DEFEITO NO PRODUTO
CIVIL.
DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. ALEGADA CARÊNCIA
DE AÇÃO. INSUBSISTÊNCIA.PRAZO DE NOVENTA DIAS QUE COMEÇA A FLUIR DO MOMENTO DA
CIÊNCIA DO DEFEITO. INTELIGÊNCIA DO ART. 26, § 3º, DO CDC. PROVA TESTEMUNHAL
QUE INDICA A PRONTA COMUNICAÇÃO PERANTE A EMPRESA RÉ. INEXISTÊNCIA DE MELHOR
PROVA
Tem o
consumidor o prazo de 90 (noventa) dias para reclamar eventuais defeitos de
produtos duráveis e de fornecimento de serviços, a contar da entrega efetiva do
produto ou do término dos serviços. A reclamação formulada pelo consumidor, a
que alude o inciso I do § 2º do art. 26 do CDC, não precisa ser,
necessariamente, por escrito. (AI n.º 2006.037599-8, Des. Fernando Carioni).
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.044515-3, da
comarca de São Bento do Sul (1ª Vara), em que é apelante Isaias Huttel ME e apelado Charles Edervan
de Souza:
ACORDAM,
RELATÓRIO
Adota-se o
relatório da sentença recorrida que é visualizado às fls. 110/111, por revelar
com transparência o que existe nos autos, e a ele acrescenta-se que o MM. Juiz
de Direito, Doutor Rodrigo Tavares Martins, julgou parcialmente procedentes os
pedidos iniciais.
Contra esta
decisão, a ré interpôs embargos de declaração (fls. 126/130), os quais foram
acolhidos a fim de reconhecer a sucumbência recíproca entre as partes.
Irresignada, a vencida interpôs recurso de apelação
(fls. 139/145), aventando em preliminar a decadência do direito do autor. No
mérito, reedita os argumentos expendidos em sua tese de defesa
quanto à culpa do autor pelo não isolamento da umidade advinda do piso.
Subsidiariamente, requer a distribuição dos ônus sucumbenciais
na proporção de 50% (cinquenta por cento).
O apelado,
conquanto intimado, deixou transcorrer in albis
o prazo para apresentar contrarrazões (fl. 151).
VOTO
1. No
tocante à decadência, disciplina o Código de Defesa do Consumidor que:
Art. 26. O
direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta
dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II -
noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de
produtos duráveis.
§ 1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do
produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2°
Obstam a decadência:
I - a
reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de
produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser
transmitida de forma inequívoca;
III - a instauração
de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial
inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito (sem grifo no
original).
No caso em
apreço, infere-se das provas constantes nos autos, em especial a testemunhal,
que os problemas surgidos no piso foram prontamente comunicados à empresa ré, a
qual inclusive determinou que seus funcionários averiguassem a reclamação.
Nesse sentido, declararam Luzia Kowalski da Silva e Cleunice Alves Cavani às fls.
93/94.
Além disso,
conforme já decidido por esta egrégia Corte de Justiça: "Tem
o consumidor o prazo de 90 (noventa) dias para reclamar eventuais defeitos de
produtos duráveis e de fornecimento de serviços, a
contar da entrega efetiva do produto ou do término dos serviços. A reclamação
formulada pelo consumidor, a que alude o inciso I do § 2º do art. 26 do CDC,
não precisa ser, necessariamente, por escrito" (AI n.º 2006.037599-8, Des.
Fernando Carioni, com votos vencedores, deste relator
e do Des. Sérgio Izidoro Heil).
Logo,
diante da inexistência de melhor prova em contrário (art. 333, II, do CPC),
deve-se afastar a preliminar ora aventada.
2.Inicialmente, há que se reconhecer a relação de consumo
existente entre as partes, as quais se enquadram no conceito de consumidor e
fornecedor de serviços, estatuídos nos artigos 2º e 3º, respectivamente, do
Código de Defesa do Consumidor. Prescrevem mencionados dispositivos que "consumidor
é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final", e que "fornecedor é toda pessoa física ou
jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços".
No caso em
apreço, resta incontroverso nos autos que o autor, na data de 7.1.2002,
adquiriu da empresa ré
Todavia,
sustenta o autor que, apesar da garantia de cinco anos fornecida, o piso
começou a se desprender do chão.
Desta
forma, cinge-se o mérito recursal, tão somente, na análise da responsabilidade
da empresa ré acerca dos serviços prestados, razão pela qual mister se impõe a análise da prova testemunhal produzida:
Que a
depoente é vizinha do autor desde quando colocaram o piso na casa do autor; que
toda a vizinhança comentava do problema do piso do autor; que a depoente estava
pensando em construir e por isso foi na casa do autor ver o piso; que o piso
estava levantando e descolando; que o piso existia em toda a casa menos nos banheiros;
que a esposa do autor demorou dois meses para reclamar do problema; que a
empresa Decorama foi quem fez o serviço; que não sabe
se o piso estava úmido por baixo (...) que a esposa do autor procurou
por várias vezes a requerida para tratar do problema; que assim que o problema
começou a esposa do autor telefonou para a empresa (Luzia Kowalski da Silva, fl. 93 - sem grifo no original).
Que a
depoente é vizinha do autor; que estavam construindo na mesma época que o
autor; que a depoente viu a colocação do piso na casa do autor, isto há uns
seis anos atrás, que dois ou três meses depois disto a
esposa do autor lhe chamou para mostrar os problemas do piso, que o mesmo
estava levantando, fazendo ondulações e as pontas estavam deslocando; que a
esposa do autor comentou que estava esperando a requerida para o conserto;
que depois de algum tempo a esposa do autor lhe disse que iria tomar as medidas
cabíveis (...) que a esposa do autor procurou a requerida logo após aparecer
o problema; que o piso foi colocado em toda a casa, com exceção dos banheiros
(...) que na época que aconteceram os problemas a depoente era vizinha do autor
(Cleunice Alves Cavani, fl.
