abusivos aplicados sobre o valor financiado, ou seja, no percentual de 23,13% ao ano e amortizações pela Tabela Price, como também a cláusula que estabeleceu como fator de atualização a moeda norte-americana (dólar), impondo aos contratantes o INPC como índice de aferição da correção monetária das parcelas devidas pelo Autor ao Requerido, vencidas e vincendas, acrescidas de juros no percentual máximo de 12% (doze por cento) ao ano", isso após afastar as preliminares de falta de interesse de agir, impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade passiva, argüidas na contestação.

E também julgou procedente a medida cautelar inominada, confirmando em definitivo a liminar concedida, que permitiu o depósito judicial das parcelas com atualização pelo INPC.

Inconformada, apelou a ré, pugnado pela reforma da sentença, com a manutenção integral das cláusulas contratuais, sustentando, em síntese:

- a utilização da variação cambial como cláusula de escala móvel é válida, autorizada que é pelo Decreto-lei nº 857/69, portanto, plenamente cabível a adoção do dólar norte-americano como indexador de contratos;
- o apelado conhecia os termos do contrato e seus riscos e poderia ter optado por outra modalidade de operação;
- as obrigações assumidas pela recorrente no exterior devem ser pagas em dólar, fato que era de conhecimento do apelado, não se justificando a desvinculação da variação cambial;
- não se encontram presentes os requisitos para aplicação da cláusula rebus sic stantibus, adotada na sentença, devendo ser respeitada a autonomia da vontade, vigorando a cláusula pacta sunt servanda;
- a apelante não teve qualquer lucro com a oscilação cambial, já que a cláusula de variação cambial é adotada, por imperativo legal, sempre que se tratar de repasse financeiro de recursos obtidos no exterior, e serve como fator de equilíbrio do contrato;
- a adoção do INPC, é totalmente descabida;
- no contrato em tela não se aplica o Código de Defesa do Consumidor;
- não se trata de financiamento, mas de parcelamento de saldo, por isso, não existe previsão de juros, mas de incidência de um coeficiente da prestação.

Recurso preparado e não respondido.

É O RELATÓRIO.

2. Não obstante os argumentos da apelante tenham preenchido 54 longas páginas, a irresignação contida nas razões recursais é dirigida especialmente no sentido de demonstrar a validade da aplicação da variação cambial no contrato objeto da lide, e na inadmissibilidade da redução dos juros, ao argumento de que no referido contrato não há previsão de tal encargo. Invoca em seu auxílio, o princípio pacta sunt servanda, o Decreto-lei nº 857/69, que permitiria a indexação ao dólar, e a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na modalidade contratual em tela.

Insiste a apelante por inúmeras vezes que também assumiu no exterior dívida em dólar, ou seja, que o capital utilizado para parcelamento do preço do bem foi oriundo de empréstimo contraído no exterior, decorrendo daí a viabilidade de aplicação da variação cambial, que nesses casos seria permitida pelo disposto no Decreto-lei nº 857/69.

É verdade que o referido Decreto-lei, em seu artigo 2º abre uma possibilidade de vinculação da atualização monetária a moeda estrangeira em alguns casos, mas não é menos certo que para isso é indispensável que o capital utilizado na operação tenha sido captado no exterior.

O fato, contudo, foi bem analisado pelo ilustre sentenciante, que não só admitiu, em tese, a possibilidade de aplicação da variação pelo dólar em certos casos, como também deixou muito claro o motivo da não incidência no contrato em discussão, valendo transcrever o tópico pertinente da sentença:

