CARTÃO DE CRÉDITO

 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE E CDC ELETRÔNICO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INCIDÊNCIA NAS RELAÇÕES ENVOLVENDO INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - SÚMULA 297 DO STJ - REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - POSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 6º, V, E 51, E SEUS §§, DO CDC e 421 e 422, DO CÓDIGO CIVIL.

"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula 297, do STJ), pelo que, afetado ao consumidor o direito público subjetivo de obter da jurisdição "a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas", bem como a declaração de nulidade das que se apresentem nulas de pleno direito, por abusividade, ou não assegurem o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes, possível é a revisão dos contratos, visto a legislação consumerista ter relativizadoo princípio pacta sunt servanda.

Essa possibilidade de revisão se insere nos princípios também consagrados pelo Código Civil vigente, de condicionar a liberdade de contratar "em razão e nos limites da função social do contrato", obrigando que os contratantesguardem, "assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé" (arts. 421 e 422).

CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE (CHEQUE ESPECIAL) - JUROS REMUNERATÓRIOS - PREVISÃO DE JUROS SEM A TAXA PREVIAMENTE DEFINIDA - LIMITAÇÃO DOS JUROS À MÉDIA DE MERCADO (ARTS. 112 E 113 DO CC/02) - POSSIBILIDADE - ADESÃO DESTA CÂMARA AO ATUAL ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO PROVIDO NO PONTO.

Ainda que se tenha como nula cláusula contratual que "não elege qualquer elemento externo como mecanismo de controle dos juros a serem praticados ... Não há como limitar os juros ao patamar legal. Em primeiro lugar, porque esse limite não é oponível às instituições financeiras, consoante a jurisprudência pacífica desta Corte. Em segundo lugar, porque, nos termos do art. 112 do CC/02, é necessário interpretar os negócios jurídicos tendo em vista a intenção das partes ao firmá-los. Essa intenção, nos termos do art. 113, deve ter em conta a boa-fé, os usos e os costumes do local da celebração do contrato.

Ora, a melhor forma de adequar a contratação aos usos e costumes do local é limitando a taxa de juros, não ao percentual fixado na Lei de Usura, mas à média cobrada pelas instituições financeiras em operações da espécie. Ou seja, a média de mercado. Esses são os usos e costumes, e é essa a solução que recomenda a boa fé" (STJ, REsp n. 715.894/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi).

CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS (CDC ELETRÔNICO) - JUROS REMUNERATÓRIOS - LIMITAÇÃO COM FUNDAMENTO NA TAXA SELIC E NA REDAÇÃO DOS ARTS. 406 E 591 DO CÓDIGO CIVIL - OBSERVÂNCIA DO ENUNCIADO DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DO TJSC - CRITÉRIO PARA AFERIÇÃO DA ABUSIVIDADE DAS TAXAS - SÚMULA VINCULANTE N. 7 DO STF - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Com o objetivo de uniformizar entendimento a fim de evitar perplexidade do jurisdicionado ante decisões díspares dentro no mesmo Tribunal, sobre a mesma matéria, e, também, não frustrar o destinatário da prestação jurisdicional com expectativas que não são agasalhadas pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (Súmula nº 648), e do Superior Tribunal de Justiça (súmula nº 296), passíveis de, naquelas Cortes, serem aplicadas monocraticamente, o Órgão, aderindo ao enunciado nº I, homologado pelo Grupo de Câmaras de Direito Comercial, em nova orientação, passou a aplicar o entendimento de que, "Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12 % (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil".

Esse critério exige, ainda que não se possa com ele comungar, postura também de submissão tanto ao sumulado sob n. 648, do Excelso Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "a norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar", bem como a Súmula de n. 596, que preceitua que "as disposições do Decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional", e já agora à Súmula Vinculante n. 7, no mesmo sentido.

CONTRATO DE EMPRÉSTIMO (CDC ELETRÔNICO) - PEDIDO DE EXIBIÇÃO DO INSTRUMENTO FIRMADO ENTRE AS PARTES - DOCUMENTO COMUM AOS LITIGANTES - OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - DESCUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL - INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 359 DO CPC - ADMISSÃODA VERACIDADE DOS FATOS QUE A AUTORA PRETENDIA PROVAR - LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA LEGAL, DIANTE DA AUSÊNCIA DE COMPROVADA PACTUAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO.

As instituições bancárias, como parte mais forte da relação de consumo, têm obrigação de apresentar sempre que solicitadas, todas as informações relativas aos documentos dos contratos firmados com seus clientes, por ser direito básico do consumidor.

Assim, ante a insistente recusa da instituição financeira, quando devidamente intimada para tanto, em apresentar o instrumento contratual, que permitiria ao juízo equacionar com maior segurança a relação contratual sub judice, reputam-se como verdadeiros os fatos alegados pela Autora na exordial, a teor do disposto no art. 359 do CPC, pois não há como exercer julgamento objetivo das cláusulas contratuais frente à falta de parâmetros de abusividade e ausência de pactuação dos encargos.

Em tal situação, deve ser mantida a limitação dos juros remuneratórios à taxa legal, conforme pleiteado na inaugural e determinado na decisão recorrida.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA REFORMADA - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - REDISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - EXEGESE DO DISPOSTO NO ART. 21, CAPUT, DO CPC.