93 - sem grifo no original).
Que o
depoente trabalhava na época dos fatos para a requerida, bem como trabalha até
esta data; que foi o depoente quem fez a colocação do piso na casa do autor;
que a empresa sempre alerta as pessoas de que o piso pode dar problemas de
umidade; que isto se dá quando não existe um isolamento do concreto. que acha que a casa do autor não tinha este isolamento, pois
constatou a umidade do piso na residência do mesmo; que recebeu a comunicação
do problema pela esposa do autor, um ano e meio depois da colocação do piso;
que o depoente constatou pessoalmente a umidade do piso; que não conseguem dar
garantia quando apresenta esse problema de umidade (...) que deixou claro ao
autor que não davam garantias no caso de umidade no piso, que foram na casa do
autor, retiraram algumas placas que já continha bolinhas de água e colocaram
novamente; que foi duas vezes na casa do autor, sendo uma para a retirada das
placas e outra para a colocação (...) que não fez nenhum exame no concreto
(Antonio Cesar Leal, fl. 95).
Que o
depoente trabalhava na empresa requerida naépoca que
venderam os azulejos ao autor (...) que sempre alerta os compradores sobre o
problema de umidade dos pisos; que perguntaram ao autor se tinha feito
isolamento; que falaram para o autor sobre o risco de colocar o piso sem
isolamento; que o depoente chegou a ir uma vez na casa do autor e constatou água debaixo de uma
placa de piso (...) que foi depois de um ano e meio que o autor veio a procurar
os seus direitos na empresa requerida; que o instalador substituiu alguns pisos porém alertou de que não iria adiantar em razão da umidade (...)
que não foi vistoriada a obra no momento em que foi construída; que o próprio
autor lhe disse que não tinha feito o isolamento; que foi o próprio depoente
quem tirou a medida da casa; que existe aparelho para medir a umidade, porém
não levou até a casa do autor; que verificou manchas com indícios de umidade no
piso (Marcelo Marcos, fl. 96 - sem grifo no original).
Para
corroborar, infere-se da perícia técnica realizada pelo autor que:
Da
preparação do piso: para a aplicação do piso descrito acima em dependências
térreas é necessário primeiramente se impermeabilizar o pavimento a fim de que
a umidade por capilaridade não venha a comprometer a qualidade desejada.
Da
regularização: após certificado da ausência de umidade
no contra piso, é comum ser aplicado uma capa fina executada com cola branca
misturada ao pó de cimento a este ser regularizado com desempenadeira de aço,
com a finalidade de se obter uma superfície lisa e homogênea.
Da aplicação:as placas de piso devem ser coladas com cola de
contato (amarela) aplicadas sobre o piso curado e sobre a placa assentadas e
pressionadas para garantir a sua fixação.
Do
parecer: no caso específico identificamos falhas nos três itens descritos,
apesar de não haver impermeabilizado o contra piso não se verificou umidade do
mesmo. Da regularização, apesar de ter sido executada, a mesma não apresenta uma superfície lisa, apresentado imperfeições para o piso
acabado. Da aplicação, as placas foram coladas com cola branca não indicado
para a produto, sendo este o principal fator para o
seu deslocamento.(fl. 31, sem grifo no original).
Nesses
termos, em que pese a veemente tese defendida pela empresa ré acerca da culpa
exclusiva do autor pelo ocorrido, observa-se, em verdade, que o deslocamento
das placas ocorreu pela má prestação do serviço, uma vez que não foi observado na hipótese as técnicas exigidas, a exemplo do tipo
de cola a ser utilizado.
A umidade
proveniente do solo, ainda que viesse a corroborar o deslocamento do piso, era
fato já previsto pela empresa ré, razão pela qual deveria adotar maiores
cautelas na sua impermeabilização, não se prestando a isentá-la de qualquer
responsabilidade a ressalva constante no documento de fl. 13, ou mesmo a prévia
advertência ao consumidor, parte hipossuficiente
desta relação.
Ademais, o
próprio funcionário da ré afirmou categoricamente que "não foi
vistoriada a obra no momento em que foi construída" e "que
existe aparelho para medir a umidade, porém não levou até a casa do autor"
(fl. 96), circunstância esta que evidencia notável descaso para com o
consumidor.
A
propósito, como bem consignou o Magistrado a quo: "a requerida é responsável pela má prestação
do serviço, porquanto seus funcionários, ainda que detentores do conhecimento
acerca da umidade que aparentava existir no solo da residência do autor, sequer
se acautelaram quanto a isto, haja vista que, inobstante a existência de
aparelho para a sua constatação, conforme exposto pela testemunha Marcelo (fl.
96), não o utilizaram, restringindo-se a avisar eventual problema, não
formalizando os requisitos necessários à instalação do produto vendido pela ré"
(fl. 117).
Nesses
termos, deve a respeitável sentença ser mantida nos seus exatos termos.
3. Com
relação a sucumbência recíproca (art. 20, § 4º, do
CPC), tendo em vista ter o autor decaído de pequena parte de seus pedidos, deve
esta ser mantida nos percentuais estipulados na sentença, quais sejam: 80%
(oitenta por cento) para a ré e 20% (vinte por cento) para o autor.
4. Ante o
exposto, vota-se no sentido de afastar a preliminar e, no mérito, negar
provimento ao recurso.
DECISÃO
Nos termos
do voto do relator, à unanimidade, afastaram a preliminar e, no mérito, negaram
provimento ao recurso.
Participaram
do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta e Henry Goy Petry Júnior.
Florianópolis,
8 de setembro de 2009.