ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO DEFINITIVO
Órgão |
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Primeira Turma Cível |
Classe |
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APC – APELAÇÃO CÍVEL |
Num. Processo |
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49.808/98 |
Apelantes |
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HC CONSTRUTORA S/A JÚLIO CÉSAR CANTUÁRIA PEREIRA DA SILVA, MARTA LEITÃO BRANDÃO SUBTIL |
Apelado |
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OS MESMOS |
Relator |
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Desembargador VALTER XAVIER |
Relator Designado |
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Desembargador JOÃO MARIOSA |
EMENTA
CIVIL – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – PREÇO DO IMÓVEL – ALTERAÇÃO NO CONTRATO DEFINITIVO – DEVOLUÇÃO DA DIFERENÇA AO PROMITENTE-COMPRADOR.
Se o preço do imóvel, descrito no contrato de promessa de compra e venda, posteriormente é alterado no contrato definitivo, a diferença a maior deve ser devolvida ao promitente-comprador, uma vez que nos pactos de compra e venda deve-se ater mais a verdade real da coisa ofertada do que o disposto na sua redação.
Provido em parte o recurso do autor, por maioria.
Acórdão
Acordam os Desembargadores da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, VALTER XAVIER - Relator, JOÃO MARIOSA - Revisor e EDUARDO DE MORAES OLIVEIRA - Vogal, sob a presidência do Desembargador VALTER XAVIER, em NEGAR PROVIMENTO AO APELO DA RÉ. MAIORIA. DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR. MAIORIA. REDIGIRÁ O ACÓRDÃO O REVISOR, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 14 de dezembro de 1998.
Desembargador VALTER XAVIER
Presidente e Relator
Desembargador JOÃO MARIOSA
Relator Designado
RELATÓRIO
JÚLIO CÉSAR CANTUÁRIA PEREIRA DA SILVA e MARTA LEITÃO BRANDÃO SUBTIL ingressaram com ação de restituição de importância cobrada indevidamente em desfavor de HC CONSTRUTORA S/A. Alegam, em suma, que adquiriram da ré um imóvel pelo valor de R$ 93.950,00 (noventa e três mil e novecentos e cinqüenta reais). Quando da assinatura do contrato de compra e venda foram surpreendidos com a redução do valor do imóvel ao patamar de R$ 87.500,00 (oitenta e sete mil e quinhentos reais), com a conseqüente redução da importância paga com seus recursos próprios. Ao final, pugnam pela devolução em dobro da diferença.
Contestando (fls. 74/78), a ré afirma que o contrato não está maculado por qualquer vício de manifestação dos autores, pugnando pela aplicação do princípio do pacta sunt servanda. Assevera que o valor fixado em R$ 87.500,00 (oitenta e sete mil e quinhentos reais) retrata uma imposição para o financiamento do imóvel.
A sentença (fls. 155/159), publicada em 06.04.98 (fls. 160), julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré a restituir a diferença aos autores, mas não em dobro.
Irresignada, a ré apresentou seu apelo (fls. 161/164) em 22.04.98, devidamente acompanhado do comprovante do preparo (fls. 175). Reitera a tese expendida na contestação, buscando a reforma do julgado singular.
Igualmente inconformados, os autores protocolaram recurso adesivo (fls. 177/181) em 22.05.98, devidamente acompanhado da guia de preparo (fls. 182). Buscam a reforma da sentença monocrática no que diz respeito à aplicabilidade do Código do Consumidor para a restituição em dobro da quantia indevidamente cobrada.
Contra-arrazoando (fls. 197/200), os autores reiteram a tese defendida ao longo do processo, buscando o prestígio da sentença.
Sem contra-razões ao recurso adesivo (fls. 201v).
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador VALTER XAVIER - Relator
Egrégia Turma,
Conheço do apelo e do recurso adesivo, eis que satisfeitos os pressupostos de sua admissibilidade.
Examino, primeiramente, o recurso manejado pela empresa-ré.
Transcrevo, a seguir, trecho da irresignação posta pela ré-apelante:
"É de se perceber, facilmente, o patente equívoco perpetrado pela douta julgadora a quo, visto que toda a fundamentação esposada referida decisão não atentou para, inicialmente, a existência de um pacto contratual firmado livremente entre as partes, sem qualquer mácula de coação, como bem asseverou trecho constante à fl. 154, ao afirmar que ‘A coação, como afirmou a ré, não ficou demonstrada nos autos’, e que, portanto, deve ser rigorosamente cumprido nos moldes firmados." (fls. 162).
