É INDENIZÁVEL FURTO OCORRIDO DENTRO DAS DEPENDÊNCIAS DE HOTEL
A TÍTULO DE DANOS MORAIS, MAS NÃO MATERIAIS. PRESUME-SE A VERSÃO DO CONSUMIDOR
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. SUBTRAÇÃO DE NUMERÁRIO GUARDADO NO QUARTO DO HOTEL PELO HÓSPEDE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DO SERVIÇO. VALOR DO DANO MATERIAL NÃO DEMONSTRADO. DANO MORAL OCORRENTE.
1. O Código Civil (artigos 932, inciso IV e 649) prevê a responsabilidade dos donos de hotéis pela reparação civil, derivada do desaparecimento de pertences do hóspede, devendo o hospedeiro figurar na avença como depositário. Incidentes, também, as disposições do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a relação entre hóspede e hotel insere-se como de consumo (responsabilidade objetiva do fornecedor ou fabricante, nos termos do artigo 14).
2. A falta de prova indubitável sobre a circunstância de que o autor deixou o dinheiro no hotel e dali fora furtada a res compensa-se pela verossimilhança das alegações do demandante, corroborada pela demonstração e pelo encadeamento dos fatos e, sobretudo, pela falta de provas por parte da requerida no sentido de sua diligência na preservação do patrimônio de seus hóspedes. Redução do módulo da prova.
3. Em relação aos danos materiais, eles devem corresponder ao efetivamente despendido, demonstrando a certeza do prejuízo, não se justificando dano hipotético. Por isso, devem ser comprovados nos autos e não meramente descritos. Assim, o autor não declarou a importância de dinheiro que trazia, mediante declaração de porte de valores (DPV), conforme Instrução Normativa SRF nº 117 e 120 do Ministério da Fazenda, motivo pelo qual inviável a condenação pelo dano hipotético, considerando que o efetivo prejuízo patrimonial deve restar demonstrado nos autos.
4. O dano moral existiu em face dos constrangimentos e angústias provocados pela má prestação do serviço. O passeio, em vez de ser um momento de deleite e descanso, acabou por só trazer aborrecimentos e desgastes emocionais recrudescidos pela insensibilidade da ré em atender o cliente-consumidor, notadamente tendo em vista que o furto de dinheiro ocorreu nas suas dependências.
5. O quantum indenizatório de R$4.000,00 atende aos critérios exigidos, observada a extensão e a gravidade do dano, as partes, a função preventiva-punitiva-compensatória da indenização, sob o pálio dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, respeitado ainda que é princípio geral de direito que não se pode privilegiar o enriquecimento indevido.
PROVERAM PARCIALMENTE AMBOS OS APELOS. UNÂNIME.
Apelação Cível
Nona Câmara Cível
Nº 70016897753
Comarca de Porto Alegre
SANCHOTENE FELICE HOTEIS E TURISMO LTDA HOTEIS WAMOSY
APELANTE/APELADO
JORGE RAUL HUME SALAS
APELANTE/APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover parcialmente ambos os apelos, para julgar parcialmente procedente os pedidos (a) afastando a condenação por danos materiais; (b) condenando a ré a restituir ao autor a importância de R$4.000,00, a título de indenização por danos morais, devendo incidir a correção monetária e os juros de 12% ao ano, a partir deste julgamento; (c) ante a manutenção da sucumbência como recíproca, manter as disposições sentenciais sobre a sucumbência.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente e Revisora) e Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi.
Porto Alegre, 28 de dezembro de 2006.
DES. ODONE SANGUINÉ,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Odone Sanguiné (RELATOR)
1. Trata-se de apelações cíveis interpostas, respectivamente, por SANCHOTENE FELICE HOTEIS E TURISMO LTDA HOTEIS WAMOSY (1ª apelante) e por JORGE RAUL HUME SALAS (2º apelante) nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais movida pelo 2º apelante em face do 1º apelante, pois insatisfeitos com a sentença das fls. 68/73, que julgou parcialmente procedente o pedido indenizatório, para (a) condenar o requerido ao pagamento dos danos materiais consubstanciados em US$2.000,00 (dois mil dólares) e 10.000,00 (dez mil pesos uruguaios), que deverão ser convertidos para moeda nacional, observando o câmbio comercial à data do fato. O valor da condenação deverá ser corrigido monetariamente pelo IGPM, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação; (b) condenar o autor ao pagamento de metade das custas processuais, o restante incumbindo ao réu, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, devidos por cada uma das partes em relação ao procurador da parte contrária, permitida a compensação.
O autor opôs embargos de declaração à sentença, alegando a presença de contradição quanto à condenação do autor, litigante sob o benefício da AJG, ao pagamento das custas e honorários advocatícios, restando prejudicada a determinação de compensação entre as condenações ao pagamento de honorários advocatícios (fls. 75/77). Os embargos foram acolhidos, restando suspensa a exigibilidade do pagamento das custas e honorários advocatícios estabelecidos na condenação (fl. 91).
2. Em razões recursais (fls. 80/88), o 1ª apelante sustenta a ocorrência de um roubo da quantia de R$215,00 somente na recepção do hotel, sendo que o assaltante não adentrou em qualquer quarto nas dependências do estabelecimento. Assevera a estranheza da versão do autor, no sentido de que um determinado numerário fora deixado embaixo do colchão do seu dormitório e de lá subtraído, porquanto o próprio autor afirma que, ao sair do hotel, trancou o quarto e levou a chave consigo. Diz que a única prova sobre a materialidade da subtração é a ocorrência policial firmada apelo autor. Menciona, no entanto, que também registrou o roubo na recepção do hotel perante a autoridade policial. Ressalta a presença de contradições entre a petição inicial e o depoimento pessoal do autor, consubstanciadas no número exato de câmeras fotográficas deixadas sobre a cama, uma ou três, e na localização das chaves do apartamento, na portaria e na posse do apelado. Alega que não houve nenhum furto no quarto do apelado, podendo ele ter perdido o dinheiro enquanto passeava pela cidade. Destaca a ausência de defeito na prestação de serviço por parte do hotel, porque informou ao apelado a inexistência de cofre para guardar numerário. Afirma que a culpa é exclusiva do consumidor. Assevera que não se sabe exatamente quanto ao dinheiro que o apelado trouxe do exterior; à posse das chaves do quarto; ao furto somente de valores e não de outros valores do quarto. Conclui que o autor não se desincumbiu de comprovar o fato constitutivo do seu direito. Em tese alternativa, requer a minoração do quantum indenizatório a título de danos materiais, porque não restou comprovada a quantia de dinheiro que o autor carregava consigo. Nestes termos, requer o provimento do recurso, postulando a improcedência da demanda ou a redução do montante indenizatório.
3. Por sua vez, em suas razões (fls. 94/106), o 2º apelante entende devida a indenização por danos morais advindos dos transtornos em ter sido vítima de subtração de numerário depositado no seu quarto de hotel, não podendo mais concluir o planejamento inicial da viagem. Colaciona jurisprudência e tece considerações sobre os critérios norteadores do quantum indenizatório. Pugna pelo provimento do recurso.
4. Em contra-razões (fls. 111/114 e 115/124), cada parte requer o desprovimento do recurso da parte adversa.
5. Subiram os autos e, distribuídos, vieram conclusos.
É o relatório.
VOTOS
Des. Odone Sanguiné (RELATOR)
Eminentes colegas.
6. Na exordial, o autor, de nacionalidade uruguaia, relatou que, em 07/02/2005, hospedou-se no hotel requerido, com a intenção de passar as férias no Brasil. Ato contínuo, indagou de um funcionário sobre a presença de um cofre para depósito de moeda estrangeira, tendo-lhe sido informado sobre a inexistência do mesmo e sugerido ou carregar o numerário consigo ou deixá-lo no quarto. Narra, então, que escondeu a moeda (dois mil dólares e dez mil pesos uruguaios) embaixo do colchão de sua cama e saiu do hotel, mas que, no dia seguinte, ao procurar a quantia para realizar o câmbio, foi surpreendido com a sua ausência.
7. Neste passo, impede delimitar o regime jurídico de solução da controvérsia, para aferir a presença dos pressupostos legais do dever de indenizar.
8. O Código Civil em seus artigos 932, inciso IV e 649, prevê a responsabilidade dos donos de hotéis pela reparação civil, derivada do desaparecimento de pertences do hóspede, pois, em casos da espécie, o hospedeiro deve figurar na avença como depositário, mormente na hipótese em testilha, onde não restou demonstrada a inevitabilidade do furto, ou a incidência de caso fortuito ou de força maior. Cabia ao hotel, então, o efetivo dever de zelar pela integridade dos hóspedes e pela segurança de seus bens, enquanto estivessem nas suas dependências hospedados, configurando-se, quanto à bagagem a figura do depósito necessário, respondendo o hospedeiro como depositário.
9. Ademais, incidentes, também, as disposições do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a relação entre hóspede e hotel insere-se como de consumo. Nesse raciocínio, haveria o recorrente de provar a ausência do defeito do serviço, ou que o mesmo decorreu de culpa exclusiva do tomador ou de terceiro, conforme a norma inserta no artigo 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. - § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: ”.
10. No ponto, o Código de Defesa do Consumidor, atendendo ao Princípio acolhido no art. 170, V, da Carta Magna, pugnou por apresentar limites mais protetivos àquele que é considerado parte mais fraca nas relações de consumo. Nesse intuito, estabeleceu a responsabilidade objetiva do fornecedor ou fabricante, nos termos do artigo retrocitado, a possibilidade de inversão do ônus da prova e facilitação na defesa do consumidor, visando a permitir que não seja o consumidor sempre o prejudicado nos ajustes, por parte mais vulnerável, e antes quase desamparado.
11. Neste diapasão, muito embora a prova do fato, a rigor, seja incumbência do autor, nos estritos termos do art. 333, inc. I, do CPC, observo que a prova da circunstância de que o demandante teria deixado o numerário no estabelecimento hospedeiro não pode transformar-se numa “probatio diabólica”.
12. Ocorre que à época do evento inexistia no estabelecimento local adequado para a guarda de quantia monetária, restando incontroverso que o preposto do hotel demandado orientou o autor a ou levar consigo o dinheiro ou deixá-lo no quarto, sugestão esta acolhida pelo autor.
13. Claro que a prova de que deixou o numerário no quarto reduz-se à palavra do autor, estudante de teologia, residente no Uruguai e de seu companheiro de viagem, sacerdote católico, residente na Argentina (fls. 60/66), dado que inexistem outras testemunhas presenciais do fato. No entanto, a circunstância de ter indagado ao funcionário do hotel sobre a existência de guarda-volumes, mencionando expressamente a sua pretensão (depósito de quantia monetária), conforta de verossimilhança a permanência do dinheiro no hotel, enquanto o autor passeava pela cidade.
14. Conforme referiu o r. Juiz Singular, a falta de provas robustas sobre os fatos de que o autor deixou o dinheiro no hotel e dali fora furtada a res compensa-se pela verossimilhança das alegações do demandante, corroborada pela demonstração e pelo encadeamento dos fatos e, sobretudo, pela falta de provas por parte da requerida no sentido de sua diligência na preservação do patrimônio de seus hóspedes.
15. Sobre o tema, invoco precedente relatado pelo eminente Des. Araken de Assis, quando do julgamento da Apelação nº 596252817, em que examinando a questão probatória do furto de um veículo estacionado em supermercado, afirma o seguinte: “(...)O que importa aqui, do ponto de vista jurídico, e não da matéria probatória, é que há um conjunto de circunstâncias a gerar o chamado paradigma da verossimilhança. É que, em alguns casos, o órgão judiciário deve se contentar com a chamada redução do módulo da prova, pois a certeza é impossível de se atingir, principalmente no caso da infração a certos deveres – aqui, de guarda –, segundo a lição de GERHARD WALTER (La libre apreciación de la prueba, § 10, pp. 286-288, tradução Tomás Banzhaf, Bogotá, 1985). Tal fenômeno, sem embargo da regra do art. 333, I, se reproduz nos casos de furto em estabelecimento. Após a controvérsia sobre a questão de direito, resolvida na Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça, as atenções se voltaram para a questão de fato, cuja prova, tanto que me lembre, sempre foi frágil. Durante muito tempo o juízo de procedência se fundou no boletim de ocorrência policial, por falta de impugnação ao seu conteúdo. Quando as empresas passaram a controverter a questão de fato com eficiência, então surgiu o problema: como provar, diretamente, o furto? Por definição, o fato se passa rapidamente e sem estrépito. Em alguns casos, há o emprego de violência contra o proprietário. Mas a regra não é esta. O automóvel é furtado sem que ninguém perceba. Como prová-lo? E de que modo o cliente provará que conduziu seu automóvel ao estacionamento? Ninguém vai ao local imaginando se tornar vítima de furto e, precavidamente, recolhe testemunhas de que estacionou seu veículo em certo espaço. Tivesse a apelada produzido prova deste teor, até seria vítima de natural desconfiança. Na verdade, portanto, a espécie exige a chamada redução do módulo da prova. De um lado, o ‘shopping’ colabora com o evento, na medida em que oferece o estacionamento, dotando-o de guarda (e ela existe) ineficiente. De outro, se exigirá apenas que os indícios revelem a boa-fé do lesado e indiquem, razoavelmente, a ocorrência do fato. Do contrário, haverá uma aliança tácita entre o ‘shopping’, que não guarda adequadamente os veículos porque se mostraria pouco provável sua condenação futura, com o autor do ilícito, atraído por tal facilidade, em detrimento dos clientes e dos funcionários, vítimas inocentes da falta de segurança”.
16. Neste passo, em nada prejudica a veracidade do suporte fático deduzido pelo autor as circunstâncias – não completamente esclarecidas – de que o autor carregava consigo uma ou três máquinas fotográficas ou de que teria levado consigo a chave do hotel. Aliás, neste ponto, bem afirmou o Juízo a quo: “não floresce a alegação da parte ré de que o autor teria trancado a porte do quarto em que estava hospedado, levando consigo a chave, sendo, por isso, impossível a entrada de qualquer pessoa no quarto. Ora, se realmente não fosse possível, como seria realizada a limpeza, e a arrumação dos quartos diariamente? É notório que todos os hotéis possuem chaves extras de seus quartos. Senão, como fariam os hóspedes para entrarem no quarto acaso tivessem perdido suas chaves?”
17. O sistema jurídico vigente assegura a indenização pelo dano derivado de qualquer ilícito, devendo essa recolocar o patrimônio do ofendido no estado em que se encontrava anteriormente à ocorrência do dano suportado. Assim, uma vez que o dinheiro foi guardado pelo autor no Hotel, configurada está a situação de “risco do serviço”. Deve, por isso, o hoteleiro, arcar com a indenização, ainda que ausente sua culpa, conforme previsto no artigo 14 do CDC.
18. Em relação aos danos materiais, eles devem corresponder ao efetivamente despendido, demonstrando a certeza do prejuízo, não se justificando dano hipotético. Por isso, devem ser comprovados nos autos e não meramente descritos. Assim, o autor não declarou a importância de dinheiro que trazia, mediante declaração de porte de valores (DPV), conforme Instrução Normativa SRF nº 117 e 120 do Ministério da Fazenda, motivo pelo qual inviável a condenação pelo dano hipotético, considerando que o efetivo prejuízo patrimonial deve restar demonstrado nos autos. Merece, pois, provimento o apelo do demandado que pugna pela exclusão do dever de indenizar os danos materiais.
19. Noutro quadrante, o dano moral existiu em face dos constrangimentos, angústias e dissabores provocados pela má prestação do serviço. O passeio à aprazível cidade de Porto Alegre, em vez de ser um momento de deleite e descanso, acabou por só lhes trazer aborrecimentos, angústias, desgastes emocionais recrudescidos pela insensibilidade da ré em atender o cliente-consumidor, notadamente tendo em vista que o furto de dinheiro ocorreu nas suas dependências. Assim, o abalo psíquico é patente na hipótese dos autos, suficiente a merecer reparação por dano moral.
20. Ademais, a prova do dano moral é prescindível, apenas devendo ser demonstrado o ato/fato gerador dos sentimentos aos quais o próprio recorrido se reporta em seu recurso (“damnum in re ipsa”).
21. Com base nesses parâmetros, tenho que o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) é suficiente para reparar o dano moral suportado pelo autor, pois que ainda atende, sobretudo, ao disposto no art. 944, do novo Código Civil. Merece provimento, então, o apelo do autor no ponto.
22. O “quantum” fixado atende, a meu sentir, aos critérios exigidos, observada a extensão e a gravidade do dano, as partes, a função preventiva-punitiva-compensatória da indenização, sob o pálio dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, respeitado ainda que é princípio geral de direito que não se pode privilegiar o enriquecimento indevido.
23. Ao valor ora fixado devem ser acrescidos os consectários legais nos termos seguintes:
Em primeiro lugar, a correção monetária não constitui plus, e sim mera atualização da moeda, devendo incidir a partir da fixação do quantum devido, é dizer, a partir do julgamento.
Perfilhando tal entendimento, manifestou-se o E. STJ nos arestos a seguir: (1) “Correção monetária que flui a partir da data do acórdão estadual, quando estabelecido, em definitivo, o montante da indenização.” (REsp 566714 / RS; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 09.08.2004 p. 275); (2) “Caso, ademais, em que fixado o quantum do ressarcimento em moeda corrente, a atualização monetária há de ser computada a partir de tal data, eis que naquele momento é que o montante representa a indenização devida, sendo descabida a pretensão do autor de retroagir a correção a época anterior, posto que a defasagem somente poderia ocorrer de então, jamais antes.” (REsp 316332 / RJ; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 18.11.2002 p. 220).
Em segundo lugar, quanto aos juros moratórios, na hipótese de reparação por dano moral, entendo cabível o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização.
Destaco que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça. A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.
No tocante ao arbitramento do dano moral, o termo inicial da contagem deve ser a data do julgamento. O julgador fixa o dies a quo que melhor se ajusta ao caso em concreto, em consonância com os critérios utilizados para a fixação do valor indenizatório. Dessa forma, além de se ter o quantum indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos ao réu, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação.
Destarte, impede-se que o montante dos juros, não visível no momento do seu arbitramento e que será futuramente acrescido ao quantum indenizatório, possa acarretar a modificação do valor da justa reparação. Tal posicionamento guarda simetria com o entendimento anteriormente exposto em relação ao termo inicial de incidência da correção monetária.
Nesse sentido, manifestou-se o E. STJ no julgamento do Resp nº 618.940/MA, da relatoria do Ilustre Min. Antônio de Pádua Ribeiro, do qual extraio o seguinte excerto:
“No acórdão, fixou-se uma quantia que se entendeu que o recorrente estaria a merecer hoje. É o transcorrer do tempo que lhe trouxe prejuízo, não um evento ocorrido em uma data certa. Logo, é a partir da decisão que haverão de correr juros e correção.
Essa é a diferença crucial que ora se aponta entre os fatos vresados nos paradigmas e aquele tratado no acórdão recorrido. Para aqueles, adotou-se uma solução que leva em conta o momento em que ocorre o prejuízo. No acórdão paragonado, o prejuízo não é instantâneo, mas é causado pelo transcorrer do tempo. Adotar como termo inicial dos juros data anterior à decisão é admitir bis in idem em desfavor da recorrida”.
(REsp 618940 / MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302)
24. Pelo exposto, voto no sentido de prover parcialmente ambos os apelos, para julgar parcialmente procedente os pedidos (a) afastando a condenação por danos materiais; (b) condenando a ré a restituir ao autor a importância de R$4.000,00, a título de indenização por danos morais, devendo incidir a correção monetária e os juros de 12% ao ano, a partir deste julgamento; (c) ante a manutenção da sucumbência como recíproca, manter as disposições sentenciais sobre a sucumbência.
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo.
Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi - De acordo.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70016897753, Comarca de Porto Alegre: "PROVERAM PARCIALMENTE AMBOS OS APELOS. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: DRA ADRIANA DA SILVA RIBEIRO