Na distribuição da sucumbência de modo proporcional entre os litigantes, face a derrota recíproca das partes em suas pretensões (art. 21, caput, do CPC), os honorários advocatícios serão fixados de acordo com os parâmetros do art. 20, § 3º, alíneas "a", "b" e "c", do CPC.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.001282-8, da comarca de Porto União (1ª Vara), em que é apelante Banco do Brasil S/A, e apelada Vera Lúcia Scheibe Lopes:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Perante o juízo da 1ª Vara da comarca de Porto União, Vera Lúcia Scheibe Lopes promoveu ação revisional contra Banco do Brasil S/A, informando que celebrou com o Demandado contrato de abertura de crédito em conta corrente n. 7.337-7, sendo que desde a data de 22.01.2001 utiliza o limite de crédito disponibilizado em sua conta e, para a cobertura do saldo negativo, o Requerido propiciou à Autora três contratos de empréstimos CDC n.ºs 0452263, 610156719 e 611154190.

Disse que, em razão dos juros cobrados de forma capitalizada pelo Banco, procurou uma empresa especialista na qual realizou uma perícia contábil, onde foi constatada a abusividade dos encargos pretendidos pelo mesmo.

Requereu, portanto, a inversão do ônus da prova para que o Banco apresente os contratos firmados entre as partes; que fossem declaradas nulas as cláusulas que importem em cobrança de juros superiores à Taxa Selic, de capitalização mensal dos juros, da comissão de permanência cumulada com multa moratória, o índice de correção monetária diverso do INPC e a multa contratual superior a 2%.

Pleiteou, ainda, pela concessão de tutela antecipada para que o Banco abstenha-se ou cancele a inscrição do seu nome nos cadastros de proteção ao crédito, sob pena de multa diária para o caso de inadimplemento, bem como para que o mesmo se abstenha de efetuar os débitos mensais na sua conta corrente, referente aos contratos n.ºs 610156719 e 611154190, o que foi deferido.

O Banco apresentou contestação alegando que a documentação acostada aos autos é inconteste do pactuado entre as partes, ato jurídico perfeito e praticado de livre e espontaneamente pelas partes, sendo incoerente a vinculação do contratado ao Código de Defesa do Consumidor. Argumenta que os juros remuneratórios estão fora do limite estipulado pela Lei de Usura e pelo disposto no art. 192, § 3º, da Constituição Federal, bem como seus encargos moratórios.

Réplica às fls. 216-224.

Por sentença, o MM Juiz de Direito julgou procedente o pedido da Autora para declarar nulas as cláusulas contratuais que importem na fixação de juros superiores aos estabelecidos na Taxa Selic, na forma do art. 406 e 591 do Código Civil/2002, na capitalização mensal de juros, na cobrança de comissão de permanência cumulada com correção monetária, na aplicação de índices de correção monetária diversos do INPC e da cobrança de multa moratória superior à 2%, bem como condenou a parte requerida ao pagamento do valor de R$ 213,84 (duzentos e treze reais e oitenta e quatro centavos), devidamente corrigidos desde a propositura da ação e acrescidos de juros na forma do art. 406 do Código Civil, estes a contar da citação. Manteve os efeitos da liminar concedida à título de tutela antecipada, bem como no sentido de determinar à parte requerida para que se abstenha de efetuar os débitos mensais decorrentes dos contratos aqui discutidos na conta corrente da Autora. Condenou o Banco ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no valor de 03 (três) salários mínimos.

Irresignado, o Banco apelou alegando que a documentação acostada aos autos é inconteste do pactuado entre as partes, ato jurídico perfeito e praticado de livre e espontaneamente pelas partes, sendo incoerente a vinculação do contratado ao Código de Defesa do Consumidor. Argumentou que os juros remuneratórios estão fora do limite estipulado pela Lei de Usura e pelo disposto no art. 192, § 3º, da Constituição Federal.

Foram apresentadas contra-razões.

Neste grau de jurisdição, a colenda Terceira Câmara de Direito Comercial converteu o julgamento em diligência para que o Banco apresentasse, no prazo de 10 (dez) dias, o contrato de abertura de crédito rotativo em conta corrente n. 7.337-7 e o contrato de empréstimo CDC n.º 0452263, sob pena da aplicação do art. 359 do Código de Processo Civil.

O Banco apresentou os documentos de fls. 291-367 e 381-387, e pugnou pela alteração da titularidade passiva dos presentes autos haja vista que a Instituição Financeira cedeu o crédito representado pelos referidos contratos à empresa Ativos S/A Securitizadora de Créditos Financeiros.

Devidamente intimada, a Autora manifestou-se contrariamente à substituição processual e impugnou os documentos trazidos pelo Banco.

É o relatório.

VOTO

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos negócios bancários

Argumentou o Banco que a documentação acostada aos autos é inconteste do pactuado entre as partes, ato jurídico perfeito e praticado de livre e espontaneamente pelas partes, sendo incoerente a vinculação do contratado ao Código de Defesa do Consumidor.

No tocante a possibilidade de sua incidência nas relações envolvendo instituições financeiras, anoto dispor o § 2º do art. 3º da Lei Consumerista que "Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO, aponta que "(...) as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, quer na prestação de serviços aos seus clientes (por exemplo, cobrança de contas de luz, água e outros serviços, ou então expedição de extratos etc.), quer na concessão de mútuos ou financiamentos para a aquisição de bens, inserem-se igualmente no conceito amplo de serviços. Aliás, o Código fala expressamente em atividade de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, aqui se incluindo igualmente os planos de previdência privada em geral, além dos seguros propriamente ditos, de saúde, etc..." (grifos no original).

