ANULAÇÃO DE CONTRATO DE CONSÓRCIO POR DOLO
Órgão |
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2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais |
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Classe |
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ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial |
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N. Processo |
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2002.07.1.007402-3 |
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Apelante(s) |
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VILLAR ADMINISTRADORA DE CONSÒRCIOS LTDA |
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Apelado(s) |
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HILBERTO MÁRCIO DA SILVA SALES |
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Relator(a) Juiz(a) |
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BENITO AUGUSTO TIEZZI |
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EMENTA |
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CIVIL. CDC. CONSÓRCIO. PROCESSO CIVIL. ATO JURÍDICO ANULADO. DOLO QUE VICIOU A VONTADE DO CONSUMIDOR. ANULAÇÃO E NÃO RESCISÃO DO ATO NEGOCIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM DESFAVOR DA FORNECEDORA NÃO DESINCUMBIDO. VONTADE VICIADA, DECORRENTE DE EXPEDIENTE DOLOSO. ATO NEGOCIAL ANULADO. VOLTA AO STATUS QUO ANTE. CONCLUSÃO DA SENTENÇA MANTIDA. 1. Inacolhe-se preliminar invocando a expiração do prazo para a rescisão contratual de adesão a consórcio - segundo regulamentado no inciso I do art. 8º da Circular BACEN nº 3.085, de 07/02/02 - quando não se tratar de rescisão decorrente de mera desistência do aderente, mas sim, de óbvia anulação do ato jurídico, em razão de vício de consentimento que o levou a contratar objeto diverso do pretendido. 2. Se a questão em julgamento é de natureza consumerista, inserindo-se entre aquelas tuteladas pelo CDC, incidem as regras e princípios de sua lei de regência, impondo-se a inversão do ônus da prova (inc. VIII do art. 6º do CDC), frente a hipossuficiência do consumidor e verossimilhança de sua versão. 3. Se a fornecedora de serviços não se desincumbe de provar em sentido contrário às verossímeis assertivas do Recorrido-consumidor e, sequer, providencia a degravação dos depoimentos colhidos na audiência de instrução e julgamento, de molde a trazê-los ao conhecimento dos Julgadores da instância recursal; que, por isso, não têm como aferir o exato teor de cada um deles, a decisão recursal fica jungida ao que, em sua fundamentação, fez constar a r. sentença recorrida (art. 38 da LJE). 4. Se o preposto da empresa consorcial, usou de evidente dolo, mediante o expediente astucioso que empregou para iludir o consumidor, viciando sua vontade, fazendo-o aderir a um consórcio, quando, na verdade sua intenção era obter um financiamento, o ato jurídico deve ser anulado (art. 92 c/c o art. 147, ambos do Código Civil), voltando as partes ao status quo ante. 5. Recurso conhecido e improvido, com a mantença da conclusão da r. sentença recorrida. |
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ACÓRDÃO |
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Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, BENITO AUGUSTO TIEZZI - Relator, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS– Vogal, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, PRELIMINAR REJEITADA, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento. |
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Brasília (DF), 16 de outubro de 2002. |
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BENITO AUGUSTO TIEZZI Relator e Presidente |
RELATÓRIO |
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Cuida-se de recurso (fls. 31/37) interposto da sentença (fls. 27/29) que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para rescindir o contrato firmado entre as partes e determinar que a Ré restituísse ao Autor o valor de R$ 553,43, referente a um sinal de confiança que teria sido dado, quando entendeu provado o vício de vontade na celebração do contrato. O Autor pensou estar aderindo a um contrato de financiamento, quando lhe foi passada uma adesão a consórcio. Negou, entretanto, o pedido de indenização por danos morais. Inconformada, a Ré recorreu alegando em resumo, em suas razões, PRELIMINARMENTE, a expiração do prazo para a rescisão contratual, segundo regulamentação constante da Circular BACEN nº 3.085, de 07/02/02, em seu art. 8º, inciso I. No MÉRITO, diz que o Recorrido estava ciente dos termos contratuais, ressaltando tratar-se de ato jurídico perfeito, devendo prevalecer o que foi pactuado. Enfatiza que a taxa de adesão destina-se à Administradora, como parte da taxa de administração, motivo pelo qual não deve ser devolvida, mostrando-se esse entendimento pacífico na jurisprudência. Junta decisões e discorre sobre o momento da devolução, que deve ocorrer no prazo de trinta dias após o término do grupo e não imediatamente. Por derradeiro, postula pela reforma da sentença monocrática, acolhendo a preliminar suscitada ou, alternativamente, em se chegando ao mérito, que seja reformulada a condenação para reduzir o valor da devolução para R$ 168, 98. Intimado, o Autor deixou fluir em branco o seu prazo para a apresentação das contra-razões ao recurso. É o breve relatório. |