"Inobstante possível a estipulação de moeda estrangeira nos contratos como o da espécie, desde que os bens sejam adquiridos com recursos provenientes de empréstimos contraídos, direta ou indiretamente, no exterior, tal comprovação não veio aos autos, ônus probatório que incumbia ao Requerido, não bastando constar referida captação na cláusula terceira (3ª) do contrato (fls. 16 e fls. 19).
Ônus probatório do Requerido, eis que o Autor é hipossuficiente, ou seja, consumidor presumivelmente mais vulnerável material e economicamente, sendo perfeitamente cabível a aplicação do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que se caracteriza como faculdade deixada a critério do magistrado para o fim de inverter o ônus da prova, quando presentes a verossimilhança das alegações expendidas pelo Requerente.
A efetiva captação de recursos no exterior deveria estar incontestemente e imediatamente demonstrada nos autos, a fim de justificar a celebração das cláusulas 3ª e 4ª, que estipularam a paridade cambial, através da moeda norte-americana.
(...)
Não demonstrada a aquisição do bem, pela empresa de factoring, mediante financiamento em moeda estrangeira, impossível admitir-se a aplicação da exceção prevista em lei, que permite a estipulação da paridade cambial" (fls. 142 e 143).


Portanto, o que não existe, e sua ausência impede a aplicação da variação cambial, é a prova do alegado. Essa foi a conclusão da sentença. E nas razões do recurso, embora tenha a apelante afirmado e reafirmado que captou recursos no exterior, em dólar, para aquisição do bem que parcelou ao apelado, não indicou um mínimo de prova para sustentar a alegação. E esse é exatamente o ponto central da questão: somente poderia usar o dólar se provasse que contraiu empréstimo em dólar, mas não houve qualquer preocupação probatória nesse sentido, e nem mesmo procurou a recorrente rebater os argumentos da sentença, para demonstrar que a prova foi feita, ou que não era necessária.

Em caso análogo, em que também figurou como apelante a Ford Factoring Fomento Comercial Ltda., o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu:
"Compra e venda com reserva de domínio. Ação revisional de contrato.1. Possibilidade de revisão. O Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, além do princípio da relatividade dos contratos, autorizam o afastamento de cláusulas abusivas. 2. Variação cambial. Não havendo prova de que os recursos captados no estrangeiro foram aplicados no contrato e diante da superveniência da alta cotação do dólar, trazendo onerosidade excessiva ao autor, deve ser afastada a correção monetária pela variação cambial. Negado provimento a apelação." (TJRS Ap. Cív. nº 70000863514, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery, julg. 11.05.00).

Colhe-se do corpo do mencionado acórdão:

"O Decreto-Lei nº 857/69, em seu art. 2º, inc. V, prevê a possibilidade de contratação em moeda estrangeira para os contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referentes a empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior.
Pelo que se depreende do ordenamento jurídico, a indexação segundo a moeda corrente de outro país não é modalidade totalmente proibida no Brasil. Mas é proibida no contrato que aqui se está revisando. Isso porque não há demonstração consistente e segura, nos autos e tampouco no contrato, de que os recursos financeiros aplicados no contrato revisando tenham sido obtidos, efetivamente, no mercado internacional. O ônus de provar a aplicação ao contrato em tela de recursos financeiros estrangeiros é da própria demandada, que, entretanto, não logrou êxito em fazê-lo, uma vez que tão-somente fez afirmações desprovidas de qualquer prova".

Não é outra a orientação do Superior Tribunal de Justiça, que em recente julgado, embora tratando de contrato de leasing, tem inteira aplicação ao caso em exame, assentou:

"Revisão de contrato Arrendamento mercantil ('leasing') Valor residual Descaracterização. Relação de consumo. Taxa de juros Fundamento inatacado. Indexação em moeda estrangeira (dólar norte-americano) Crise cambial de janeiro de 1989 Plano real. Aplicabilidade do art. 6º, inciso V, do CDC Onerosidade excessiva caracterizada. Boa fé objetiva do consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior.
- A cobrança antecipada do valor residual implica a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil.
- Aplicam-se as disposições do CDC aos contratos de arrendamento mercantil.
- É inadmissível o Recurso Especial, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
- Descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil, não se aplica a autorização excepcional prevista no art. 6º da Lei n. 8.880/94, e indevido se mostra o reajuste das prestações pela variação cambial de moeda estrangeira.
- O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor.
- A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas.
- A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor indexada em dólar norte-americano.
- É ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (arts. 6º, III, 31, 51, XV, 52, 54, § 3º, do CDC).
- Incumbe à arrendadora desincumbir-se do ônus da prova de captação específica de recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, quando impugnada a validade da cláusula de correção pela variação cambial. Esta prova deve acompanhar a contestação (arts. 297 e 396 do CPC), uma vez que os negócios jurídicos entre a instituição financeira e o banco estrangeiro são alheios ao consumidor, que não possui meios de averiguar as operações mercantis daquela, sob pena de violar o art. 6º da Lei n. 8.880/94." (STJ REsp 361.694-RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 25.03.2002, p. 281).

