APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE LEASING

 

EMENTA: DIREITO ECONÔMICO E DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE LEASING. MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SUBSTITUIÇÃO DO ÍNDICE DE VARIAÇÃO CAMBIAL PELO INPC. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTO LEGAL NO ART. 6º, INCISO V DA LEI N. 8.078/90 QUE CONSAGROU A TEORIA DO ROMPIMENTO DA BASE OBJETIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO.

In casu, não paira dúvida de que se a revisão contratual requerida pela parte apelada não fosse concedida, haveria grande possibilidade dela vir a sofrer uma série de danos irreparáveis ou de difícil reparação. É que com o fim das bandas cambiais, determinado pela política monetária do Banco Central, ocorreu a maxidesvalorização do Real, o que culminou na elevação da cotação do dólar americano em 64,08% no mês de janeiro, fato que repercutiu para elevar, de sobremaneira, as prestações dos contratos de arrendamento mercantil, que prevêem a correção de suas parcelas pela variação da moeda americana.

Assim, caso não fosse feita a modificação da cláusula contratual que corrigia as prestações com base na variação cambial, muito provavelmente a parte apelada teria se tornado inadimplente em face das enormes dificuldades financeiras que teria para quitar as prestações do contrato de leasing.

O art. 6º, inciso V, do Codecon, como corolário do princípio constitucional de Proteção ao Consumidor, dispõe que é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

O referido preceito legal, marco de uma nova fase do direito, que atribuiu ao contrato uma função social, veio minorar e relativizar o vetusto princípio contratual da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), não consagra a teoria da imprevisão, mas sim a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico. Nesta teoria, ao contrário da imprevisão, é despiciendo investigar sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria. Com efeito, o fato pode até ser previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, as partes não contratariam.

É evidente que a maxidesvalorização cambial rompeu a base objetiva do contrato de arrendamento mercantil, pois as condições, ora imperantes, já não são mais as mesmas da do ato da contratação, motivo pelo qual pode e deve ele ser revisto.

DIREITO ECONÔMICO E DIREITO DO CONSUMIDOR. CLÁUSULA DE VARIAÇÃO CAMBIAL. INVALIDADE. MÁCULA AO PRINCÍPIO DO DEVER DE INFORMAR.

Por força do princípio do dever de informar, cabia ao apelante esclarecer, à época da contratação, sobre quais seriam os riscos e as conseqüências da adoção da cláusula de variação cambial. E, isso não foi feito, pois basta uma simples leitura da cláusula n. 3, que prevê a variação cambial, para se confirmar a flagrante violação ao princípio do dever de informar. Destarte, como a conduta do apelante maculou o princípio do dever de informar e o art. 46 do Codecon, não é válida a cláusula contratual que prevê o reajuste das prestações do contrato de leasing pela variação cambial.

LEASING. CLÁUSULA DE VARIAÇÃO CAMBIAL. INVALIDADE. NÃO-COMPROVAÇÃO DE QUE OS RECURSOS PARA O FINANCIAMENTO FORAM PROVENIENTES DO EXTERIOR. INTELIGÊNCIA DO DEC. LEI N. 857/69.

A correção das prestações do contrato de leasing com base na variação cambial somente é permitida quando comprovado que o arrendante adquiriu os recursos para aquisição do bem no exterior. Não obtido, porém, o bem com recursos vindos de empréstimo externo, impossível a estipulação em moeda estrangeira.

Na espécie, há uma mera exigência de indexação ao dólar. Nada demonstra que o banco/apelante tenha contraído empréstimo externo, especificamente para o contrato de leasing em questão.

 

 

A C Ó R D Ã O

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 296.646-1, da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): SAFRA LEASING S.A. - ARRENDAMENTO MERCANTIL e Apelado (a) (os) (as): RICARDO FRATTEZI, ACORDA, em Turma, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO. Presidiu o julgamento o Juiz FERREIRA ESTEVES e dele participaram os Juízes MARIA ELZA (Relatora), PAULO CÉZAR DIAS (Revisor) e ALVIMAR DE ÁVILA (Vogal).

O voto proferido pela Juíza Relatora foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora. Belo Horizonte, 22 de março de 2000.

 

 

V O T O

 

 

A SRª JUÍZA MARIA ELZA:

Cuida-se de recurso de apelação interposto por Safra Leasing S.A. Arrendamento Mercantil contra sentença de f. 132/136 – TA do juízo da 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos de uma demanda revisional de contrato proposta por Ricardo Frattezi, ora parte apelada, julgou procedente a demanda, ratificando a tutela antecipada deferida, para determinar a modificação da cláusula VI do contrato de arrendamento mercantil, de modo que a correção das prestações do contrato seja feita de acordo com a variação do INPC, e não com base na variação cambial do dólar norte-americano.

O apelante, objetivando a reforma da referida decisão, sustentou que: a) o Código de Defesa do Consumidor, de acordo com doutrina e jurisprudência, é inaplicável aos contratos de leasing, já que não há relação de consumo entre o arrendador (instituição financeira) e o arrendatário (autor); b) a teoria da imprevisão não se aplica à situação fática descrita nos autos, pois era extremamente previsível a ocorrência da desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar norte-americano. Ademais, não se pode olvidar que, no Brasil, esse fenômeno já se verificou em tempos não muito remotos. Assim, apesar dos pronunciamentos do Governo Federal de que o real não sofreria desvalorização frente ao dólar norte-americano e da fixação das chamadas "bandas cambiais", era perfeitamente previsível e até mesmo esperado que viesse acontecer a desvalorização cambial, motivo pelo qual não há que se cogitar da aplicação, na espécie, da cláusula rebus sic stantibus, devendo, assim, prevalecer, o consagrado princípio contratual do pacta sunt servanda; c) desde a assinatura do contrato, a parte apelada beneficiou-se, amplamente, do reajuste das obrigações pecuniárias, pois a variação do real frente ao dólar foi a menor do mercado. Isso porque, sobre os contratos, com atualização pela variação do dólar, incidiram juros bem menores do que aqueles incidentes sobre os contratos com taxa pré-fixada; d) foi a própria parte apelada quem optou por tal forma de reajuste, assumindo o risco de vir a ocorrer a brusca e repentina desvalorização da moeda nacional, sendo certo que se tivesse ocorrido o contrário (uma brusca desvalorização e repentina desvalorização da moeda alienígena), o apelado estaria imensamente satisfeito; e) a Lei n. 8.850 de 27/5/1994 autoriza a forma de reajuste pela variação cambial nos contratos de arrendamento mercantil celebrado entre pessoas residentes e domiciliadas no país. Destarte, plenamente legal a cláusula de reajuste pela variação cambial. Por outro lado, não há que se falar em ausência de comprovação no que tange à contratação por variação cambial. Pediu pelo provimento do recurso de apelação.

Recurso contra-arrazoado, à f. 161/164 – TA sendo pugnado o não provimento do recurso de apelação.

É o breve relato. Passo a decidir.

Conheço do recurso, eis que presentes os seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos de sua admissibilidade.

Com efeito, aplicam-se à espécie as regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor, principalmente as concernentes à proteção contratual (Capítulo VI, do Codecon).

É sabido que, em nosso País, entidades representativas do sistema bancário nacional - dentre as quais desponta a Federação Brasileira das Associações de Bancos - Febraban - tentam defender, forradas em pareceres de renomados juristas nacionais, a tese de que o Código de Defesa do Consumidor não seria aplicável aos contratos bancários em geral. A pretensão, contudo, embora habilmente engendrada e fundada em argumentos de autoridade – infelizmente, tão aceitos no cenário jurídico brasileiro - não tem condições de prosperar, nem no plano legislativo, nem no âmbito doutrinário e jurisprudencial.

Vejamos:

O conceito de consumidor passa pela definição dada pelo art. 2º da lei n. 8.078/90, que afirma expressamente que consumidor "é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."

De acordo com a definição legal, a única característica restritiva para se alcançar o conceito de consumidor seria a aquisição ou utilização do bem como destinatário final. Todavia, o que significa destinatário final? Como o texto legal não responde tal questão, a solução é buscar o auxílio da doutrina na interpretação da expressão "destinatário final", para, assim, definir o conceito de consumidor.

Na doutrina consumerista duas correntes se formaram a respeito da definição de consumidor.

A primeira é a finalista que propõe que a interpretação da expressão destinatário final, contida no art. 2º do Codecon para definir o conceito de consumidor, seja restrita. Fundamenta tal posicionamento no fato de que somente o consumidor (parte mais vulnerável na relação contratual) merece tutela. Assim, consumidor seria o não profissional, ou seja, seria aquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família.

Para a doutrina finalista, na lição de Cláudia Lima Marques, "destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para o uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso não haveria a exigida destinação final do produto ou serviço." (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 100.).

Em outras palavras, o destinatário final é o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), é aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor-final, já que está transformando e utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor.

Na lição de Cláudia Lima Marques "a doutrina finalista evoluiu para uma posição mais branda, se bem que sempre teleológica, aceitando a possibilidade do Judiciário, reconhecendo a vulnerabilidade de uma pequena empresa ou profissional, que adquiriu, por exemplo, um produto fora de sua especialidade, interpretar o art. 2º de acordo com o fim da norma, isto é, proteção ao mais fraco na relação de consumo, e conceder a aplicação das normas especiais do CDC analogicamente aos profissionais." (Op. cit. p. 101).

Já os Maximalistas " vêem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor-não-profissional. O CDC seria um código geral sobre o consumo, um código para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores ora de consumidores. A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final, então, seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para o seu escritório." (Cláudia Lima Marques Op. cit., p. 103).

Percebe-se, portanto, que dois são os posicionamentos acerca do conceito de consumidor. Um mais restrito - doutrina finalista - e um mais amplo – doutrina maximalista. Assim, caberá ao Judiciário definir qual o posicionamento a ser adotado.

Todavia, considerando que o fundamento da doutrina finalista para restringir o âmbito de aplicação do Codecon – para os finalistas o alastramento do universo de aplicação do CDC acarretaria o desprestígio do fim especial visado pelo legislador, reforçando, em contrapartida, a tutela dos profissionais que, quando eventualmente atuassem como consumidores, possuiriam benesses legais excedentes às do Direito Comum – não é convincente, tenho como melhor aplicar o conceito da doutrina maximalista, pois sempre que o Judiciário o fizer estará restaurando o equilíbrio contratual, sem que com isto o Codecon seja desprestigiado.

É certo que as instituições financeiras se batem no insistente e frágil argumento de que dinheiro e crédito não constituem produtos adquiridos ou usados pelo destinatário final (a não ser os colecionadores de moedas e o Banco Central quando retira a moeda de circulação) para justificar a inaplicabilidade do Codecon aos contratos bancários. Todavia, quando se faz uma interpretação sistemática do Codecon, percebe-se a inconsistência da tese defendida pelas instituições financeiras.

Segundo Márcio Oliveira Puggina:

" o principal argumento, através do qual se pretende ver excluído do sistema protetivo consumerista as relações jurídicas envolvendo o crédito bancário, parte de interpretação estreita ao art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, o qual define a relação de consumo como a que resultar na colocação de um produto ao consumidor final. Nestes dois elementos de definição pretende-se resida a tônica da relação de consumo, eis que crédito não seria produto e nem seria consumido em estágio final do ciclo de produção.

Essa interpretação restritiva da lei seria passível de discussão, não fora a norma explicitadora do parágrafo 1º do art. 3º, que conceituou o que seja produto: ‘produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.’

Ciente o legislador de que a palavra produto, neste contexto, tem acepção econômica, o redefiniu para dar-lhe conteúdo jurídico e o fez da forma mais ampla que a técnica jurídica permitia, definindo-o como bem. O conceito de bem, em Direito, é eminentemente técnico, consistindo no objeto das relações jurídicas. Entende-se como bem jurídico tudo o que for capaz de satisfazer às necessidades humanas (...) o crédito, como objeto das relações jurídicas: a) é bem jurídico; b) possui natureza econômica; c) é suscetível de apropriação privada; d) proporciona aos homens uma certa (e quase sempre indispensável utilidade) e; e) circula das mãos do fornecedor (o banco) para as do consumidor (tomador de crédito) como destinatário final do crédito.

Os que pretendem estreitar o âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor aferram-se à noção econômica de produto e ao aspecto finalístico: produto adquirido por destinatário final e concluem que o financiamento bancário se destina a uma outra atividade; logo, é atividade intermediária e não final.

Não é isto que resulta da lei n. 8.070/90. Se produto é todo o bem jurídico, não há negar-se que o crédito é um bem jurídico que é fornecido pelo banco (fornecedor) ao tomador de crédito (consumidor), como destinatário final (do crédito, enquanto crédito). O mutuário só não seria destinatário final do crédito - enquanto crédito - se, em vez de "consumi-lo", ele repassasse a terceiros.

Por isso é que, diante da interpretação lógica, e sistemática do art. 2º e parágrafo 1º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, não vejo como deixar de incluir-se o crédito bancário entre as relações tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor."(O âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor, Revista Ajuris, p. 202/203)

É importante, ainda, registrar que o Codecon não se limita ao conceito de consumidor strictu sensu pois, por intermédio do seu artigo 29, ele amplia o seu âmbito de aplicação pela figura do consumidor-equiparado, permitindo que seja entregue a quem consumidor não é, mas exposto às práticas constantes dos capítulos V e VI nos quais está a tutela protetiva do Codecon.

A esse respeito, veja a lição de Cláudia Lima Marques:

" A segunda linha ampliadora do impacto do CDC no mercado veio através da interpretação dada ao art. 29 do CDC (...) o ponto de partida desta linha do campo de aplicação do CDC é a observação de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores strictu sensu, podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado. Estas pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir nas relações de consumo de outra forma a ocupar uma posição de vulnerabilidade. Mesmo não preenchendo as características de um consumidor strictu sensu, a posição preponderante do fornecedor e a posição de vulnerabilidade destas pessoas sensibilizaram o legislador e, agora, os aplicadores da lei (...) mesmo não sendo destinatário final (fático ou econômico) do produto ou serviço, pode o agente econômico ou profissional liberal vir a ser beneficiado das normas tutelares do CDC enquanto consumidor-equiparado. Isto porque (...) o art. 29 é uma disposição especial, que abre o capítulo V do Código sobre "Práticas Comerciais", aplicável, portanto, a todas as seções do capítulo, quais sejam: a seção sobre oferta (arts. 30 a 35), sobre publicidade (arts. 36 a 38) sobre práticas abusivas (arts. 39 a 41), sobre cobrança de dívidas (art. 42), sobre Banco de Dados e Cadastros de Consumidores (arts. 43 a 45) e que se diz aplicável também ao capítulo posterior, o Capítulo VI, dedicado à "Proteção Contratual.

Trata-se atualmente, portanto, da mais importante norma extensiva do campo de aplicação da nova lei ao dispor: "Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

O art. 29 supera, portanto, os estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política-legislativa. Parece-nos que, para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos do poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos consumidores-finais, o legislador concedeu um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agentes econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu, poderão utilizar das normas especiais do CDC, de seus princípios, de sua ética de responsabilidade social no mercado, de sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas!" (Op. cit., p. 110 a 113).

A esse respeito, a opinião de James Marins :

"Desta forma, nos contratos interempresariais de qualquer modalidade (know-how, franchising, factoring, engineering, sociedade, consórcio, locação comercial, seguro etc.), convolados entre empresas de qualquer espécie, industriais, prestadoras de serviços ou comerciais, ainda que não haja destinação final ou relação de consumo, bem como nos contratos bancários interempresariais, firmados entre instituições financeiras e empresas (depósito, câmbio, desconto, mútuo, conta corrente, leasing etc.), uma vez que presente a abusividade de seus termos, pode-se invocar a plena aplicação do Código de Proteção do Consumidor, com fundamento na extensão preconizada por seu art. 29, como forma de escoimar-se a abusividade contratual, sob pena de em assim não se entendendo admitir-se, além de manifesto desprezo à norma federal clara e induvidosa, velada conspiração contra nosso Estado de Direito, entendido em sua mais alta expressão".(Proteção Contratual do CDC a Contratos Interempresariais, Inclusive Bancários. Revista de Direito do Consumidor, (18):94-104).

Na jurisprudência, destaca-se a pioneira decisão do Tribunal de Alçada do RS, 2ª Câm. Cível., Ap. Cív. 192.188.076, Rel. Paulo Heerdt, j. 24.9.92, com a seguinte ementa:

"Contrato de Crédito rotativo. Juros e Correção Monetária. Código de Defesa do Consumidor. Conceito de consumidor para os fins dos capítulos V e VI da lei 8.078/90. Exegese do art. 29 do CDC. Contrato de Adesão. Cláusula abusiva. Controle judicial dos contratos. Ainda que não incidam todas as normas do CDC nas relações entre Banco e empresa, em contrato de crédito rotativo, aplicam-se os Capítulos V e VI, por força do art. 29 do CDC, que amplia o conceito de consumidor possibilitando ao Judiciário o controle das cláusulas contratuais abusivas, impostas em contratos de adesão. Cláusula que permite variação unilateral de taxa de juros é abusiva porque, nos termos do art. 51, X e XIII, possibilita variação de preço e modificação unilateral dos termos contratados. Possibilidade de controle judicial, visando estabelecer o equilíbrio contratual, reduzindo o vigor do princípio "pacta sunt servanda." (Acórdão publicado na íntegra in: Revista de Direito do Consumidor, n. 6, p. 274/277.)

E, mais:

"O conceito de consumidor, por vezes, se amplia, no Código de Defesa do Consumidor, para proteger "equiparado." É o caso do art. 29. Para o efeito das práticas comerciais e da proteção contratual, "equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas."

O Código de Defesa do Consumidor rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado.

Sendo os juros o preço pago pelo consumidor, nula a cláusula que preveja ação unilateral do percentual prévia e expressamente ajustado pelos figurantes do negócio.

Sendo a nulidade prevista no art. 51 do CDC da espécie pleno iure, viável o conhecimento e a decretação de ofício, a realizar-se tanto que evidenciado o vício. (art. 146, parágrafo, do CC).

É nula a cláusula que impõe representante "para emitir ou avalizar notas promissórias." (art. 51, VIII, do CDC). (TARS, Apel. Cív. 193.051.216, da 7ª Câm. Cível, rel. Juiz Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior).

Com base no conceito de consumidor-equiparado, infere-se que perde a importância para incidência do Codecon a necessidade de se pesquisar se a pessoa é ou não destinatária final do crédito mutuado.

Destarte, com fundamento nos arts. 2 e 29 do Codecon, não há dúvida sobre a aplicabilidade das normas protetivas da Lei n. 8.078/90 ao caso em tela.

O art. 6º, inciso V, do Codecon, como corolário do princípio constitucional de Proteção ao Consumidor, dispõe que:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

(...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

O referido preceito legal, marco de uma nova fase do direito, que atribuiu ao contrato uma função social em detrimento de um perfil, até então, individualista, veio minorar e relativizar o vetusto princípio contratual da força obrigatória dos contratos, que, de tão arraigado e dogmatizado em nossa cultura jurídica, já fez com que muitos juízes preferissem a total ruína de uma das partes a realizar uma revisão judicial dos contratos, tudo em nome do velho brocardo pacta sunt servanda.

O art. 6º, inciso V, prevê a possibilidade de se modificar ou revisar o contrato, quando houver o estabelecimento de prestações desproporcionais ou ocorrer fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

E é, justamente, neste preceito legal que reside a possibilidade de se modificar ou revisar o contrato de arrendamento mercantil formulado pelo banco/recorrente e a parte recorrida.

É certo que o banco/apelante se apega a vários argumentos para garantir a imutabilidade do pactuado. O principal é o de que a teoria da imprevisão é inaplicável à situação fática descrita nos autos, porquanto era extremamente previsível a ocorrência da desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar norte-americano, não se podendo olvidar que, no Brasil, esse fenômeno já se verificou em tempos não muito remotos. Assim, apesar dos pronunciamentos do Governo Federal de que o real não sofreria desvalorização frente ao dólar norte-americano e da fixação das chamadas "bandas cambiais", era perfeitamente previsível e até mesmo esperado que viesse acontecer a desvalorização cambial, motivo pelo qual não há que se cogitar da aplicação, na espécie, da cláusula rebus sic stantibus, devendo, assim, prevalecer, o consagrado princípio contratual do pacta sunt servanda.

Realmente, à primeira vista, o argumento do banco/agravante é bastante consistente. Todavia, analisando-o em face do art. 6º, inciso V, do Codecon, ele se torna insubsistente e inadequado, já que o citado preceito legal não consagra, como muitos pensam e sustentam, a teoria da imprevisão, mas sim a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico.

Aliás, por ser de extrema relevância para a solução deste recurso, peço vênia para alongar-me um pouco mais na explicação da teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico.

Os juristas, visando admitir a revisão judicial dos contratos por fato superveniente ao momento da pactuação e preocupados em dar uma função social ao direito privado, como pregava Von Ihering, prenunciando, assim, uma tendência à publicização do direito privado, desenvolveram ao longo do tempo várias teorias, que tentavam relativizar o dogma do pacta sunt servanda.

A mais conhecida e antiga é a teoria da imprevisão, divulgada pelos pós-glosadores, através da conhecida fórmula rebus sic stantibus, para a qual se inclina a preferência da doutrina e jurisprudência brasileira.

A teoria da imprevisão " é uma exceção aceita, ainda que com certa renitência pela doutrina clássica. É que ela funciona a contento para permitir a quebra do pacta sunt servanda sem interferir com a autonomia da vontade das partes. De uma forma resumida, pode-se dizer que a imprevisão opera como forma de extinção do contrato em primeiro lugar. Como o contrato é a livre manifestação das partes que se vinculam ao que estatuíram, tudo o que não estiver previsto e fosse previsível acaba por não poder interferir na economia contratual, por mais que a afete. Por outro lado, a superveniência de fatos não previstos porque imprevisíveis, e que operassem a alteração da economia contratual de tal modo que o seu cumprimento restasse enormemente prejudicado, permitiria que se desfizesse. Nota-se que os efeitos atingem o contrato não só porque não estavam regulados, eis que incogitáveis. " (Luis Renato Ferreira da Silva, Causas de Revisão Judicial dos Contratos Bancários, Revista de Direito do Consumidor, n. 26, p. 132/133).

A referida teoria, contudo, em nosso País, apesar de ser bem conhecida, não é muito aplicada pela jurisprudência. Isto se explica primeiro pelo apegamento que a maioria dos julgadores, por culpa de uma formação defasada e anacrônica das Faculdades de Direito, tem em relação ao princípio contratual do pacta sunt servanda. E segundo, porque a "teoria da imprevisão, tendo sua tônica em elemento anímico subjetivo, qual seja a imprevisibilidade do fato superveniente, estabelece um requisito de difícil averiguação, posto que (sic) a capacidade de previsão varia de pessoa para pessoa, de tal sorte que o que é previsível para uma das partes contratantes poderá não o ser para outra (isto levando em consideração apenas um único contrato). Tampouco soluciona a dificuldade ao buscar-se a previsibilidade do "homem médio"- cidadão este de difícil localização – porquanto se corre o risco de generalizar situações díspares." (apelação cível n. 193.051.083, TARS, Julgados do TARS, n. 96, p. 216).

No caso da maxidesvalorização do real frente ao dólar norte-americano, a dificuldade que se tem é de se saber se o referido fato econômico era previsível ou não. Para alguns, era extremamente previsível, pois a sobrevalorização do real frente ao dólar norte-americano se constituía numa política econômica artificial, que cedo ou tarde teria que ser revista. A esse respeito, vejam-se os documentos juntados pelo banco/agravante à f. 60/68 – TA. Por outro lado, havia quem considerava que a desvalorização era previsível, mas não em percentuais tão elevados. E, por fim, havia quem não considerava previsível a desvalorização cambial.

Assim, percebe-se que o grande defeito da teoria da imprevisão é o seu caráter subjetivo na caracterização da imprevisibilidade do fato superveniente, que faz com que cada pessoa visualize, de modo diferente, o mesmo fato econômico. In casu, por exemplo, as instituições financeiras consideram a desvalorização como algo extremamente previsível, já os consumidores não.

Segundo Márcio Oliveira Puggina:

"o inconveniente da teoria da imprevisão fica manifesto ao perceber-se que, no curso da recente história econômica do país, sempre que a nação precisou socorrer-se da referida teoria ela não foi aplicada pelos pretórios, exatamente porque não se vislumbrou presente o requisito da imprevisibilidade do fato superveniente (...) Vê-se, pois, que a imprevisibilidade, requisito basilar da teoria da imprevisão, em realidade, inviabiliza, ao menos nos negócios de massa, a aplicação da teoria." (apelação cível n. 193.051.083, TARS, Julgados do TARS, n. 96, p. 216).

Mais moderna do que a teoria da imprevisão, é a do rompimento da base objetiva do negócio jurídico. Esta teoria, ao contrário da imprevisão, lida com elementos objetivos.

Segundo o jurista Eugênio Facchini Neto:

" visando admitir a revisão judicial dos contratos, os juristas desenvolveram, ao longo do tempo, várias teorias (...) tais teorias tiveram sucesso efêmero, o que não ocorreu com a Teoria da Base do Negócio Jurídico, lançada inicialmente por Paul Oertemann, em 1921, (...) o genial Karl Larenz aperfeiçoou tal teoria, dando-lhe um cunho mais objetivo – Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico. Larenz distingue, no contrato, a base subjetiva da base objetiva. A primeira é a representação mental feita no momento da celebração do contrato, que influi, decisivamente, na formação dos motivos. A base objetiva constitui-se do conjunto de circunstâncias cuja existência, ou persistência, se considera necessária a que o propósito das partes contratantes seja atingido. Se as circunstâncias não existem, ou não perduram, a conservação do contrato não têm sentido, justificando-se, assim, sua resolução. Sua teoria é uma decorrência do princípio da boa-fé e implica uma idéia de "limite de sacrifício, que se pode exigir do contratante. "Todavia, em vez de se pensar em resolução do contrato, o mais moderno pensamento no direito obrigacional aponta para a recomposição das prestações, readequando-se à nova realidade e buscando novamente alcançar o equilíbrio contratual. " (Julgados do TARS, n. 96, p. 213)

De acordo com a citada teoria, "rompe-se com a base negocial sempre que a modificação das circunstâncias presentes na formação do contrato inviabilizar a sua finalidade. Em última análise, a base negocial é o conjunto de circunstâncias existentes na formação do contrato e que permite, às partes contratantes, terem presente a sua viabilidade econômica." (apelação cível n. 193.051.083, TARS, Julgados do TARS, n. 96, p. 217).

Na teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, ao contrário da teoria da imprevisão, é despiciendo investigar sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria. Com efeito, o fato pode até ser previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, as partes não contratariam. " Já se vê que o âmbito de abrangência da teoria da quebra da base é bem maior do que o da imprevisão. É pela ausência de requerer-se a imprevisibilidade do fato superveniente que se sustenta adotada, no direito brasileiro, via Código de Defesa do Consumidor, a presente teoria. O art. 6º, V, 2ª parte, refere-se à possibilidade de modificação por tornar-se excessiva a prestação por eventos futuros. Não se faz a exigência da imprevisibilidade do evento futuro. Isto aproxima a dicção legal mais da base do que da imprevisão, eis que amputado o elemento diferenciado entre as duas figuras, em favor daquela." (Luis Renato Ferreira da Silva, Causas de Revisão Judicial dos Contratos Bancários, Revista de Direito do Consumidor, n. 26, p. 33).

Sobre o tema, veja-se o posicionamento do STJ:

" O respeito ao pacta sunt servanda cede passo quando surgem fatos supervenientes, suficientemente fortes para caracterizar a alteração da base em que o negócio foi realizado, que tornem insuportável o cumprimento da obrigação para umas das partes. Nessa hipótese, cabe a revisão judicial do contrato, ou mesmo a sua resolução. A inflação é um fato previsível, mas isso não impede que possa ser tomada como causa para modificação ou extinção contratual, quando seus índices venham a desnaturar a obrigação, ou quando são adotados percentuais diversos para a atualização dos rendimentos do devedor e para suas obrigações, inviabilizando os pagamentos. Não viola a lei, portanto, a decisão judicial que atende a tais fatos e lhes dá eficácia no âmbito do contrato." (Resp. 73.370-AM, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, 4ª Turma). [Grifo Meu.]

In casu, com o fim das bandas cambiais, determinado pela política monetária do Banco Central, ocorreu a maxidesvalorização do real frente ao dólar norte-americano, o que, sem dúvida, constitui uma situação fática que permite a aplicação da teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico.

É que tal fato econômico superveniente à contratação proporcionou a elevação da cotação do dólar americano em patamares absurdos, o que repercutiu para elevar, sobremaneira, as prestações dos contratos de leasing que prevêem a correção de suas parcelas pela variação da moeda americana.

Isso significa que, se fosse empregado o reajuste de 64,08% (percentual de desvalorização do real em relação ao dólar americano no mês de janeiro, fonte: Folha de São Paulo de 27/4/99, Caderno Dinheiro: Indicadores Econômicos, p. 6), a prestação paga pela parte apelada passaria de R$1.509,23 (um mil, quinhentos e nove reais e vinte três centavos) para aproximadamente R$2.475,13 (dois mil, quatrocentos e setenta cinco reais e treze centavos), rompendo, assim, a base objetiva do negócio jurídico.

O rompimento da base objetiva negocial se explica pela maxidesvalorização cambial, que fez com que as circunstâncias reinantes na época da contratação deixassem de existir.

A assertiva acima é facilmente compreendida, quando se faz as seguintes indagações:

a) empreenderia aquela contratação o banco/apelante, se tivesse previsão de que a maxidesvalorização acarretaria um aumento considerável no comprometimento de renda da parte/apelada, a ponto do pagamento das prestações contratuais ficar dificultado ou inviabilizado? É claro que não!

Não se olvide que as instituições financeiras são rigorosíssimas em relação ao percentual de comprometimento de renda para abertura de ficha cadastral para concessão de crédito.

b) e a parte apelada realizaria uma pactuação, se tivesse previsto que a maxisdesvalorização acarretaria um aumento considerável no comprometimento de sua renda, de maneira que o pagamento das prestações contratuais ficasse dificultado ou inviabilizado, correndo ele o risco de sujeitar-se às graves conseqüências decorrentes do inadimplemento contratual? Evidentemente que não.

Essas respostas negativas demonstram que as condições, ora imperantes, já não são mais as mesmas do ato da contratação, e a base negocial do contrato de arrendamento mercantil foi rompida por uma circunstância objetiva superveniente (maxidesvalorização do real) independentemente da vontade e atuação das partes.

Assim, se mantidas as condições contratuais pactuadas, em homenagem ao princípio do pacta sunt servanda, muito provavelmente a parte apelada tornar-se-ia inadimplente em face das enormes dificuldades financeiras que teria para quitar as prestações do contrato de leasing. E isto, resultaria, possivelmente, numa série de danos irreparáveis ou de difícil reparação: a) inscrição de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito; b) vencimento antecipado do contrato; c) protesto dos títulos de crédito dados em garantia; d) reintegração liminar da posse do bem móvel arrendado; e) cobrança executiva dos encargos contratuais.

Por fim, deve-se registrar que a modificação da cláusula VI do contrato de arrendamento mercantil, de modo que a correção das prestações do contrato seja feita de acordo com a variação do INPC, e não com base na variação cambial do dólar norte-americano, não gerará, como foi sustentado, um "prejuízo enorme" ao banco/apelante, pois não se pode olvidar que:

"os balancetes das instituições financeiras enviados ao Banco Central mostraram que, em janeiro, elas abarrotaram os cofres de dinheiro por conta das operações de hedge (proteção) contra a desvalorização do real. Ganhou-se mais em 20 (vinte) dias úteis que em todo o ano passado. No fatídico mês em que a moeda brasileira foi para o espaço frente ao dólar, um grupo de 181(cento o oitenta um) bancos lucrou R$3,3 bilhões, quase 80% a mais que o desempenho de todo o sistema financeiro nacional em 1998 (R$1,871 bilhão). E, em muitos casos (mais de 30) os ganhos representaram um retorno superior a 25% do patrimônio líquido das instituições que no País costumam trabalhar com taxas médias de lucro de 14% ao ano." (Fonte: Istoé Dinheiro: Revista Semanal de Negócios, Economia e Finanças, n. 80, de 10/3/99, p. 70).

Ademais, importa registrar que a maioria dos bancos e das instituições financeiras estava bem protegida dos efeitos da maxidesvalorização, por causa de uma salvaguarda (hedge), os balanços foram bem positivos.

A esse respeito, confira-se o noticiário da Gazeta Mercantil, datado de 25 de janeiro de 2000:

"BANCOS PAGAM PRÊMIOS RECORDES: POR CONTA DA DESVALORIZAÇÃO, O SETOR FINANCEIRO É O CAMPEÃO NA CONCESSÃO DE BÔNUS.

Os executivos do setor financeiro estão com aquele sorriso de quem ganhou um presentão. Aquele mesmo que, de tão largo e aberto, chega a doer as bochechas. Tanta alegria é causada pelos bônus recordes que as instituições financeiras estão pagando a seus executivos por conta de lucros excepcionais registrados em 1999 (...) tudo por causa da maxidesvalorização do real naquele dia 13 de janeiro do ano passado. Como a maior parte dos bancos e das instituições financeiras estava protegida – bem protegida, vale destacar – em dólar, com a desvalorização do real o azul apareceu nos balanços. A desvalorização cambial, no início do ano passado, que fez os bancos registrarem um lucro fora dos padrões históricos no primeiro semestre é a principal causa dos bônus recordes no setor financeiro (...) a mudança do câmbio foi uma das principais responsáveis por resultados tão bons. Como praticamente todas as instituições financeiras estavam protegidas com reservas em dólar, com a desvalorização da moeda – que fez com que o dólar chegasse a romper a barreira de R$2 – os lucros foram astronômicos." (Caderno de empresas e Carreiras, p. C-1).

Assim, como as maiores instituições financeiras do País, dentre as quais se inclui o banco/apelante, fizeram uma operação de hedge ou estavam protegidas por qualquer outra forma, não há sentido em repassar o reajuste da variação cambial aos arrendatários, pois isto implicaria enriquecimento indevido. A empresa arrendatária lucraria duplamente: ganharia vasto lucro na operação de hedge e repassaria integralmente o reajuste cambial aos arrendatários.

Infere-se, pois, que com os altos lucros provenientes da maxidesvalorização do real, o banco/apelante terá condições de suportar, sem maiores dificuldades, ao contrário do consumidor, os efeitos da maxidesvalorização.

Por outro lado, na hipótese de não ter feito o apelante a operação de hedge – o que não é verossímel – assumiu ele o risco da variação cambial e, portanto, deve arcar com o prejuízo. "A especialização das atividades da instituição financeira exigia a proteção contra a valorização da moeda estrangeira." (Ribeiro, Renato Ventura. Crise Cambial e Revisão Judicial dos Contratos de Leasing Indexados em Moeda Estrangeira: breve contribuição ao debate. Revista dos Tribunais, v. 766, ago. 1999, p. 47).

Ante o exposto, impõe-se a modificação da cláusula VI do contrato de arrendamento mercantil, de modo que a correção das prestações do contrato seja feita de acordo com a variação do INPC, e não com base na variação cambial do dólar norte-americano.

Apesar do posicionamento sobre o tema da revisão contratual já estar demonstrado e consolidado, alguns acréscimos se fazem necessários, de modo a afastar os argumentos empregados pelo recorrente.

Registra o apelante que, desde a assinatura do contrato, a parte apelada beneficiou-se, amplamente, do reajuste das obrigações pecuniárias, pois a variação do real frente ao dólar foi a menor do mercado. Isso porque, sobre os contratos, com atualização pela variação do dólar, incidiram juros bem menores do que aqueles incidentes sobre os contratos com taxa pré-fixada.

Refuta-se a idéia de que o contrato com reajuste cambial somente é benéfico para o devedor. O banco/apelante também tira proveito dos contratos com variação cambial. "A menor taxa de juros diminuiu o custo da operação, atraindo mais interessados. Com isto, o banco/apelante atendia um segmento maior do público, praticando mais operações e, portanto, tendo maior probabilidade de lucro." (Ribeiro, Renato Ventura. Op. cit., p. 48).

Pode-se tentar argumentar que o reajuste cambial foi de livre escolha da parte apelada, pois ele tinha duas opções: ou pagar um valor fixo, com prestações mensais mais elevadas, ou fazer uma operação com variação cambial, com prestação e juros menores, mas com o risco de uma elevação no preço da moeda estrangeira. Em contrapartida ao benefício inicial de juros e prestações menores, tem-se o perigo da oscilação cambial. Mas o raciocínio só seria válido se o apelado tivesse a capacidade de discernimento para avaliar ambas as hipóteses e tivesse ciência do risco a que estava sujeito. Ocorre que isso somente poderia ocorrer, se o banco/apelante tivesse, por hábito, no ato da contratação e na formulação dos seus contratos, respeitar o princípio consumerista do dever de informar.

O referido princípio impõe ao fornecedor o dever de prestar informações fundamentais acerca do contrato para o consumidor. Este princípio protege o consumidor na medida em que as informações prestadas pelo fornecedor permitem ao consumidor contratar de modo mais consciente, evitando, assim a ocorrência de induções ao erro, qualquer dolo ou falha na informação por parte do fornecedor ou promessas vazias.

Segundo Claúdia Lima Marques, o princípio do dever de informar impõe que:

"o fornecedor, quando da contratação, dê ao consumidor a oportunidade de conhecer o conteúdo do contrato (veja art. 46 do CDC), de entender a extensão das obrigações que assume e a abrangência das obrigações da prestadora de serviços. Isso significa que o referido princípio inverte as posições entre consumidor e fornecedor, ou seja, o consumidor não precisa mais ter uma atitude ativa se quiser saber os detalhes do contrato; isto caberá ao fornecedor." (Marques, Cláudia Lima. Op. cit., p. 283)

Assim, in casu, o apelante tinha o dever de esclarecer, à época da contratação, sobre quais seriam o conteúdo, os riscos e conseqüências da adoção da cláusula de variação cambial. E, isso não foi feito, pois basta uma simples leitura da cláusula n. 3, que prevê a variação cambial, para se confirmar a flagrante violação ao princípio do dever de informar.

Destarte, por entender que a conduta do recorrente maculou o princípio do dever de informar e o art. 46 do Codecon, considero como inválida a cláusula contratual que prevê o reajuste das prestações do contrato de leasing pela variação cambial.

Este também é o entendimento doutrinário. A esse respeito, veja que :

" Este dispositivo é a projeção, sob o ponto de vista prático, do direito básico do consumidor à informação adequada sobre os produtos e serviços, em toda sua extensão (qualidade, quantidade, conteúdo, riscos que apresentam etc.)

O fornecedor deverá ter cautela de oferecer oportunidade ao consumidor para que, antes de concluir o contrato de consumo, tome conhecimento do conteúdo do contrato, com todas as implicações conseqüências daquela contratação no que respeita ao deveres e direitos de ambos os contratantes, bem como das sanções por eventual inadimplemento de alguma prestação a ser assumida no contrato. Não sendo dada essa oportunidade ao consumidor, as prestações por ele assumidas no contrato, sejam prestações que envolvam obrigação de dar como de fazer ou não fazer, não o obrigarão.

Dar oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra do artigo sob análise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar o efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, especialmente sobre as cláusulas restritivas do direito do consumidor, que aliás deverão vir em destaque nos formulários de contrato de adesão."(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Rio de janeiro : Forense, 4ª ed., 1996 p. 323 e 324)

O art. 46 introduz no Brasil o dever de informar sobre o conteúdo do contrato a ser assinado. A melhor expressão é ‘dever de oportunizar’ o conhecimento sobre o conteúdo do contrato, mas, por uma questão sistemática, chamaremos aqui também de dever de informar, o que em última análise não deixa de ser o dever instituído pelo art. 46.

O art.46 do CDC surpreende pelo alcance de sua disposição. Assim, se o fornecedor descumprir este seu novo dever de ‘dar oportunidade’ ao consumidor ‘de tomar conhecimento’ do conteúdo do contrato, sua sanção será ver desconsiderada a manifestação de vontade do consumidor, a aceitação, mesmo que o contrato já esteja assinado e o consenso formalizado. Em outras palavras, o contrato não tem seu efeito mínimo, seu efeito principal e nuclear que é obrigar, vincular as partes. Se não vincula, não há contrato, o contrato de consumo como que não existe, é mais do que ineficaz, é como que inexistente, por força do art. 46, enquanto a oferta, por força do art. 30, continua a obrigar o fornecedor!" (Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1995, p. 251).

O banco/apelante também alega que a Lei n. 8.850 de 27/5/1994 autoriza a forma de reajuste pela variação cambial nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País. Destarte, plenamente legal a cláusula de reajuste pela variação cambial. Por outro lado, não há que se falar em ausência de comprovação no que tange à contratação pela variação cambial.

A correção das prestações do contrato de leasing com base na variação cambial somente é permitida quando comprovado que o arrendante adquiriu os recursos para aquisição do bem no exterior. Não obtido, porém, o bem com recursos vindos de empréstimo externo, impossível a estipulação em moeda estrangeira. Na hipótese, incide o disposto no art. 1º do Dec. 857/69: "São nulos de pleno direito os contratos, títulos e documentos, bem como as obrigações que, exigíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro (real)."(sic)

Ao tratar do tema, Arnaldo Rizzardo preleciona o seguinte:

"Primeiramente, ao proibir o art. 1º do Dec-lei 857 o pagamento em ouro ou moeda estrangeira, naturalmente abrange as formas determinantes do preço segundo a variação da moeda americana. Estabelecendo-se a paridade cambial, a decorrência será a recusa da veiculação do dinheiro nacional, eis que vetada a aferição das obrigações pelo seu poder aquisitivo. De outro lado, a indexação a um padrão monetário externo representa restrições à plena validade do sistema monetário nacional. Indo adiante, ofende a soberania nacional, porquanto permite que os valores das obrigações sejam estabelecidos através de paradigmas de políticas externas. Evidente a ingerência de fatores de outros países em assuntos de competência nacional.