Valendo-se do ensinamento de FÁBIO ULHÔA COELHO: traz a lume que "Considera-se bancário o contrato cuja função econômica se relaciona com o conceito jurídico de atividade bancária, preceituado no art. 17 da Lei nº 4.595/64. Por atividade bancária, entende-se a coleta, intermediação em moeda nacional ou estrangeira. Esse conceito abarca uma gama considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação ou administração do crédito.Estabelecendo-se paralelo entre a atividade bancária e a industrial, pode-se afirmar que a matéria-prima do banco e o produto que ele oferece ao mercado é o crédito, ou seja, a instituição financeira dedica-se a captar recursos junto a clientes (operações passivas) para emprestá-los a outros clientes (operações ativas)". Bem como que, "Em relação às operações típicas, como a aceitação de dinheiro em depósito, concessão de empréstimo bancário, aplicação financeira e outras, o banco presta serviço a clientes seus, podendo classificá-los (de acordo com conceitos próprios da atividade bancária, como o da reciprocidade) para fins de liberar tratamento preferencial ou atendimento especial a certa categorias de consumidores" .

De JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES transcreve que "É fora de dúvida que os serviços financeiros, bancários e securitários encontram-se sob as regras do Código de Defesa do Consumidor. Não só existe disposição expressa na Lei nº 8.078/90 sobre o assunto (art. 3º, § 2º), como a história da defesa do consumidor o confirma, quando verificamos que a proteção aos tomadores de crédito ao consumo foi das primeiras a ser criada. De outro lado, nas relações das instituições financeiras com seus "clientes" podem-se ver duas categorias de agentes: os tomadores de empréstimos (mutuários) e os investidores (depositantes)".

E conclui: "Diante dessas ponderações, por conseguinte, e conforme a síntese elaborada por Nelson Nery Jr., caracterizam-se os serviços bancários como relações de consumo em decorrência de quatro circunstâncias, a saber:a) por serem remunerados;b) por serem oferecidos de modo amplo e geral, despersonalizado;c) por serem vulneráveis os tomadores de tais serviços, na nomenclatura própria do CDC;d) pela habitualidade e profissionalismo na sua prestação" (in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense, 8ª ed., Rio de Janeiro, 2004, pags. 49 a 51).

No Superior Tribunal de Justiça, a matéria restou sumulada, sob o enunciado n. 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

A questão foi pacificada no Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2591, promovida pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif), quando em 07 de junho de 2006 foi, por maioria de votos, foi julgada improcedente a pretensão de ver declarado inconstitucional o § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Dessa maneira, inquestionável a aplicabilidade da legislação consumerista aos contratos envolvendo instituições financeiras.

De outra parte, prevê o art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;(...)".

Seu artigo 51 declara nulas de pleno direito, "entre outras", as cláusulas que discrimina, podendo-se trazer à lume, como ilustração, as que "impliquem renúncia ou disposição de direitos", "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade". Por outro lado, tem como presumida vantagem exagerada quando se revelem pela cláusula ofendidos princípios fundamentais do sistema jurídico, ameaçado o equilíbrio contratual, ou onerosidade excessiva "para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso" (§ 1º).

É um rol que não é exaustivo, "podendo o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, entender ser abusiva, e portanto, nula, determinada cláusula contratual. Está para tanto autorizado pelo caput do art. 51, do CDC, que diz serem nulas, "entre outras", as cláusulas que menciona", como observa NELSON NERY JÚNIOR (in Código de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, Forense Universitária, 8ª edição, 1ª reimpressão, 2005, pags. 517 e 518).

Dessa forma, afetado o direito público subjetivo de o consumidor obter da jurisdição a declaração de nulidade de cláusula contratual que contrarie dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, ou que "não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes", possível é a revisão dos contratos, visto a legislação consumerista ter relativizadoo princípio pacta sunt servanda.

Não significa isso a morte dos contratos, pois, como bem explicita o Autor supra invocado, "o contrato não morreu nem tende a desaparecer. A sociedade é que mudou, tanto do ponto de vista social como do econômico e, conseqüentemente, do jurídico". E, "Atento a essa nova realidade, O Código de Defesa do Consumidor tem o propósito de instituir uma mudança de mentalidade no que respeita às relações de consumo, que tem de ser implementada por todos aqueles que se encontram envolvidos nessas relações, notadamente o fornecedor e o consumidor. O novo regime contratual das relações de consumo tem visível compromisso com a modernidade, de modo a fazer com que as constatações e previsões pessimistas sobre a "morte do contrato" não se concretizem" (opus cit., pag 503).

Essa possibilidade de revisão dos contratos se insere nos princípios também consagrados pelo Código Civil vigente, de condicionar a liberdade de contratar "em razão e nos limites da função social do contrato", obrigando que os contratantesguardem, "assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé" (arts. 421 e 422).

Tal visão não é nova na Doutrina e na própria Legislação Brasileira, pois, como já observava VICENTE RAO, "a ordem econômica contemporânea, caracterizada pelo progresso das ciências aplicadas e da técnica, com suas conseqüentes concentrações de capitais, a produção em massa dos bens de consumo e correlativos problemas do trabalho, bem assim o fenômeno das grandes aglomerações urbanas e, ainda, os abusos do mercado monetário, criaram ou acentuaram situações de desigualdade condenadas pela justiça distributiva, por prejudiciais ao equilíbrio social. Daí a legislação especial que veio amparar, preventiva e repressivamente, a situação econômica dos consumidores, trabalhadores, locatários, devedores, etc., vedando ou impondo limites a certas vantagens econômicas dos produtores, vendedores, patrões, locadores, credores, etc. Mas, essas leis proibitivas ou restritivas nem sempre dizem respeito ao conflito entre os elementos volitivos e a declaração, isto é, nem sempre partem do pressuposto da existência de um contraste entre a vontade real e a vontade declarada nos casos de violação de seu preceitos: o conflito ou contraste se caracteriza, juridicamente, dentro da autonomia normal da vontade, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, ao passo que a acenada legislação protetora preestabelece limitações especiais a serem, necessariamente, observadas na celebração de determinados contratos, sob pena de invalidade das declarações de vontade que as infringem".

