APLICAÇÃO DO CDC À
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
APELAÇÃO
CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO E FIXO
INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - 1) JUROS
REMUNERATÓRIOS - CONTRATO DE CRÉDITO ROTATIVO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.050313-6, da
comarca de Pinhalzinho (Vara Única), em que é apelante Banco do Brasil S/A e apelada Remidio
Schultz Me e outros:
ACORDAM,
RELATÓRIO
Na Comarca
de Pinhalzinho/SC (Vara Única), Banco do Brasil S/A ajuizou ação de cobrança em
face de Remídio Schultz ME - devedor principal, Remídio Schultz, Adi Inês Schultz, Aliceu
Floss e Luxia Jacinta Floss - fiadores, pretendendo o adimplemento do valor de R$
4.607,83, oriundo do contrato n. 139.204.034 de abertura de crédito rotativo e
fixo na conta corrente n. 003.935-7, pactuado em 01.11.1999.
Citados, os
demandados apresentaram contestação (fls. 100-115), sustentando a incidência de
encargos abusivos e postularam a revisão de todo o encadeamento negocial.
Após
réplica (fls. 120-148), sobreveio sentença (fls. 154-158) que, julgando
parcialmente procedente o pleito exordial, condenou
os demandados ao pagamento do débito, observados os seguintes critérios: a)
redução da taxa de juros remuneratórios no contrato de abertura de crédito em
conta corrente para o patamar de 51,74% ao ano; b) exclusão da capitalização de
juros remuneratórios; c) proibição da cumulação da comissão de permanência com
os juros moratórios e multa de mora para o período de inadimplência; d) redução
da multa de mora para o patamar de 2% sobre o saldo
devedor. Por fim, condenou ambas as partes ao pagamento das despesas
processuais pro rata, e honorários advocatícios em R$800,00, respectivamente, aos
procuradores da instituição financeira e dos demandados.
Irresignada, a instituição financeira apelou (fls.
163-175) , sustentando: a) legalidade da capitalização
mensal de juros; b) manutenção das taxas de juros pactuadas; c) prequestionamento dos dispositivos legais mencionados nas
razões recursais.
Sem contrarrazões, os autos ascenderam a este egrégio Tribunal.
É o
relatório.
VOTO
O recurso é
conhecido e parcialmente provido.
Os tópicos
da insurgência serão enfrentados de conformidade com as matérias já elencadas, destacadamente, no relatório da presente
decisão.
1 - Juros Remuneratórios
O juiz
sentenciante limitou a taxa de juros do contrato de abertura de crédito
rotativo em conta corrente, firmado em 01.11.1999, ao patamar de 51,74% ao ano,
razão pela qual a apelante almeja a manutenção do valor pactuado de 154,62% ao
ano.
Quanto
aos juros remuneratórios praticados nos contratos celebrados no âmbito do
Sistema Financeiro Nacional, esta Terceira Câmara de Direito Comercial segue o
entendimento consolidado no Enunciado n. I do Grupo de Câmaras de Direito
Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, autorizando a cobrança do acessório
à taxa média de mercado.
Veja-se
o teor do aludido enunciado:
Nos
contratos bancários, com exceção das cédulas de crédito e notas de crédito
rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios
superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média
de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
Referida
linha de exegese consoa com os mais recentes julgados
do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça a respeito do
assunto, conforme se depara da redação das seguintes Súmulas daquelas Cortes:
Súmula Vinculante n. 7 do STF: A norma do
§ 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa
de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de
lei complementar.
E:
Súmula
296 do STJ:Os juros remuneratórios, não cumuláveis com
a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa
média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual
contratado.
No caso,
uma vez mantida a taxa pactuada na avença de crédito fixo, porquanto menor que
a taxa média de mercado, a insurgência limita-se ao contrato de crédito
rotativo firmado entre as partes na data de 01.11.1999, no qual está prevista
incidência dejuros remuneratórios no patamar de 8,10%
ao mês e 154,62% ao ano.
O Banco
Central do Brasil presta informações sobre as operações de crédito praticadas
no mercado financeiro, cujos parâmetros, à míngua de outros, vêm sendo
utilizados por este Tribunal para confrontação com o percentual convencionado
para, a partir daí, averiguar a abusividade
da taxa de juros, nos moldes do art. 51, IV, do CDC.
Na
tabela divulgada a partir de 30.12.1999 (Circular n. 2.957, de 30.12.1999 -
www.bacen.gov.br), verifica-se que no quadro "Capital de Giro (pessoa
jurídica)" o percentual remuneratório encontrado para a modalidade de
crédito rotativo - pessoa jurídica fora de 49,01% ao ano, a qual demonstra-se
inferior ao contratado pelas partes (154,62 ao ano), bem como àquele percentual
remuneratório encontrado pelo magistrado a quo
(51,74% ao ano).
Contudo,
não obstante o entendimento desta Câmara, deve ser mantida
a sentença no que limitou os remuneratórios à taxa de 51,74% ao ano, haja vista
a ausência de insurgência no ponto pelos mutuários, uma vez que a decisão desta
Corte limitando a cobrança do encargo à taxa média de mercado feriria o
princípio do non reformatio
in pejus.