A eminente sentenciante assim manifestou seu entendimento:
"O contrato, apesar de conter valores diversos do preliminar, foi assinado pelos autores, que alegaram que a assinatura foi dada em virtude de coação, pois já haviam ocupado o imóvel, tendo se desfeito de vários bens, inclusive os únicos imóveis que possuíam, para obter o valor que foi pago com recursos próprios, sendo que perderiam esse valor caso não concordassem em assiná-lo. A coação, como afirmou a ré, não ficou demonstrada nos autos. Apesar de haver prova nos autos da venda dos imóveis de propriedade dos autores. Contudo, o fato de não ter ficado demonstrada a coação, não prejudica os autores, pois não se busca na presente ação a anulação do contrato, mas a devolução de quantia paga indevidamente, e quanto ao pagamento indevido há provas suficientes nos autos. (...) O preço do imóvel é aquele que consta do contrato de compra e venda e financiamento do imóvel, e apenas ele poderia ser cobrado dos autores. Ficou cabalmente comprovado o pagamento a maior, sem justificativas para o fato. Outra solução não há, que não seja a devolução aos autores dos valores indevidamente cobrados." (fls. 157/158).
Trata-se, em princípio, de uma ação em que se busca o abatimento de preço do imóvel. E, como se depreende da inicial, o que sustenta o pleito vestibular é a fixação do valor do bem em patamar inferior ao avençado. Confira-se:
"Assim, o valor de R$ 93.950,00 (noventa e três mil novecentos e cinqüenta reais) não é o preço de venda do imóvel, evidenciado tal fato quando da observância do valor posteriormente declarado pela própria Ré junto ao Contrato de Venda e Compra e pelo imposto de transmissão recolhido por esta e desembolsado pelos Autores (doc. 10). O verdadeiro preço de venda do imóvel é o correspondente à R$ 87.500,00 (oitenta e sete mil e quinhentos reais), que é o que consta do CONTRATO DE VENDA E COMPRA, MÚTUO, CONFISSÃO DE DÍVIDA, PACTO ADJETO DE HIPOTECA E OUTRAS AVENÇAS, item VII, VIII e IX. Inclusive este também é o valor que foi declarado para fins de recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, cuja efetivação foi realizada pela Ré, tendo os Autores fornecido apenas os valores que lhes foram solicitados como é de uso comum." (fls. 10/11).
Os autores revelam através dessas linhas seu desejo em ver o preço do imóvel abatido. Entretanto, a actio quanti minoris tem requisitos inerentes à espécie, os quais não foram satisfeitos pelos autores.
Aqui, a meu sentir, cumpre destacar os elementos que compõem o contrato de compra e venda, quais sejam: coisa, preço, consentimento e forma.
A coisa, representada pelo imóvel definido pelos autores, é um bem jurídico e passível de transação comercial.
O preço é "a soma em dinheiro que o comprador se obriga a pagar ao vendedor como contraprestação da coisa vendida", conforme leciona R. Limongi França.
O consentimento abrange as regras basilares no que pertine às manifestações de vontade nos atos jurídicos, de modo especial, nos contratos.
Finalmente, a forma retrata a previsão legal atinente a determinado ato jurídico para que seja revestido de validade.
Cumpre seja analisado detidamente o preço do imóvel, eis que reside aí o núcleo da demanda. Vejamos.
Permito-me trazer à colação trecho da lavra de R. Limongi França. Confira-se:
"Falar em preço é falar em dinheiro, sem o que não haveria compra e venda, senão troca (rem pro pretio e não rem pro re). Admite-se, porém, que seja pago por outros veículos da troca indireta, como os títulos da dívida pública (RT, 100:502), os títulos de crédito (RT, 141:631), o cheque. Não obstante, isto só é possível com a anuência do vendedor, e nunca invito creditore. (...) O direito anterior enumerava três caracteres do preço. Este deveria ser certo, justo e verdadeiro. Hoje, porém, desses caracteres só persiste o último, o de ser verdadeiro, quer dizer, economicamente válido. Não colheria, por exemplo, a estipulação de preço em moeda fora de circulação. É possível, porém, que não seja certo (CC, arts. 1.123 e 1.124) e mesmo que não seja exatamente justo, a menos que colida com matéria de ordem pública, por exemplo, a da Lei dos Crimes contra a Economia Popular." (in Instituições de Direito Civil, 4ª edição, Ed. Saraiva, p. 747).
À toda evidência, o quantum estipulado para a venda do imóvel, qual seja, R$ 93.950,00 (noventa e três mil e novecentos e cinqüenta reais), retrata um preço verdadeiro, eis que economicamente viável. Além disso, há de considerar-se que o valor exigido pela construtora foi aceito pelos autores, os quais, prontamente, pagaram-lhe a importância de R$ 39.000,00 (trinta e nove mil reais), a título de sinal e princípio de pagamento.
Os vícios redibitórios são levantados como motivos para que o preço da venda seja reduzido, eis que reproduzem algum defeito oculto da coisa adquirida. Seus requisitos englobam seis pontos: que o vício seja oculto; que exista ao tempo da entrega da coisa; que não tenha o credor expressamente assumido o risco do defeito oculto; que esse defeito seja tal que torne a coisa imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminua o valor; que a coisa seja recebida em virtude de contrato comutativo; e que a alienação não tenha sido feita em hasta pública.