Complementando que, "é ainda um fundamento ético o que justifica a proteção dispensada por lei à parte que, nas relações contratuais, se apresenta em situação de inferioridade econômica. Convém, todavia, observar, desde logo, que essa proteção assume, mais das vezes, a figura de uma disciplina especial de certas relações, imposta por normas de ordem pública, ou imperativas, que limitam a autonomia da vontade. De intervenção do Estado nos contratos não falamos porque esta fórmula, imprópria, poderia sugerir conceitos de participação, ou gestão, ou privilégio do estado na ordem econômica, que matéria é de natureza diversa. É o ordenamento jurídico que semelhante proteção dispensa, através de normas cogentes, não para substituir os indivíduos pelo Estado, nem para atribuir a este a função de dirigir atividades econômicas individuais, ou grupais, mas para proteger, em determinadas relações a parte economicamente mais fraca" (in ATO JURÍDICO, 1ª edição, 3ª tiragem, Max Limonad, São Paulo, 1961, pags. 247 a 249, grifo no original).

Assim, a revisão contratual é de prosperar, sempre que revelada na relação processual uma das hipóteses do Código de Defesa do Consumidor, ou ofendidos princípios que a Legislação Civil determina se observem nas relações contratuais.

Dos juros remuneratórios

Disse o Banco que os juros remuneratórios estão fora do limite estipulado pela Lei de Usura e pelo disposto no art. 192, § 3º, da Constituição Federal.

O magistrado de 1º grau, por sentença, acolheu o pedido da Autora e declarou nula a cláusula contratual que importe na fixação de juros superiores aos estabelecidos na Taxa Selic (fl. 238).

Esta colenda Câmara possui entendimento de que não é aplicável a Taxa SELIC aos negócios bancários, porquanto se trata de indexador flutuante que contêm, além dos juros de mora, correção monetária e fator de neutralização da inflação (Apelação Cível n. 2004.032546-1 de relatoria, Des. Gastaldi Buzzi e Apelação Cível n. 2003.022384-3 de relatoria, Des. Alcides Aguiar).

Destarte, o cálculo da taxa SELIC é efetuado sobre os juros cobrados nas operações de alienação de títulos públicos negociados em operações com cláusula de compromisso de recompra, refletindo a remuneração dos investidores na aquisição dos referidos documentos, constituindo, assim, índice flutuante que não reflete os juros reais decorrentes da mora, sendo incabível sua aplicação como encargo oriundo do inadimplemento das relações negociais entre particulares, sob pena de se aplicar, como juros moratórios, encargo de natureza diversa.

O Código de Defesa do Consumidor, por meio dos arts. 6°, V; 39, V; 51, IV e 52, possibilita que o Poder Judiciário defina regras de eqüidade para implantar ou restabelecer o equilíbrio na relação entre os bancos e seus clientes, quando estes se sintam em desvantagem exagerada.

A busca dessa eqüidade recomenda que o limite da Taxa SELIC dê lugar a outro relacionado com as taxas médias de mercado, divulgadas pelo BACEN, sem representar perda para o credor ou onerosidade para o devedor.

Por isso, apresenta-se adequada a aplicação da taxa de juros remuneratórios, limitada à taxa média de juros de mercado, divulgada pelo BACEN, aproximando-se assim da previsão contratual autorizada pela instituição demandada, sendo, portanto, impossível e inadequado o uso da Taxa SELIC.

Sobre o tema, o Superior do Tribunal de Justiça já se manifestou:

"Bancário. Agravo no recurso especial. Ação revisional. Contrato de financiamento com garantia fiduciária. Taxa de juros remuneratórios. Comissão de permanência. Limitação pela Taxa Selic. Impossibilidade. Descaracterização da mora. Inscrição em cadastro de inadimplentes.

- Este Tribunal já decidiu que a Selic não representa a taxa média praticada pelo mercado, sendo, portanto, inviável sua utilização como parâmetro de limitação de juros remuneratórios e comissão de permanência" (AgRg no REsp 958662 / RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, j. em 25/09/2007, DJ 08.10.2007 p. 282).

"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO (TAXA SELIC). IMPOSSIBILIDADE. INSCRIÇÃO EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. PREVISÃO LEGAL. LICITUDE. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. ANUALIDADE. ART. 591 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INAPLICABILIDADE. ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001). LEI ESPECIAL. PREPONDERÂNCIA.

I. Não se aplica a limitação de juros remuneratórios à variação da Taxa SELIC aos contratos bancários não normatizados em leis especiais, sequer considerada excessivamente onerosa a taxa média do mercado. Precedente uniformizador da 2ª Seção do STJ" (REsp 915572/RS, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, j. em 07/02/2008, DJe 10.03.2008).

Esta Corte já decidiu:

"(...) RECLAMO DA AUTORA ALMEJANDO A REFORMA DO DECISUM PARA ESTABELECER A TAXA SELIC COMO ENCARGO CORRESPONDENTE AOS JUROS MORATÓRIOS, A CONTAR DA ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO CIVIL (LEI 10.406/02) - ACOLHIMENTO PARCIAL DA INSURGÊNCIA UNICAMENTE PARA ELEVAR O ALUDIDO INDEXADOR AO PERCENTUAL DE 1% AO MÊS NO PERÍODO PRETENDIDO - APLICABILIDADE CONJUNTA DO ART. 406 DO REFERIDO ESTATUTO, CUMULADO COM O ART. 161, § 1º, DO CTN - PRECEDENTES DA CÂMARA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...)." (Apelação Cível n. 2004.032546-1, rel. Des. Gastaldi Buzzi, j. em 01.09.2005).