Logo, o
recurso não merece provimento no ponto, mantendo-se a sentença no que limitou o
encargo à taxa de 51,74% ao ano.
2 - Capitalização de juros
A
recorrente pretende a reforma da sentença no que vedou a capitalização em
qualquer periodicidade, relativamente ao contrato discutido nos autos (fls.
9-12), firmado em 01.11.1999, que engloba ajuste de abertura de crédito
rotativo em conta corrente e ajuste de abertura de crédito fixo.
A
respeito do assunto, o entendimento até então firmado na Câmara era no sentido
de vedar a capitalização mensal, admitindo-a, todavia, em freqüência ânua, de acordo com o disposto no art. 4º do Decreto n.
22.626/33. Excluía-se, ademais, o permissivo constante na Medida Provisória n.
1.963/2000, porquanto compreendia-se que o referido
ato do Chefe do Executivo Federal padecia de inconstitucionalidade formal,
derivada da ausência do requisito da urgência e relevância, imprescindível à
edição de tal comando normativo.
Contudo,
visando acompanhar o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça e
nas demais Câmaras de Direito Comercial desta Corte de Justiça, este órgão
julgador reviu anterior orientação para admitir a capitalização de juros nos
contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, desde que
expressamente pactuada, reconhecendo, assim, a legitimidade da MP 1.963-17, de
31 de março de 2000, com a última reedição sob n. 2.170-36, de 23 de agosto de
2001.
Nesse
sentido, confira-se: Apelação Cível n. 2006.034803-2, de Caçador; e Apelação
Cível n. 2006.039100-2, da Capital.
Essa
orientação, entretanto, somente é de ser aplicada para as avenças celebradas
ulteriormente ao advento da aludida Medida Provisória, pois os ajustes com data
anterior a 31.03.2000 ainda se submetem ao regime normativo da época, no qual a
contagem de juros sobre juros era subordinada a existência de pactuação e de expressa permissão legal, o que levou,
inclusive, o Supremo Tribunal Federal a sumular o seguinte verbete:
Súmula
121. É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.
Assim, a
regra no contexto anterior era a proibição da capitalização de juros,
abrindo-se essa possibilidade apenas nas hipóteses previstas em lei.
Era o
caso das cédulas de crédito rural, industrial e comercial, recepcionadas,
respectivamente, nos Decretos-lei n.167/67 e n. 413/69 e Lei n 6.480/80, para
as quais este Tribunal admite a capitalização de juros em freqüência semestral.
Sobre o
tema, o STJ cristalizou:
Súmula
Também
os contratos de abertura de crédito em conta corrente permitiam a capitalização
de juros na periodicidade anual, porquanto a prática vinha expressamente
autorizada no art. 4º do Decreto 22.626/33, in verbis:
É
proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de
juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
Afora
essas duas modalidades contratuais específicas (contrato de abertura de crédito
em conta corrente e cédulas de crédito, rural, comercial e industrial), não
havia, previamente a 31.03.2000, permissivo legal para a capitalização de
juros, inserindo-se aí toda a gama dos demais contratos bancários (mútuo para
aquisição de veículo, abertura de crédito fixo, cartão de crédito, financiamentos
habitacionais, arrendamento mercantil etc).
Nesse
sentido, confira-se elucidativo julgado do Superior Tribunal de Justiça:
A
capitalização dos juros somente é possível quando pactuada e desde que haja
legislação específica que a autorize. Assim, permite-se sua cobrança na
periodicidade mensal nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial
(Decreto-lei 167/67 e Decreto-lei 413/69) e anual nos contratos de abertura de
crédito em conta corrente (Decreto 22.626/33) (STJ, REsp
n. 732455, rel. Min. Castro Filho, DJ de 19-4-2005).
Corroborando
o exposto, vale mencionar os precedentes deste egrégio Tribunal de Justiça:
Apelação Cível n. 2003.010739-8, de Criciúma, relatado por este signatário;
Apelação cível n. 2001.023792-0, de Cunha Porã,
relatada pelo Des. Alcides Aguiar; Apelação Cível n.
2001.008458-9, de Tijucas, relatada pelo Des.
Fernando Carioni.
Dessa
forma, coerente com o atual entendimento da Câmara, pode-se extrair a seguinte
sistemática.
Tratando-se
de contratos celebrados anteriormente a 31.03.2000, a regra é vedar a
capitalização de juros em qualquer espécie de ajuste bancário, salvo em
relação: a) aos contratos de abertura de crédito em conta corrente, para os
quais é admitida a capitalização anual, desde que pactuada, uma vez existente
expressa autorização legal no art. 4º do DL n. 22.626/33; b) às cédulas de
crédito rural, comercial e industrial, em periodicidade semestral, de
conformidade com a Súmula n. 93 do STJ e dispositivos legais correspondentes.
No
tocante aos contratos celebrados posteriormente à edição da MP n. 1963/2000, é
permitida a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual para todos
os ajustes firmados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (art. 5º,
parágrafo único), desde que haja expressa pactuação, ressalvada, de todo modo, a semestralidade nas
cédulas de crédito rural, comercial e industrial, dada a existência de
legislação específica relativa a esses títulos.