Frisa-se, não se trata de inadmitir a indexação pelo dólar, mas sim, de estabelecer uma condicionante para a utilização de tal parâmetro, qual seja, a comprovação da captação da moeda estrangeira para a aquisição daquele bem arrendado. Não socorrem às empresas a simples inclusão no contrato de cláusula afirmando ter a arrendatária conhecimento de que os recursos são provenientes do exterior, eis que de adesão e estandartizado o contrato. Igualmente, não serve a apresentação de certificado de registro do empréstimo expedido pelo Bacen com a entrada de capital estrangeiro, se não for demonstrado expressamente que o valor se destinou ao arrendamento mercantil contratado." (Parecer inédito a ser publicado).

Infere-se, pois, que a simples alegação da procedência exterior do capital nada representa, porquanto possível a utilização de tais recursos para outros financiamentos que não o contratado.

Nesse sentido, veja-se a jurisprudência:

"Arrendamento mercantil (leasing). Correção pela variação cambial. Nulidade da cláusula. Efeitos. É nula a cláusula que, em contrato de leasing, estipula a correção das prestações devidas pela variação cambial, senão comprovado, segura e consistentemente que os recursos empregados na aquisição do bem arrendado provenham de empréstimos contratados no exterior."(Revista de Jurisprudência do TJRS, n. 115/402).

Na espécie, há uma mera exigência de indexação ao dólar. Nada demonstra que o banco/apelante tenha contraído empréstimo externo, especificamente para o contrato de leasing em questão.

Aliás, profundamente difícil, senão impossível, a comprovação, porquanto o veículo foi adquirido no Brasil. O banco comprou-o de Uscar veículos, empresa sediada em Belo Horizonte. Unicamente se o Safra Leasing estivesse pagando o preço em prestações, junto à exportadora admitir-se-ia a cobrança em dólares. Do contrário, pagando no ato da importação, para uma empresa sediada no País, como aceitar o pagamento em outro moeda.

José Carlos Bruzzi Castello, no trabalho " A Correção Cambial no Leasing, publicado em ADV Informativo, n. 19, p. 291, ressalta a impossibilidade de comprovar a contratação de empréstimo no exterior para fins de uso de bens arrendados:

" E é impossível para a credora provar que o dinheiro que emprestou decorre de captação de recursos provenientes do exterior, pois o dinheiro não tem marca de origem, e incumbe à mesma (sic) o ônus dessa prova (...) tudo isso leva a que, nesses contratos, os pagamentos de suas prestações devam ser efetuadas na moeda real, e com a correção monetária pelo INPC, aplicando-se o direito positivo, a doutrina, a analogia e os demais princípios de direito, ante a ilegalidade e ineficácia, até mesmo a inconstitucionalidade, dessa correção cambial como fora pactuada, ou como está sendo interpretada pelos credores onzenários."

Conclui-se, pois, que a correção monetária deverá proceder-se por um dos índices nacionais, no caso, o INPC. Assim, inaplicável a variação cambial como indexador dos contratos de leasing:

A esse respeito, o entendimento do STJ:

"Não é de ser admitida a correção de contratos firmados no Brasil, em moeda nacional, pela variação cambial. Na realidade se trata de um artifício utilizado para estabelecer contrato em moeda estrangeira, o que é vedado em lei. Há de se proceder a correção por um indexador oficial já consagrado pela jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça como o que mais ficou imune às manipulações das autoridades econômicas e melhor corrige a inflação do período – o INPC. (Precedente: REsp n. 68242, rel. Min. Garcia Vieira e REsp n. 51.631, rel. Ruy Rosado Aguiar).

Por derradeiro, deve-se assinalar que a cláusula que prevê a correção das prestações pela variação não encontra fundamento legal, pois o art. 52 da Lei n. 8.078/90 prevê que no fornecimento de produtos ou serviços que envolva a outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional, não cabendo, assim, a contratação com base em moeda estrangeira.

A doutrina consumerista, interpretando o citado preceito legal, preleciona o seguinte:

" O crédito ao consumidor é, sem qualquer dúvida, um dos mais importantes aspectos da proteção ao consumidor (...) dentro desse contexto, os diferentes ordenamentos jurídicos vêm procurando estabelecer medidas legislativas capazes de conferir maior proteção ao consumidor que recorre ao crédito (...) no direito brasileiro, o art. 52 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que no fornecimento de produtos ou serviços que envolva a outorga de crédito ou a concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional (...) o consumidor deverá ser informado sobre o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional, o que significa que o preço não poderá ser estabelecido com base na variação de quaisquer índices, oficiais ou não, que tenham por finalidade proteger o fornecedor contra a desvalorização da moeda." (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, Coordenador: Juarez de Oliveira, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 199 e 200)

Ainda:

" A informação sobre o preço é exigência da oferta e apresentação do produto ou serviço (art. 31, CDC). O dispositivo acrescenta que deve o consumidor ser esclarecido sobre o preço, em moeda corrente nacional, do produto ou serviço fornecido por meio de crédito ou financiamento. Por moeda corrente nacional entenda-se o real, vedada a contratação em moeda estrangeira ou com base em outro fator de indexação, ainda que previsto em índices oficiais." (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 4ª ed., 1996, p. 374).

Infere-se, pois, da lição doutrinária acima, que a Lei n. 8078/90, em seu artigo 52, inciso I, que é posterior ao Dec.-lei 857 de 11-9-69, determina que no fornecimento de produtos ou serviços que envolva a outorga de crédito ou a concessão de financiamento ao consumidor o preço seja em moeda corrente nacional, o que significa que o preço não poderá ser estabelecido com base na variação cambial, tudo isto com intuito de proteger o consumidor contra a desvalorização da moeda.

Com base em tais considerações, nego, com fundamento no art. 170, inciso V, arts. 2, 6º, inciso V, 29, 46 e 52 da lei n. 8.078/90 e art. 1º do dec.-lei n. 857/69, provimento ao recurso de apelação.

Custas recursais, pelo apelante.

 

JUÍZA MARIA ELZA

ACF