Portanto, incabível a limitação dos juros remuneratórios com base na Taxa Selic.

Passo, assim, à análise dos contratos individualmente.

O contrato de abertura de crédito em conta corrente - cheque especial n.º 7337-7, prevê em sua cláusula "Quinta" que, "Sobre os saldos devedores diários, verificados na conta vinculada ao crédito concedido, incidirão juros à taxa praticada pelo Banco nas operações da espécie - as quais serão divulgadas por meio de extratos de contas correntes, internet (www.bb.com.br) e tabela afixada nas dependências do Banco - (...)." (fl. 302).

Tenho significar isso que o contrato estabeleceu taxa flutuante, acompanhando o padrão praticado como média de mercado, mês a mês.

Como anota EDUARDO SALOMÃO NETO, "por meio do contrato de abertura de crédito, uma parte, dita creditante, compromete-se a desembolsar recursos em favor de outra, designada creditada, gerando os desembolsos crédito sujeito a remuneração financeira a ser paga em favor do creditante", sendo que o em exame é o da modalidade, abertura de crédito em conta corrente, no qual "pagamentos parcial restauram o valor do crédito aberto, e permitem saques adicionais", e tanto quanto na modalidade dita simples, "os saques podem ser efetuados em uma ou mais vezes" (Direito Bancário, 1ª edição, Editora Atlas, 2005, pag. 212).

É portanto um crédito colocado à disposição do correntista, que poderá, se assim desejar, utilizá-lo, quando, no montante e quantas vezes desejar, dentro no limite aberto, e no prazo de vigência da contratualidade.

Não vislumbro postestatividade ou abusividade na cláusula, pois o correntista utiliza o crédito que lhe foi previamente disponibilizado, se quiser e concordar com a taxa de juros vigente à data do saque ou emissão de cheque, sem ter fundos próprios para cobertura, ensejando ao banco o desembolso para possibilitar sejam aqueles honrados.

Observo ainda que, se a Súmula 294, do Superior Tribunal de Justiça não tem como potestativa cláusula pactuada que prevê comissão de permanência à taxa média de mercado, e, a de número 296, admite possibilidade de juros remuneratórios, com aquela não cumuláveis, também à taxa média de mercado, desde que não superiores à contratada, a estipulação contratual em exame de incidência das taxas vigentes à data da utilização do crédito, se apresenta coerente com aquelas diretrizes, pelo que não a recebo como potestativa, especificamente aqui, quando a relação contratual refere-se a crédito rotativo.

Não se apresenta, sob essa ótica, taxa não estabelecida em contrato, mas a especificação de taxa variável, possível de ser convolada tanto em contrato de cartão de crédito, CDC automático ou cheque especial, pelo que extraio do V. Acórdão da lavra de Sua Excelência o Senhor Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, quando, em hipótese símile, assentou que, "ainda que pactuados os juros em percentual variável, o que não representa irregularidade alguma, porque essa circunstância é inerente às aberturas da crédito rotativo, são válidos os juros apresentados pela instituição financeira, que sofrem influência de diversos fatores que atuam na atividade bancária, internos e externos. Além disso, também se torna impraticável o estabelecimento de percentual fixo, pois uma eventual variação para baixo deixaria de beneficiar o usuário" (STJ - Ag.Rg. no Resp. 622054, j. 1º.06.04).

E esse tipo de avença mais se afirma compatível quando, como a espécie de contrato em exame, se acordou prorrogação automática da avença para o correntista utilizar, ou não o crédito que foi-lhe disponibilizado previamente.

Entretanto, sob outro ângulo, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n.º 715.894-PR, em Segunda Seção, pela Relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI pacificou o entendimento de ser nula cláusula contratual que "não elege qualquer elemento externo como mecanismo de controle dos juros a serem praticados". E nessas condições, "Não há como limitar os juros ao patamar legal. Em primeiro lugar, porque esse limite não é oponível às instituições financeiras, consoante a jurisprudência pacífica desta Corte. Em segundo lugar, porque, nos termos do art. 112 do CC/02, é necessário interpretar os negócios jurídicos tendo em vista a intenção das partes ao firmá-los. Essa intenção, nos termos do art. 113, deve ter em conta a boa-fé, os usos e os costumes do local da celebração do contrato".

E continua o assentado, "Ora, a melhor forma de adequar a contratação aos usos e costumes do local é limitando a taxa de juros, não ao percentual fixado na Lei de Usura, mas à média cobrada pelas instituições financeiras em operações da espécie. Ou seja, a média de mercado. Esses são os usos e costumes, e é essa a solução que recomenda a boa fé".

O Julgado restou sumulado nos seguintes termos:

"Direito bancário. Contrato de abertura de crédito em conta corrente. Juros remuneratórios. Previsão em contrato sem a fixação do respectivo montante. Abusividade, uma vez que o preenchimento do conteúdo da cláusula é deixado ao arbítrio da instituição financeira (cláusula potestativa pura). Limitação dos juros à média de mercado (arts. 112 e 113 do CC/02). Art. 6º da LICC. Questão constitucional. Honorários advocatícios. Ação condenatória. Estabelecimento em valor fixo. Impossibilidade. Necessidade de observância da regra do art. 20, § 3º, do CPC.