Também não socorre a apelante a invocação do princípio pacta sunt servanda, que no direito contemporâneo tem sido extremamente mitigado, com abertura para aplicação da cláusula rebus sic stantibus, notadamente para contemplar situações excepcionais, de onerosidade excessiva e desequilíbrio contratual derivado de causas externas como ocorreu no caso em exame, situação que é bem esclarecida em julgado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, em causa idêntica, também envolvendo a apelante Ford Factoring Fomento Comercial Ltda.:

"Com o advento do Plano Real, formulado pelo Governo Federal, objetivando a estabilização da moeda e o fim da inflação que então assolava o País, adotou-se uma política cambial de rígido controle por parte do Banco Central do Brasil, pelo sistema de bandas, de tal sorte que a flutuação da moeda americana tinha um teto. Tal fato permitiu a adoção do dólar americano como indexador dos contratos, visto que, a par da estabilidade da moeda, havia o mencionado rígido controle por parte do Governo Federal, quanto à flutuação da referida moeda. No entanto, com o advento da crise cambial no início de 1999, não resta qualquer dúvida de que houve uma profunda alteração dos valores das parcelas indexadas pela moeda americana, já que o Governo Federal, ao contrário do que vinha fazendo ao longo dos últimos anos, controlando a variação cambial, liberou a flutuação da moeda, que, como todos sabem, sofreu uma forte elevação ante a desvalorização do real.
Os contratos de leasing de veículos com reajuste da prestação vinculado ao dólar constituem, atualmente, situação que ilustra fielmente a onerosidade excessiva do contrato. Em janeiro, o dólar valorizou-se em aproximadamente 70% (setenta por cento) frente ao real, enquanto ainda se convive com inflação mensal próxima de zero.
No Brasil inteiro, o Judiciário tem concedido, em ações individuais e coletivas, liminares que impõem a substituição do reajuste com base no dólar por índice que reflita a taxa inflacionária.
O que se busca no caso é exatamente um equilíbrio financeiro da cláusula contratual, para evitar o enriquecimento da instituição financeira, em detrimento da imposição de um ônus excessivamente gravoso ao apelado.
Frise-se, por último, que admitir a correção dos contratos pelo dólar, com a maxidesvalorização ocorrida no real, proporcionará, sem sombra de dúvida, um enriquecimento exagerado por parte do apelado, contra um empobrecimento acentuado da recorrente." (TJMS Ap. Cív. nº 68.648-0, 2ª Turma Cível, Rel. Des. José Augusto de Souza, julg. 09.11.1999).

Quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, hoje é praticamente pacífico que se aplica também nos contratos bancários, contrariando o antigo julgado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul transcrito nas razões recursais (fls. 173). Aliás, a jurisprudência do referido Tribunal já a algum tempo tem se manifestado pacificamente em sentido contrário ao sustentado pelo apelante, como demonstram as seguintes ementas:

"Não há razão jurídica para que as instituições financeiras e arrendatárias não se submetam às disposições do Código de Defesa do Consumidor."(TJMS Ap. Cív. 58.368-4, 2ª Turma Cível, Rel. Designado Des. Joenildo de Sousa Chaves, julg. 23.06.98).