Na
espécie, a avença sob foco compreende ajuste de abertura de crédito rotativo em
conta corrente e ajuste de abertura de crédito fixo, ambos pactuados em
01.11.1999, os quais prevêem a prática do anatocismo
no quadro "especificações do crédito" (fl. 9)
Logo,
conforme fundamentação supra, deve ser vedada a cobrança da capitalização de
juros em qualquer freqüência quanto ao contrato de crédito fixo, por falta de
autorização legal, restando permitida a prática, em periodicidade anual, no
tocante ao ajuste de abertura de crédito rotativo em conta corrente, face o
permissivo do art. 4º, do Decreto 22.626/33.
Na mesma
esteira, são os seguintes precedentes desta Casa de Justiça, ambos no sentido
de que o sistema price comporta juros capitalizados
em sua formação: Apelação Cível n. 2001.019154-7, de Turvo, relator Des. Sérgio Roberto Baasch Luz; e
Agravo de Instrumento n. 00.004434-2, da Capital, relator Des.
Trindade dos Santos.
Assim, o
recurso é parcialmente provido no ponto, unicamente para restabelecer a
capitalização de juros, em periodicidade anual, no que tange ao contrato de
abertura de crédito rotativo.
3 - Prequestionamento
A
recorrente pugna pela manifestação expressa, para fins de prequestionamento,
a respeito dos dispositivos de lei mencionados nas razões recursais.
O pleito
deve ser indeferido, pois o prequestionamento tem
lugar apenas quando os dispositivos legais invocados exerçam relevância no
julgamento da lide, não sendo este o caso dos autos, em que a controvérsia
restou devidamente apreciada e resolvida consoante fundamentos legais
devidamente expostos no presente voto.
Vale
lembrar que a jurisdição não se presta a responder questionários das partes,
atingindo sua finalidade e aquela prevista no art. 93, IX, da Constituição
Federal, mediante a elaboração de fundamentação suficiente ao equacionamento do
tema litigioso.
Acerca
do tema, é a jurisprudência:
O juiz
não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha
encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos
fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus
argumentos (RJTJESP 115/207) (ED na AC n. 1999.021124-0, rel. Des.: Sérgio Roberto Baasch Luz).
Assim,
nega-se provimento ao apelo no ponto.
4 - Sucumbência
Após
julgamento procedido neste grau de jurisdição, frente ao parcial acolhimento do
reclamo da instituição financeira, impõe-se nova fixação da sucumbência,
porquanto ambas as partes figuram como vencedoras/vencidas
na demanda.
Com
efeito, verifica-se que os mutuários/apelados
lograram êxito parcial na pretensão concernente à vedação da capitalização de
juros no ajuste de crédito fixo, à redução da taxa de juros remuneratórios em
relação ao contrato de crédito rotativo, ao afastamento da comissão de
permanência e à redução da multa de mora ao patamar de 2%
sobre o saldo devedor.
De sua
vez, a instituição financeira saiu vitoriosa quanto àprocedência
do débito postulado na ação de cobrança, ao restabelecimento da capitalização
de juros em relação ao ajuste de crédito rotativo, e à manutenção da taxa de
juros pactuada no contrato de crédito fixo.
Desse
modo, considerando o julgamento realizado na origem e neste grau de jurisdição, ambas as partes figuram como vencedores e
vencidos, devendo ser recíproca e proporcionalmente distribuídos os honorários
advocatícios e as despesas processuais, nos moldes do art. 21, caput, do CPC.
Sobre o
tema, colaciona-se precedente desta Corte:
HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS FIXADOS NOS TERMOS DO ARTIGO 20 § 4º DO CPC - CUSTAS PROCESSUAIS
DISTRIBUÍDAS NA FORMA DO ART. 21 DO CPC.
Havendo
sucumbência recíproca, os honorários devem ser fixados na proporção em que cada
parte foi vencida, e as custas devem ser distribuídas em partes iguais para
cada litigante. (Apelação cível n. 2002.000540-1, de São Miguel do Oeste. Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz. j. 31.03.2005).
Assim,
em decorrência da reciprocidade de derrota das partes, os contendores devem
suportar o pagamento das custas processuais pro rata e honorários
advocatícios de forma proporcional a derrota de cada
litigante, arbitrando-se os honorários do patrono dos apelados em 10% do
montante expurgado e em 10% do saldo devedor para o advogado da casa bancária,
vedada a compensação a teor do art. 23 do EOAB.
Conclusão
Do
exposto, o voto é no sentido de conhecer do apelo, dando-lhe parcial provimento
para: a) restabelecer a capitalização de juros, em periodicidade anual, no que
tange ao contrato de abertura de crédito rotativo. ; b) redistribuir a
sucumbência.
DECISÃO
Nos
termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por votação unânime, conhecer do
recurso e dar-lhe parcial provimento.
O
julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo relator, com voto, e dele
participaram os Exmos. Srs. Desembargadores Rejane Andersen e Paulo Roberto Camargo Costa.
Florianópolis,
20 de agosto de 2009