- As instituições financeiras não se sujeitam ao limite de 12% para a cobrança de juros remuneratórios, na esteira da jurisprudência consolidada do STJ.

Na hipótese de o contrato prever a incidência de juros remuneratórios, porém sem lhe precisar o montante, está correta a decisão que considera nula tal cláusula porque fica ao exclusivo arbítrio da instituição financeira o preenchimento de seu conteúdo. A fixação dos juros, porém, não deve ficar adstrita ao limite de 12% ao ano, mas deve ser feita segundo a média de mercado nas operações da espécie. Preenchimento do conteúdo da cláusula de acordo com os usos e costumes, e com o princípio da boa fé (arts. 112 e 133 do CC/02).

...".

Observo que esse Julgado é de 26.04.2006, e publicado no Diário da Justiça de 19.03.2007, em decisão por maioria.

Contudo, a divergência foi tão só quanto à nulidade da cláusula consignando o Ministro ARI PARGENDLER :

"Fico vencido por entender que a cláusula de flutuação de juros no contrato de abertura de crédito, modalidade de "cheque especial", é uma exigência da natureza do contrato, via de regra por prazo indeterminado e de longa duração.

Nada tem a ver com a potestatividade pura, a única vedada pela lei.

O uso do "cheque especial" constitui responsabilidade do tomador do empréstimo, que tem a obrigação de consultar as taxas da instituição financeira antes de se socorrer dela, sabido que o dinheiro tem um custo.

O perigo da solução adotada pela maioria da Segunda Seção é o de que se todas as instituições financeiras adotarem a taxa média do mercado nos contratos de "cheque especial" a referência será perdida; a taxa média de mercado supõe a diversidade de taxas".

E o MinistroHUMBERTO GOMES DE BARROS entendeu que:

" ... trata-se de um contrato semelhante ao cheque-ouro, em que o banco abre o crédito que é rotativo. Ora, creio que a solução neste caso, se o pacto é insatisfatório, é não utilizá-lo. Fosse algo compulsório, o autor seria obrigado a usar o contrato. Aí, sim, haveria abuso a ser corrigido. No caso, entretanto, se o contrato é insatisfatório, que o tomador não o utilize. Não vejo como intervir em contrato que foi firmado, livremente, entre duas pessoas jurídicas.

Realmente não alcanço como obrigar uma das pessoas jurídicas a permanecer nesse contrato, com uma cláusula que pode ser lesiva para ela. Não enxergo por traz do banco, apenas, o banqueiro, e sim os fundos de pensão que investem nesses bancos. É preciso que vejamos isso como um conjunto de situações".

Complementou que

"não se tratando de uma utilização compulsória, fico vencido na minha posição, pois entendo que não há interesse em reformar essa cláusula, porque a utilização desse crédito rotativo não é compulsório".

O assentado, que foi em Segunda Seção, alterando o Posicionamento daquela Corte, tem sido adotado em decisões monocráticas.

Como exemplo, confiro na do REsp 913927-MG, da Lavra do Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, de 20.03.2007, publicada no DJ de 12.04.2007, que"a Segunda Seção desta Corte, em recente julgamento, datado de 26/04/06, proferido no REsp n.º 715.894-PR, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, decidiu que nos contratos de mútuo, reconhece-se a potestatividade da cláusula que prevê a incidência de juros sobre o débito contraído, sem fixar o respectivo percentual, e que, nessas hipóteses, os juros remuneratórios deverão ser fixados à taxa média praticada pelo mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil".

Também aponta esse rumo a decisão monocrática no REsp 931406-SC, da lavra do Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, de 29.03.2007, publicada no DJ de 11.04.2007, onde resta consignado que "a 2ª Seção, no julgamento do REsp n.º 715.894/PR (Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julg. Em 26.04.2006) entendeu que a ausência do percentual contratado, contraposta pela inequívoca incidência de juros remuneratórios no contrato, autoriza a aplicação da taxa média de mercado para operações da espécie, à época da firmatura do ajuste".

Ademais, à falta de outro critério objetivo aceito pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, para identificação de abusividade, inclusive a não fixação de limites para as taxas de juros pelo Conselho Monetário Nacional, com sustentação na Lei n. 4.595/64, a nova solução que vem sendo adotada por esta Corte, como parâmetro para definição da abusividade dos encargos, é a admissão dos percentuais das taxas contratadas, desde que não superiores às taxas médias de mercados aferidas pelo Banco Central.

Esta Câmara vinha entendendo que, na hipótese em exame, incidiria juros à taxa legal por falta de expressa pactuação.

Contudo, esse posicionamento, a partir do julgamento da Apelação Cível n. 2001.000458-0, em 11.09.2008, restou modificado, adotando-se a posição do Superior Tribunal de Justiça, com ressalva do entendimento pessoal do Eminente Desembargador MARCO AURÉLIO GASTALDI BUZZI.

Sob tais condições, atento ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça e o redirecionamento do desta Terceira Câmara de Direito Comercial, para se afinar, agora, com o daquela Corte de Uniformização de Jurisprudência, admito a incidência dos juros remuneratórios nas taxas praticadas pela Instituição Financeira, desde que não excedam a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, aferida no momento da operação, para o contrato de abertura de crédito em conta corrente - cheque especial n.º 7337-7, pelo que dou provimento ao recurso do Apelante neste ponto.

Quanto aos contratos de empréstimos CDC n. 611154190 e 610156719, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial, na mesma diretriz traçada pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 296, homologou enunciado como norte, a saber:

"I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12 % (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil."