"A superveniência de plano econômico que desvaloriza a moeda nacional real em relação a moeda americana, causando um aumento exacerbado nas parcelas dos contratos indexados pelo dólar, onerando em demasia o consumidor, é permissivo para que as cláusulas desproporcionais no contrato sejam revisadas tendo em vista a consagração da cláusula rebus sic stantibus pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, V." (TJMS Agravo nº 65.727-4, 3ª Turma Cível, Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, julg. 26.05.99).

De qualquer modo, a própria apelante diz que a operação não é financeira, e sim mercantil, em que mais se evidencia a natureza de relação de consumo, não subsistindo qualquer dúvida sobre a aplicabilidade das normas protetivas do consumidor, especialmente aquelas que buscam afastar a estipulação de cláusulas abusivas (CDC, art. 6º, V e art. 51, § 1º, III) e que serviram de suporte à sentença.

Estabelecido, pois, o acerto da sentença ao repelir a atualização do valor contratado pela variação cambial, com sua substituição pelo INPC, índice que melhor reflete a desvalorização da moeda, resta analisar a questão dos juros, que na decisão de primeiro grau foram reduzidos de 23,13% para 12% ao ano, sob os seguintes fundamentos:

"Ora, se a operação de factoring é de natureza comercial e, como se vê, até sujeita à sanção se praticada por estabelecimentos bancários, sem autorização do Bacen, é porque se trata de contrato comercial, atípico, praticado entre empresas comerciais que, nessa cessão de crédito, não têm direito de regresso contra o cedente. Enfim, trata-se de contrato por meio do qual um comerciante cede a outrem os créditos correspondentes às suas atividades, total ou parcialmente, recebendo, em contrapartida, remuneração consistente em desconto sobre os respectivos valores.
Daí porque, a incidência de juros, segundo a taxa concedida pelo Sistema Financeiro às instituições bancárias, não podem ser praticadas por empresas de factoring.
Evidencia-se, pois, que se deve reduzir o valor a ser pago pelo Autor ao Requerido, eis que o montante do mútuo deve ser atualizado com correção monetária pelos índices oficiais, ou seja INPC, acrescido de juros no limite legal de 12% ao ano.
Assim é, pois as empresas de factoring estão limitadas sim, ao contrário do que procura demonstrar o Requerido, aos juros previstos na Lei de Usura." (fls. 139 e 140).

Nas razões do apelo, para demonstrar que não existe previsão de juros, a recorrente diz que os valores tidos como juros, são na verdade, coeficiente de prestação, e para justificar a legalidade da operação, descreve uma complicada sistemática, assim resumida: "O coeficiente da prestação consiste no preço da transação comercial de assunção da dívida, que possibilitou aos adquirentes o parcelamento do saldo a pagar. É obtido a partir de uma equação formada pela somatória das prestações da dívida assumida pela Ford Factoring junto a terceiros + o custo de remuneração desta dívida + fator de risco específico do negócio + renda esperada pela Ford Factoring + custo da prestação de serviços." (fls. 198).

Contudo, trata-se, na realidade de estipulação de juros, ainda que com outra denominação, tanto é que na contestação, embora tenha mencionado, de passagem, que não incidem juros no pacto em tela (fls. 99), a apelante tece longas considerações a respeito da possibilidade de fixação de juros acima dos limites legais.

Assim, tratando-se de empresa que não se enquadra no conceito de instituição financeira, obrigatória a observância dos limites legais de juros, ainda que tal taxa tenha recebido nome diverso no contrato.

Conclui-se, portanto, que a pretensão da apelante não prospera, impondo-se a manutenção da bem lançada sentença.

3. Diante do exposto, acordam os julgadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.

Participaram do julgamento o Desembargador José Wanderlei Resende - Presidente e o Juiz Convocado Paulo Roberto Vasconcelos.

Curitiba, 26 de junho de 2.002


Miguel Kfouri Neto
Relator Juiz Convocado

Fonte: Tribunal De Justiça do Paraná