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VOTOS |
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O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Relator |
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Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. A r. sentença recorrida não pode ser reformada em sua conclusão, devendo ser mantida com pequenos adendos aos seus jurídicos fundamentos, inclusive quanto a preliminar invocada, vez que decidiu corretamente e com justiça. Relativamente à PRELIMINAR, invocando a expiração do prazo para a rescisão contratual, segundo regulamentação constante da Circular BACEN nº 3.085, de 07/02/02, em seu art. 8º, inciso I, não pode ser acolhida. Observe-se que, na realidade, não se trata de rescisão decorrente de mera desistência do aderente, mas sim de anulação do ato jurídico negocial em razão de vício de consentimento que levou o consumidor a contratar objeto diverso do pretendido, não havendo, por isso, de prevalecer o invocado e contido na citada disposição normativa do BACEN. REPILO, assim, esta preliminar. No MÉRITO, como salientado na r. sentença recorrida, a questão em julgamento é de natureza consumerista e, por isso, se insere entre aquelas tuteladas pelo CDC, cujas regras e princípios devem ser observados, impondo-se a inversão do ônus da prova (inc. VIII do art. 6º), frente a hipossuficiência do consumidor e verossimilhança de sua versão, como aqui ocorre. Observo que a recorrente não se desincumbiu de provar em sentido contrário às verossímeis assertivas do Recorrido-consumidor e, sequer, providenciou o requerimento de degravação dos depoimentos colhidos na audiência de instrução e julgamento, de molde a trazê-los ao conhecimento dos Julgadores desta instância recursal. Por isso, não têm como aferir o exato teor de cada um deles, motivo pelo qual, a presente decisão fica jungida ao que, em sua fundamentação, fez constar a r. sentença recorrida (art. 38 da LJE). E, como se infere da ponderada e jurídica fundamentação sentencial, evidenciou-se da prova que o Recorrido foi induzido a contratar a adesão a um consórcio, quando, na verdade, sua intenção era obter financiamento para a aquisição de um automóvel. Realmente, iludido pelo vendedor, que usou de evidente dolo, mediante o expediente astucioso que empregou, convenceu-o a emitir um cheque, com a curiosa finalidade de servir como "...um sinal de confiança" e, aderir a um consórcio de moto, quando sua vontade era dirigida à obtenção de um financiamento para aquisição de um carro. Foi o dolo utilizado a causa determinante da adesão do Recorrido (art. 92 do Código Civil), razão porque há que ser anulado, consoante previsto no inciso II do art. 147 do Código Civil. A prática dolosa revelou-se mais intensa quando, valendo-se da necessidade do financiamento rápido que tinha o Recorrido, apresentou-lhe uma "PROPOSTA DE PARTICIPAÇÃO À GRUPO DE CONSÓRCIO PARA AQUISIÇÃO DE BENS IMÓVEIS" e, no campo, relativo ao "DADOS DO BEM OBJETO", fez constar uma MOTO. E, ao ser interpelado sobre tais constatações, o Vendedor respondeu-lhe que, essa referência "...era simplesmente simbólica, e que a forma para se financiar era daquela maneira", enganando-o e inquinando de anulabilidade o ato jurídico praticado, vez que completamente viciada a vontade do Recorrido (art. 92 c/c o inciso II do art. 147, ambos do Código Civil). Pelo que, mostrando-se incontroverso o vício de adesão ao consórcio, imperiosa se torna a anulação deste ato jurídico, como já frisado, impondo-se o retorno das partes ao status quo ante, com a devolução integral do valor despendido pelo Recorrido, na forma determinada na r. sentença recorrida, ficando, por isso, as demais ilações da Recorrente prejudicadas. Isto posto, NEGO PROVIMENTO ao RECURSO, para o fim de MANTER íntegra a r. sentença recorrida. CONDENO a Recorrente ao pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS, deixando de condená-la na verba sucumbencial honorária em razão da não apresentação das contra-razões. |
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O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal |
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Com o Relator. |
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O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Vogal |
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Com a Turma. |
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DECISÃO |
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Conhecido. Negado provimento ao recurso. Preliminar rejeitada. Unânime. |
Fonte: Tribunal De Justiça do Distrito Federal e Territórios.