Esse critério exige, para o período de vigência da redação primitiva do art. 192, § 3º, da Constituição Federal, ainda que se não possa com ela comungar, postura também de submissão ao sumulado sob nº648, pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar", e já agora à Súmula Vinculante n. 7 do STF, no mesmo sentido, a fim de se atingir o objetivo de uniformidade jurisprudencial.

Dessa forma, à falta de outro critério objetivo aceito pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, para identificação de abusividade, a nova solução que vem sendo adotada por esta Corte, como parâmetro para definição da abusividade dos encargos, é a admissão dos percentuais das taxas contratadas, desde que não superiores às taxas médias de mercados aferidas pelo Banco Central.

Quanto à aplicabilidade das normas do Código de Defesa do Consumidor na limitação dos juros, a solução não tem obtido acolhida junto ao Superior Tribunal de Justiça, o qual, por ocasião do julgamento do REsp n.º 407.097/RS, j. em 12.03.2003, Rel. Min. Ari Pargendler, após longo debate e declarações de votos, acabou por decidir:

"DIREITO COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, sópode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação. Recurso especial conhecido e provido."

No que se refere às normas restritivas da Lei de Usura para a limitação dos juros remuneratórios, entendo serem inaplicáveis aos contratos regulados por leis especiais, como ocorre nos contratos bancários, aos quais incidem as regras da Lei n.º 4.595/1964, que confere ao Conselho Monetário Nacional a discricionariedade para estabelecer as taxas aplicáveis a essas relações.

Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

"(...) Outrossim, não incide, igualmente, a limitação de juros remuneratórios em 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de abertura de crédito." (Resp. 680.237/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 15.03.2006, p. 211).

"INVIOLADO O ARTIGO 1062 DO CODIGO CIVIL SE O ACORDÃO, AO RECONHECER A EXISTENCIA DE PACTO FIXANDO PERCENTUAL DIVERSO DAQUELE PREVISTO NO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL, DEIXA DE APLICA-LO. A LEI 4.595/64, QUE REGE A POLITICA ECONOMICO-MONETARIA NACIONAL, AO DISPOR NO SEU ART. 4., IX, QUE CABE AO CONSELHO MONETARIO NACIONAL LIMITAR TAXAS DE JUROS, REVOGOU, NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR INSTITUIÇÕES DO SISTEMA FINANCEIRO, QUAISQUER OUTRAS RESTRIÇÕES QUE PREVIAM TETO MAXIMO." (REsp 158471, rel. Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira, j. em 30.04.1998)

É desta Corte:

"Afasta-se o argumento concernente à aplicação da Lei de Usura (Decreto n. 22.626, de 07.04.33) quanto ao patamar para a cobrança do encargo em comento, à vista da Súmula n. 596 do STF:'As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional'.

O STJ, neste aspecto, já ressaltou que em relação "à taxa de juros prepondera a legislação específica, Lei n.o 4.595/64, da qual resulta não mais existir, para as instituições financeiras, a restrição constante da Lei de Usura, devendo prevalecer o entendimento consagrado na Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal." (REsp n. 369.787/RS, Rel. Min. Castro Filho, DJU de 1o.03.04). (Embargos de Declaração em Apelação Cível n. 2003.003385-8/0001.00, de Ibirama, rel. Des. Ricardo Fontes, j. em 31.05.2007).

No autuado constata-se que o contrato de empréstimo CDC n. 611154190 foi celebrado em 20.12.2002, com taxas de juros remuneratórios pactuadas em 5,10% ao mês e 81,64% ao ano, que se apresentam inferiores às taxas médias praticadas no período da contratação (dezembro/2002), as quais, conforme aferido pelo BACEN para operações de crédito pessoal (pessoa física), eram respectivamente de 5,58% ao mês e 91,84% ao ano.

Dessa forma, as taxas pactuadas não afrontando os parâmetros de aferição de abusividade, o apelo, sob esse tópico, merece provimento para mantê-las nos termos pactuados, eis que inferiores aos parâmetros eleitos pela Câmara.

Já quanto ao contrato de empréstimo CDC n. 610156719, este foi celebrado em 22.10.2002, com taxas de juros remuneratórios pactuadas em 5,50% ao mês e 90,12% ao ano, o que se apresentam superiores às taxas médias praticadas no período da contratação (outubro/2002), as quais, conforme aferido pelo BACEN para operações de crédito pessoal (pessoa física), eram de 5,44% ao mês e 88,82% ao ano.

Assim, as taxas contratadas afrontando os parâmetros de aferição de abusividade, o apelo, nesse ponto, merece provimento parcial a fim de limitar os juros remuneratórios em 5,50% ao mês e 90,12% ao ano.

No que tange o contrato de empréstimo CDC n. 0452263, destaco, primeiramente, que conforme se depreende da decisão de fls. 273-279, ao Banco foi determinado que trouxesse aos autos o referido contrato. Contudo, a Instituição Financeira deixou de apresentá-lo.

Ressalto que os contratos celebrados entre as partes são comuns aos litigantes, e, por esse motivo, cabia ao estabelecimento bancário o dever de apresentá-los.

É cediço, que não raras vezes, os bancos privam os consumidores de cópias relativas aos contratos firmados, revelando evidente desídia em bem informá-los quanto às condições contratadas.

Por conseguinte, atentando-se para a particularidade da relação de consumo em viso, mormente considerando que tal documentação muitas vezes não é entregue ao outro contratante e que o banco apresenta melhores condições por manter registros e arquivos mais organizados, a ordem judicial para que a instituição financeira acoste aos autos cópia de todos os documentos relativos às avenças firmadas entre os litigantes é inquestionável.

Ademais, o art. 43 do Código de Defesa do Consumidor garante a todos o direito de "acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele (consumidor), bem como sobre as suas respectivas fontes".

Observo, portanto, que inexistia justificativa para que a instituição financeira deixasse de apresentar o documento, porquanto a informação é direito básico do consumidor, evidenciando-se abusiva a prática que contrarie o pleno exercício deste direito.

O Código de Defesa do Consumidor, aplicável à espécie por se tratar de relação contratual envolvendo instituição bancária (Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça), prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, conforme prescreve:

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(...) VIII - facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."

In casu, a hipossuficiência da Autora, frente à instituição bancária, é evidente.

Portanto, diante do não cumprimento da determinação de fls. 273-279, presume-se que o Banco não tenha informado ao consumidor os encargos que foram cobrados e, por isso, considera-se violada a disposição do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, ante a recusa da instituição financeira em apresentar o instrumento contratual, que permitiria ao juízo equacionar com maior segurança a relação contratual sub judice, reputam-se como verdadeiros os fatos alegados pela Autora na exordial, a teor do disposto no art. 359 do CPC, pois não há como exercer julgamento objetivo das cláusulas contratuais frente à falta de parâmetros de abusividade e ausência de pactuação dos encargos.

Sobre o assunto, há precedente do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO REVISIONAL - INTERLOCUTÓRIA NEGANDO PLEITO VOLTADO À REITERAÇÃO DA ORDEM PARA QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXIBA OS INSTRUMENTOS RELATIVOS À RELAÇÃO MATERIAL SUB JUDICE.

INSURGÊNCIA DA DEMANDANTE - RESISTÊNCIA DA CASA BANCÁRIA EM FORNECER AO JUÍZO A DOCUMENTAÇÃO REPRESENTATIVA DO LIAME CONTRATUAL FIRMADO ENTRE AS PARTES - DESNECESSIDADE DE SUCESSIVAS RENOVAÇÕES DA DETERMINAÇÃO COMPELINDO A EXIBIÇÃO, PORQUANTO VIÁVEL O JULGAMENTO DA CAUSA, MEDIANTE APLICAÇÃO DA SANÇÃO PROCESSUAL ESPECÍFICA PREVISTA NO ART. 359 DO CPC - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS NARRADOS NA EXORDIAL, ARCANDO A RÉ, SE FOR O CASO, COM O ÔNUS DECORRENTE DA INSUFICIENTE INSTRUÇÃO DO FEITO - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (Agravo de instrumento n. 2006.016232-2, de Laguna; Rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, j. em 24.05.2007).

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO EM CONTA CORRENTE - AUSÊNCIA DO CONTRATO ORIGINAL - CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA PARA A SUA JUNTADA PELO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO - NÃO ATENDIMENTO - APLICAÇÃO DO ART. 359, I, DO CPC - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS PELA PARTE ADVERSA" (Apelação cível n. 2002.010802-8, de Criciúma, Rel. Des. Alcides. Aguiar, j. em 28.09.2006).

Desse modo, no contrato de empréstimo CDC n. 0452263, deve ser mantida a limitação arbitrada na decisão recorrida, haja vista o Banco não ter apresentado o contrato revisando e, por isso, suporta as conseqüências do art. 359 do CPC.

Dos honorários advocatícios

Como houve reforma da sentença no que tange à limitação dos juros remuneratórios, de rigor a incidência do disposto no art. 21, caput, do Código de Processo Civil, para definição da responsabilidade pelas verbas de sucumbência.

Nesse sentido, colaciona-se precedente desta Corte:

"(...) DISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA DE MODO PROPORCIONAL ENTRE OS LITIGANTES, FACE A DERROTA RECÍPROCA DAS PARTES EM SUAS PRETENSÕES (ART. 21, CAPUT, DO CPC) - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DO ART. 20, § 3º, ALÍNEAS "A", "B" E "C", DO CPC - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...)" (Apelação cível n. 2004.032286-7, de Maravilha, rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi).

Assim, condeno os litigantes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), afetando à Instituição Financeira o encargo de 70% e à Apelada 30% das referidas verbas, em observância ao disposto no art. 20, § 3º, alíneas "a", "b" e "c", do CPC.

Frente ao exposto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para admitir a incidência dos juros remuneratórios nas taxas variáveis praticadas pela Instituição Financeira, desde que não excedam a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, aferida no momento da operação, para o contrato de abertura de crédito em conta corrente - cheque especial n.º 7337-7; manter as taxas pactuadas no contrato de empréstimo CDC n. 611154190, eis que inferiores aos parâmetros eleitos pela Câmara; limitar as taxas de juros remuneratórios em 5,50% ao mês e 90,12% ao ano, para o contrato de empréstimo CDC n. 610156719, vez que as contratadas afrontam os parâmetros eleitos pela Câmara; redistribuídos os ônus sucumbenciais.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para admitir a incidência dos juros remuneratórios nas taxas variáveis praticadas pela Instituição Financeira, desde que não excedam a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, aferida no momento da operação, para o contrato de abertura de crédito em conta corrente - cheque especial n.º 7337-7; manter as taxas pactuadas no contrato de empréstimo CDC n. 611154190, eis que inferiores aos parâmetros eleitos pela Câmara; limitar as taxas de juros remuneratórios em 5,50% ao mês e 90,12% ao ano, para o contrato de empréstimo CDC n. 610156719, vez que as contratadas afrontam os parâmetros eleitos pela Câmara; redistribuídos os ônus sucumbenciais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Senhor Desembargador Gastaldi Buzzi, com voto, e dele participou a Exma. Senhora Desembargadora Rejane Andersen.

Florianópolis, 20 de agosto de 2009.