A demanda posta em debate não possui tais características; logo comparece incabível a redução do preço do imóvel avençado entre as partes.
Nesse descortino, entendo que os autores têm o direito de possuir um recibo de pagamento no valor efetivamente pago à Construtora, ou seja, R$ 93.950,00 (noventa e três mil e novecentos e cinqüenta reais). Entretanto, esse não é o pedido deduzido na inicial.
Rogando vênia à eminente sentenciante, DOU PROVIMENTO ao apelo manejado pela empresa-ré e julgo improcedente o pedido. Condeno os autores no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Declaro prejudicado o recurso adesivo.
É o meu voto.
O Senhor Desembargador JOÃO MARIOSA - Revisor
Conheço de ambos os recursos, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.
Os autores adquiriram da ré um apartamento no Setor Sudoeste pelo preço de R$ 93.950,00, conforme constou do Contrato de Promessa de Compra e Venda.
À época da assinatura do contrato definitivo, foi modificado o preço do imóvel para R$ 87.500,00.
O juiz acolheu parcialmente o pedido e condenou a ré a devolver a diferença cobrada, no importe de R$ 6.450,00.
Recorreram a ré e os autores, pleiteando, a primeira, a improcedência do pedido e os segundos, a restituição da diferença em dobro.
O recurso da ré não merece provimento.
Comparando-se o contrato de promessa de compra e venda e o contrato definitivo, tem-se que houve realmente a diferença no valor do imóvel apontada na petição inicial.
O preço do imóvel é aquele constou do contrato de compra e venda, ou seja, de R$ 87.500,00.
O valor pago a maior é indevido e deve ser restituído aos autores, como forma de evitar-se enriquecimento ilícito.
No tocante à devolução em dobro da diferença, assiste razão aos autores, já que o art. 42 da lei 8.078/90 ampara essa pretensão.
A propósito, ao julgar as APC 34.519/95, manifestei-me no sentido de que:
" 3. Ao analisar um contrato sob o ponto de vista do consumidor o Juiz deve estar equidistante do problema: ao mesmo tempo em que sopesa a erudição e o status social do consumidor, deve observar que a compra-e-venda são feitas atendendo mais a influência de quem vende do que os termos escritos dos contratos, mormente quando estes são longos e pormenorizados.
3.1. Nos contratos de compra e venda deve-se ater mais a verdade real da coisa ofertada do que o disposto na sua redação: (in contratibus emptionis et venditionis, rei veritas potius scriptura perspici, debet).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso da ré e dou provimento ao recurso dos autores para a condenar a primeira a devolver a estes o valor da diferença em dobro, ou seja, R$ 12.900,00. Tendo em vista a sucumbência total da ré, majoro a verba honorária para 15% do valor da condenação.
É como voto.
O Senhor Desembargador EDUARDO DE MORAES OLIVEIRA - Vogal
Senhor Presidente, na verdade, a incorporação de imóveis tem regras próprias, tanto que existe uma lei específica nesse sentido, sobressaindo daí, indiscutivelmente, o interesse público.
Na hipótese dos autos, do que pude apreender dos votos então proferidos, o imóvel foi vendido por um preço e, por ocasião da lavratura da respectiva escritura ao mutuário, o preço foi aquém daquele objeto do recibo inicial ou do contrato inicial de promessa de compra e venda.
Na verdade, a incorporação pode muitas das vezes ser feita pela própria construtora, com recursos próprios, sem depender, evidentemente, do auxílio do agente financeiro que, muitas das vezes, na maioria das vezes, ou quase todas as vezes, usa do recurso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço do trabalhador mas, na hipótese em comento, do que alcancei, esse aspecto não ficou explícito ou realçado, de sorte a prevalecer, na hipótese, o interesse público e, se assim restou evidenciado, tenho com a máxima e respeitosa vênia ao voto de V.Exª., Senhor Presidente, que o voto consentâneo ou mais consentâneo com a espécie em julgamento, é o do eminente Desembargador Revisor, determinando que o quantum a maior obtido de forma não muito ortodoxa, retorne ao comprador. Se não comungo com o eminente Revisor na parte em que diz que diferença seja devolvida em dobro, maxime porque, muito mais, tratar-se de um aspecto novo entre aqueles que transacionam no mercado imobiliário e, inclusive, nos Tribunais de Justiça.
Peço vênia a V.Ex.ª e acompanho, parcialmente, o voto do eminente Revisor, determinando que a devolução seja feita de modo simples, corrigida e com juros a partir da citação e mais correção monetária.
No mais acompanho o eminente Revisor.
DECISÃO
Negou-se provimento ao apelo da Ré. Maioria. Deu-se provimento ao recurso do Autor. Maioria. Redigirá o acórdão o Revisor
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios