DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO

 

AGRAVO INOMINADO - DECISÃO QUE DÁ PROVIMENTO A RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIVULGAÇÃO DE TESTES DE QUALIDADE DE PESCADOS CONGELADOS - DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO - GARANTIA CONSTITUCIONAL DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO - PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL DA CORTE EM SITUAÇÃO ANÁLOGA - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DISSENSÃO NOS TRIBUNAIS SUPERIORES - RECLAMO DESPROVIDO.

Eventual vício nos testes levados a efeito nos produtos comercializados pela agravada não se correlacionam de forma direta com o direito de informação da publicação administrada pela agravante.

necessidade de se compreender a lide, portanto, sob duas óticas distintas, destacando-se que, em havendo constatação posterior de parcialidade, inadequação, ou qualquer vício nos ensaios científicos resistidos, subsistirá direito de reparação à Leardini Pescados Ltda.

Contudo, nesta quadra, cercear o direito à livre manifestação e divulgação de resultados, mormente quando indemonstrada a alegada má-fé de Pro Teste-Associação Brasileira de Defesa do Cidadão, constitui inadequada afronta à garantia constitucional de livre informação e manifestação do pensamento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo (§ 1º art. 557 do CPC) em Agravo de Instrumento n. 2008.054657-9/0001.00, da comarca de Navegantes (Vara Única), em que é agravante Leardini Pescados Ltda., e agravado Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Cidadão:

ACORDAM, em Câmara Civil Especial, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo inominado interposto pela Leardini Pescados Ltda. contra decisão que, invocando precedente constituído pelo acórdão de julgamento do recurso de Agravo Inominado nº 2008.054866-9, deu provimento ao recurso interposto por Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Cidadão, sob o argumento de que:

eventual vício nos testes levados a efeito nos produtos comercializados pela agravada não se correlacionam de forma direta com o direito de informação da publicação administrada pela agravante.

necessidade de se compreender a lide, portanto, sob duas óticas distintas, destacando-se que, em havendo constatação posterior de parcialidade, inadequação, ou qualquer vício nos ensaios científicos resistidos, subsistirá direito de reparação à Leardini Pescados Ltda.

Contudo, nesta quadra, cercear o direito à livre manifestação e divulgação de resultados, mormente quando indemonstrada a alegada má-fé de Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Cidadão, constitui inadequada afronta à garantia constitucional de livre informação e manifestação do pensamento (fls. 196/205).

Fundamentando a insurgência, a recorrente sustenta que a decisão recorrida teria usurpado a competência do colegiado para o "conhecimento e prolação de mérito quanto à matéria recursal" (fl. 333). Assim sendo, embora reconheça a existência de precedente jurisprudencial nesta Corte, afirma a necessidade de "manifesto confronto com súmula ou interpretação dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior" (fl. 334), como condição para o julgamento imediato.

De outro vértice, argumenta que a decisão de primeiro grau há que ser mantida, visto que a agravada realiza "testes que não são da sua competência, irregulares quanto a sua forma (sem contraditório e ampla defesa), e com base em leis estrangeiras" (fl. 335), sobressaindo, quanto à excessiva quantidade de água incorporada ao peso dos produtos comercializados, que "a quantidade existente nos peixes e todos aqueles seres "aquáticos" está dentro dos padrões normais para o tipo de produto (habitat destes seres é na própria água)" (fl. 335), incumbindo exclusivamente ao INMETRO-Instituto Nacional de Metrologia quantificar o percentual de água admitido nos pescados congelados.

Assim sendo, destacando que a decisão de primeiro grau apenas impediu a realização de testes ilícitos e ilegais pela agravada, e, não, a veiculação do respectivo resultado, pugna pelo provimento do reclamo, com a regular restauração da marcha do recurso de agravo de instrumento (fls. 332/338).

É o relatório.

VOTO

Estando demonstrados os pressupostos de admissibilidade intrínsecos, conhece-se do recurso.

Num primeiro momento, impende destacar que, segundo o disposto no art. 557, do CPC:

O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

Veja-se que não há obrigatoriedade de confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, como referido pela Leardini Pescados Ltda.

A interpretação literal do dispositivo permite aferir que o legislador admitiu a negativa de seguimento por motivos múltiplos e alternativos entre si, ou seja, recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

De todo modo, está a se tratar de decisão proferida nos termos do disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC, segundo o qual, `se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso´.

Precisamente este foi o raciocínio teleológico empregado para o imediato acolhimento da pretensão recursal deduzida pela Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Cidadão, e, não sob a ótica estrita da liberdade de imprensa, mas, sob o amparo do conjunto de disposições finalísticas que se encerram na defesa do consumidor.

Neste sentido, o artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor estabelece que `o presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias´.

Não fica difícil compreender, sob esta ótica, que a pretensão recursal resistida pela Leardini Pescados Ltda. possui lastro em princípio basilar da atividade econômica nacional, e, por este motivo, de ordem pública, aplicação cogente, obrigatória.

Sobre a matéria, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery lecionam que:

Ordem pública. As normas do CDC são ex vi legis de ordem pública, de sorte que o juiz deve apreciar de ofício qualquer questão relativa às relações de consumo, já que não incide nesta matéria o princípio dispositivo. Sobre elas não se opera a preclusão e as questões que dela surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição (in Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 1.348).

O Excelentíssimo Ministro Garcia Vieira, em brilhante e paradigmático voto proferido nos autos do emblemático Mandado de Segurança n.º 5.986-DF, nº 98/0072799-0, firmou o seguinte entendimento:

Um dos princípios básicos em que se assenta a ordem econômica é a defesa do consumidor (art. 170, I da CF). Nosso legislador constitucional (art. 5º, XXXII), determina que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Celso Ribeiro Bastos, nos Comentários à Constituição do Brasil, 2º volume, artigo 5º, inciso XXXII, ensina que:

"A civilização industrial trouxe consigo um problema grave que foi o de proteger o consumidor.

Embora as medidas efetivas neste sentido só recentemente tenham sido tomadas, é forçoso reconhecer que muito mais resta ainda a ser feito.

A questão crucial é posta pelo fato de que a antiga relação entre o adquirente e o artesão foi substituída por uma cadeia de agentes que vai desde o produtor até o consumidor final do produto.

Mais grave ainda, a relação torna-se massificada, isto é: a produção e o consumo se dão em grandes escalas.

O consumidor individual que discutia com o artífice as características de um produto personalizado, é substituído por um comprador de bens, os quais não lhe cabe conferir. A sua postura passiva é ainda reforçada por uma propaganda intensa que gera novos hábitos de consumo, no mais das vezes criados artificialmente.

É fácil perceber que o potencial lesivo aos interesses do consumidor é muito grande" (pág. 158).

O legislador ordinário atendendo ao comando emanado do artigo 5º, XXXII da Constituição, editou a Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor. Esta lei (Código de Consumidor) estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, da ordem pública e interesse social nos termos do artigo 5º, XXXII, 170, V, da Constituição Federal e 48 de suas disposições transitórias (art. 1º).

Como se vê, as regras de proteção e defesa do consumidor se erigem a um plano de importância tal, que devem orientar toda a atividade econômica desenvolvida no território nacional.

Assim sendo, dessume-se na espécie que o direito à informação deve ser privilegiado em detrimento do direito à imagem da agravante.

Este entendimento, sedimentado na Corte Superior (art. 557, § 1º-A, do CPC), também foi assimilado pela JC-Jurisprudência Catarinense, destacando-se o julgamento do Agravo de Instrumento nº 2008.054866-9 - que possui estreita relação de identidade com o presente - onde a 2ª Câmara de Direito Civil, ratificando decisão antecipatória desta Câmara Civil Especial, assim decidiu:

Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor interpôs agravo de instrumento contra a decisão do Juiz de Direito da comarca de Navegantes que, nos autos da Ação Ordinária de Obrigação de Fazer c/c Perdas e Danos n. 135.08.003327-3, proposta por Costa Sul Pescados Ltda, deferiu liminar, determinando que a agravante se abstenha de divulgar o resultado de testes com os produtos da agravada, sem o seu prévio acompanhamento, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.

A decisão merece reparos.

A Constituição Federal, em seu art. 220, autoriza a manifestação do pensamento, de expressão e informação, sob qualquer forma. O art. 6º do CDC, por sua vez, assegura que é direito básico do consumidor obter informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços postos a sua disposição.

Do efeito suspensivo, extrai-se importante lição dos doutrinadores José Cretela Neto, Francisco Gastão Luppi de Castro Filho, Nelson Nery Costa e Carlos Affonso Pereira de Souza, acerca do direito de informação (fl. 325):

Nossa constituição de 1988 estabelece que a expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação poderá desenvolver-se livremente, isenta de censura (art. 5º, IX). Além disso, estipula que 'a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição' (art. 220, caput), e que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (art. 220, §1º) (Comentários à lei de imprensa: Lei n. 5.250, de 09-2-67 e alterações interpretadas à luz da Constituição Federal de 1988 e da Emenda Constitucional n. 36, de 28-5-02, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 32).

Adiante, extrai-se, também, lição de Luiz Antonio Rizatto Nunes, sobre o direito de informar, de informar-se e de ser informado. Vejamos (fls. 326-327):

A informação, ou melhor, o direito de informação, na Constituição Federal pode ser contemplado sob três espécies:

a) o direito de informar;

b) o direito de se informar;

c) o direito de ser informado.

O direito de informar é basicamente uma prerrogativa conferida pela Carta Magna; os outros dois são obrigações, e bastante relevantes para a questão do consumidor. Examinemos cada um deles.

O direito de informar

É uma prerrogativa constitucional (uma permissão) concedida às pessoas físicas e jurídicas. Vale ler o texto magno. É o dispositivo do caput do art. 220 que dispõe, in verbis:

'A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição'.

Essa norma é solidificada por outra pétrea das garantias fundamentais. A do inciso X do art. 5º, que dispõe, in verbis: 'é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença'.

[...]

Como decorrência do direito de informar, a norma fundamental deixou garantido o direito da informação jornalística, e já nesse aspecto até mesmo declarou certos limites. Leia-se a propósito o § 1º do citado art. 220, que dispõe:

'§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV' (grifamos).

O inciso X acabamos de comentar. De fato ele é um limite à informação em geral e à informação jornalística em particular.

Todavia, gostaríamos de recolocar nossa tese a respeito da informação jornalística e do interesse público que a norma envolve.

O direito de informação jornalística é, com efeito, simultaneamente um direito de receber informação jornalística. É o interesse público que está em jogo. Como a norma constitucional do direito de informar aparece com uma prerrogativa, isto é, está posta com o modal deônico da permissão, tem-se uma espécie de paradoxo: permissão dos dois lados. O direito de informar tem relação com o direito de ser informado.

Dois direitos, nenhum dever. O ciclo normativo mandar-obedecer não se completa.

Todavia, é exatamente esse outro direito de ser informado que vai permitir, em nossa, opinião, a construção da teoria capaz de fazer com que, também, os limites estabelecidos no inciso X do art. 5º não sejam absolutos.

Se há direito de se informar há, portanto, interesse público e é este que definirá a possibilidade de ser transmitida a informação jornalística. (grifo nosso) (Curso de Direito do Consumidor, 3. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pgs. 49/50).

De outro lado, a agravante é uma associação civil de finalidade social, sem fins lucrativos, regida pela legislação vigente e pelo seu próprio estatuto, que tem por objetivo promover a defesa dos consumidores e cidadãos em geral (Estatuto Social, arts. 1º e 2º - fls. 29-30).

Destarte, se a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor asseguram o direito à informação acerca da qualidade dos produtos comercializados, e se a agravante tem por objetivo prestá-las, conforme se extrai do seu estatuto, não há razão para coibir a divulgação do resultado dos testes em discussão, mormente porque os consumidores possuem o direito de saber o que estão adquirindo.

No que toca à nulidade dos testes, porque não seguiram as normas técnicas e metodológicas adequadas, e porque não foram realizados por profissionais habilitados, estão desacompanhadas de provas, pelo que não merece guarida.

Já a afirmação de que eles não teriam sido realizados com os produtos da agravada é absurda, diante dos documentos constantes nos autos (fls. 86-105).

O fato de os exames terem sido feitos com produtos adquiridos em supermercados, e não diretamente da empresa agravada, por sua vez, não acarreta nenhuma nulidade no procedimento, pois são naqueles estabelecimentos que as mercadorias são postas à disposição dos consumidores e que devem estar aptas para o consumo.

Quanto à alegação de que a participação da agravada na realização dos testes era imprescindível para a sua validade (sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa), não encontra amparo legal, pelo que a liminar não poderia ter sido deferida sob esse argumento.

De resto, eventual falsidade ou erro nos exames realizados pelos Laboratórios Bioagri e Cientec, e reproduzidos pela agravante e por outros meios de comunicação (fls. 113 e 239-259), bem como excessos na divulgação dos resultados, praticados pela agravante, devem ser objeto de indenização e de direito de resposta, e não de proibição de informação pura e simples dos resultados. Para tanto, todavia, é necessária a instrução processual, o que ainda não ocorreu.

Certo é que, para a obtenção da liminar discutida (de proibição de informação), era necessário, no mínimo, que a autora tivesse trazido aos autos prova de que os seus produtos não apresentam os vícios/defeitos divulgados. Assim não fazendo, persiste o direito de divulgação.

Para concluir, quando direitos fundamentais entram em conflito (direito de informação x direito de imagem), deve prevalecer aquele que abarca maior número de pessoas, em atenção aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que, no caso, são os consumidores, razão pela qual a divulgação dos testes não pode ser coibida.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para autorizar que a agravante continue divulgando os testes realizados com os produtos da agravada.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, a Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso (disponível em <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/cposg/servlet/ServletArquivo? cdProcesso=01000CKW70000&nuSeqProcessoMv=96&tipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=1493516&pdf=false&enviarMsg=true> acesso nesta data).

Como referido no aludido julgado - que, aliás, não foi derrogado por precedentes contrários, seja desta Corte, seja das Cortes Superiores - mantenho o entendimento de que a abordagem jornalística dos testes efetuados pela agravada, com a publicização dos vícios de qualidade aferidos nos produtos comercializados pela agravante, efetivamente pode repercutir negativamente no mercado consumidor.

Entretanto, o art. 5º, inc. IX, da CF/88, preceitua que `é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;´.

Já o art. 220, da Carta Magna, determina que `a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição´, ao passo que o § 1º, especifica que `nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV´.

Sobre a liberdade de abordagem, ODUVALDO DONNINI e ROGÉRIO FERRAZ DONNINI lecionam que:

O direito de informar é aquele que tem por finalidade comunicar opiniões, idéias ou notícias. É o direito que todos têm de veicular informações. O art. 220, caput, da Constituição Federal, prevê esse direito: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". A intenção do legislador constituinte foi a de garantir o direito de informar, sem qualquer forma de restrição ou censura, salvo o direito de resposta (art. 5º, inciso V, da Constituição Federal).

Asseveram os aludidos doutrinadores que:

O direito de informar divide-se em direito à expressão pública de idéias ou opiniões e direito à transmissão pública de notícias. O primeiro é a faculdade de expressar o pensamento (conceitos, opiniões, idéias) por meio de qualquer forma de comunicação (escrita, falada, televisiva etc.), O segundo é o direito de transmitir à opinião pública notícias de qualquer espécie, através de um meio de comunicação apto à prática dessa atividade. A informação jornalística faz parte, portanto, do direito de informar, por se tratar de prática realizada por órgão capacitado e específico para essa finalidade. [...] Há quem sustente que o direito de informar e o direito de se informar fazem parte do direito à informação, que tem um duplo significado: o direito que qualquer pessoa tem de ser informado do que acontece e pode lhe interessar; e também o direito atribuído em especial aos jornalistas, repórteres, operadores de televisão e rádio de informar os leitores, telespectadores e ouvintes a respeito dos acontecimentos (DONNINI, Oduvaldo; DONNINI, Rogério Ferraz. Imprensa livre, dano moral, dano à imagem, e sua quantificação à luz do novo código civil. São Paulo: Método Editora, 2002. p. 39-41).

Esta abordagem legal e doutrinária, presta-se a fazer crer que eventual vício nos testes levados a efeito nos produtos comercializados pela agravada não se correlacionam de forma direta com o direito de informação da publicação administrada pela agravante.

Portanto, há necessidade de se compreender a lide sob duas óticas distintas, destacando-se que, em havendo constatação posterior de parcialidade, inadequação, ou qualquer vício nos ensaios científicos resistidos, subsistirá direito de reparação à Leardini Pescados Ltda.

Contudo, cercear o direito à livre manifestação e divulgação de resultados, mormente quando indemonstrada a alegada má-fé de Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Cidadão, constitui inaceitável afronta à garantia constitucional de livre informação e manifestação do pensamento.

E nem se alegue que com a revogação da Lei nº 5.250/67 pelo Supremo Tribunal Federal o direito à livre manifestação do pensamento foi extirpado de nosso ordenamento, como quer fazer crer a agravante.

Com o resultado do julgamento majoritário da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130, findaram, v. g., os parâmetros limitativos da indenização pelos danos à imagem e à honra, o direito de resposta e os crimes especiais, passando a regência dos fatos, o disposto na legislação ordinária e Constituição Federal, o que serve à manutenção da conclusão jurídica refutada por Leardini Pescados Ltda.

E nem se alegue, como referido nas razões de recurso, que o excesso de água constatado pela agravada nos produtos comercializados pela agravante se devem ao fato de os `peixes e todos os seres aquáticos´ possuírem a água como habitat (fl. 335), visto que, dos documentos contidos no instrumento, percebe-se que nos pescados congelados foi aferido que o peso da água pode representar até 43,1% do peso total do alimento (disponível em <http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?busca=sim&id=4430> acesso nesta data).

Assim sendo, considerando a premente necessidade de se resguardar o bem maior, constituído pelo direito de informação do consumidor acerca da qualidade e características dos pescados postos à venda pela agravante, bem como, ainda, o direito constitucional de liberdade de manifestação do pensamento, reitero a conclusão de que a veiculação da matéria jornalística, constituída por ensaio científico visivelmente imparcial - que apontou vícios, até mais graves, também nos produtos da concorrência da agravante - não pode ser proibida pelo Judiciário.

Como já destacado oportunamente, compreendo de suma relevância transcrever segmento de julgado do Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, segundo o qual:

A respeito de crítica merecem serem transcritos ensinamentos doutrinários alinhados no corpo do V. Acórdão da Ap. Cível n. 43.122, de Curitibanos, em que foi relator o MM. Des. Anselmo Cerello, que ao consignar afirmou que: "A crítica sensata, oportuna, construtiva, deveria ser reclamada por todos os governantes, homens públicos, cientistas, artistas, etc. Sem ela, a cultura seria, em suma, um remanso, jamais uma corrente. Por isso, alguns governantes (muito poucos, infelizmente) reclamaram, democraticamente, dos governados, com empenho, o exercício da crítica. Exemplo desse apelo se colhe no famoso 'Manifesto Sarratae', de 1820 de que, garças a Ballester, extraímos este eloqüente tópico: Hubo epoca desgraciada entre vosotros en que estas solas ideas eran un crimen. Mas ellas forma hoy toda la esperanza del bobierno desea que se le presenten muchas ocasiones de acreditaros practicamente que sahe respetar con fenerosidad las opiniones de los hombres y que jamás confundirá la opinion con los atentados". Como são raros, nos tempos modernos, os pronunciamentos desse gênero. Crítica é apreciação construtiva, reparadora, analítica, corregedora. Portanto, é material indispensável à cultura, nos meios civilizados. Quem teme a crítica desconfia de si próprio. Quando um governo é temeroso da crítica, comecemos por desconfiar dele. Ou já é unitário, intocável, todo poderoso, ou está caminhando nessa direção. Não se faz crítica, porém, aquele que dela se serve apenas pelo prazer de contestar, de demolir, de menosprezar, de denegrir. Como adverte Nuvolone, 'será stranco all'attivitá critica ogni aprezzamento negativo imotivato o motivato da una mera animositá personale, e che trovi, pertanto, la sua base in una avversione di carattere sentimentale e non en una contraposicione si idee. (Direito de Imprensa - Ed. José Bushatski - SP, pág. 368).

Prossegue o preclaro julgador destacando que:

Nas bem lançadas palavras da douta togada monocrática: "É difícil distinguir entre crítica áspera e violenta e a ofensa punível, em face da necessidade de assegurar, numa sociedade aberta e democrática, o livre desenvolvimento de informação em relação aos administradores da coisa pública. É precisamente neste setor, que com maior violência se encontra as paixões dos homens e a manifestação do pensamento adquire certo tom mais emocional que racional. Está claro que as críticas da ré não se voltaram deliberadamente contra a pessoa da autora. A simples imoderação da linguagem, por si só, não caracteriza o delito. O 'animus narrandi', ou no máximo o 'animus criticandi', que se pode perceber nas publicações, neutralizam a intenção de difamar, máxime quando se trata de direitos da coletividade, em ter resguardada a lisura administrativa e sua moralidade, garantia da própria estabilidade Constitucional. Não se configura o crime se a expressão ofensiva for usada sem o propósito de ofender, mas sim, com o propósito de narrar, de debater, criticar e informar. (fls. 93/94).

E logo adiante conclui que:

In casu, não se discute o direito e o dever da imprensa de bem informar, em suas multifacetadas funções, trazendo a público os bastidores da vida política, já que o leitor tem igualmente o direito de ser corretamente informado. Todavia, a notícia não deve alcançar foros de injúria, de difamação, resvalando para o campo impróprio do ataque pessoal. Deve limitar-se aos fatos, extraindo, se for o caso, o exame crítico da matéria, para melhor orientar o leitor. Não deve, por isso mesmo, ser veículo de achaques morais, de doesto, de impropério, de afronta, notadamente quando carregadas de coloração política. Não há dúvida que a Constituição da República, no art. 5º, incisos IX e XIV, outorga a liberdade de comunicação, independentemente de censura ou licença, assegurando a todos acesso à informação. O direito à informação, no entanto, é também um dever, um direito-dever de bem informar ao leitor, em especial quando em confronto com o direito à inviolabilidade da intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (artigo 5º, inciso X, da Constituição da República). É sempre importante um estudo dos princípios morais dos que atuam em órgãos de comunicação isso observar e, assim, devem as empresas de comunicação orientar as suas editoras e demais órgãos subordinados. Conforme já salientado o jus narrandi é peculiar ao jornalista e reporta, sempre, inconfundível, toda vez que a crítica, ainda que veemente, ou a narrativa mesmo vivaz e impressionante, revele a preocupação do bem ou do interesse social. O caráter investigativo com que foi efetivada a matéria, perquirindo acerca do suposto desvio de verbas para compra do material didático, bem como as críticas lançadas frente a ausência de explicações por parte de quem deveria, justamente, esclarecer e primar pelo princípio da transparência pelas coisas públicas, não acarretam desde logo, a indenização por eventuais ataques jornalísticos que visam, aprioristicamente, a transparência e transmitem, a princípio, a opinião crítica por atos procedimentais não bem elaborados e esclarecidos. Reafirme-se que o direito à indenização surge quando o noticiarista extravasa da narrativa e ataca o que se pretende ofendido, sem ligação direta com o fato narrado ou quando revela o intuito claro de atingir-lhe o decoro, a dignidade ou a reputação. Ora, sabendo-se que o animus injuriandi deve ser apurado do conjunto do escrito incriminado e não de suas palavras isoladas, percebe-se, nitidamente, que os textos ora imputados como injuriosos desta pecha não se viciam, uma vez que a crítica jornalística se demonstra extremamente necessária à evolução social. Afirme-se que apontar as falhas dos homens, criticar suas condutas, censurar o seu comportamento é um dever social indeclinável, sendo daqui que se exsurge a cautela extrema a ser adotada pelo magistrado, já que deverá averiguar, justamente, a conduta do crítico, não podendo incidir em erro inescusável" (Apelação Cível nº 98.011246-0, da comarca de São Bento do Sul. Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz. Julgado em 27/08/2001).

Consoante já referido, se houve excesso no dever de informar, isso se resolverá por fim em perdas e danos.

O que não se deve admitir é o cerceio à liberdade de informação do consumidor acerca da qualidade dos produtos colocados em circulação no mercado de alimentos, bem maior a ser protegido na espécie, consoante orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte.

Neste sentido, ao tratar dos direitos básicos daqueles que consomem, estabelece o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 6º, que:

Art 6º . São direitos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

IX - (Vetado);

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Portanto, reiterando a conclusão de que a liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação (arts. 5º, inc. X e 220 da CF/88), bem como o direito do consumidor à obtenção de informação clara e adequada sobre os diferentes produtos e serviços postos à sua disposição (art. 6º do CDC) se sobrepõem ao direito de imagem da agravante, e, especialmente diante da ausência de fundamento eficiente do direito conclamado e da existência de divergência jurisprudencial, compreendo que o recurso deve ser conhecido, mas, no mérito, há que se lhe negar provimento.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, decide a Câmara Civil Especial, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Solon D'Eça Neves, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Substituto Rodrigo Tolentino de Carvalho Collaço. Funcionou como Representante do Ministério Público, o Excelentíssimo Senhor Doutor Basílio Elias de Caro.

Florianópolis, 20 de agosto de 2009.