APLICABILIDADE DO CDC NA RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE PACIENTE E MÉDICO

 

Apelação Cível n. 2004.014600-0, de Araranguá

Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA POR ERRO MÉDICO DECORRENTE DE TRATAMENTO ESTÉTICO. IMPROCEDÊNCIA. APLICABILIDADE DO CDC. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CLÍNICA E DO PROFISSIONAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REALIZAÇÃO DE DUAS PERÍCIAS. CONCLUSÃO PLENA ACERCA DA AUSÊNCIA DOS DANOS APONTADOS. ÔNUS QUE COMPETIA À AUTORA (ART. 333, I, DO CPC). EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 14, § 3º, I, DO CDC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2004.014600-0, da comarca de Araranguá (2ª Vara Cível), em que é apelante Tatiane Smania, e apelados Centro de Tratamento Estético Corporal Bella Donna Ltda. e outro:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Tatiane Smania contra sentença proferida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de Araranguá que, nos autos da ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos n. 004.00.006166-6, proposta contra Centro de Tratamento Estético Corporal Bella Donna Ltda. e outro, julgou improcedente o pedido inicial, condenando a apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais) (fls. 145/152).

Aduz, em suma, que: o ônus da prova é medida que se impõe; não há provas de que os apelados prestaram todas as informações necessárias para que a autora tomasse as devidas precauções em face do tratamento estético; não há prova de que tenha concorrido para o resultado danoso e que tenha realizado tratamento com outros médicos; a medicação foi aplicada por pessoa não qualificada.

Ao final, pugna pelo total provimento do apelo, com a reforma da sentença.

Contra-arrazoado (fls. 165/169), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

VOTO

Insurge-se a recorrente contra a sentença proferida pelo Juiz de Primeiro Grau, que julgou improcedente ação indenizatória por suspostos danos decorrentes de tratamento estético realizado pelos apelados.

É ressabida a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação existente entre paciente e médico, sendo distintas, apenas, as espécies de responsabilidade assumidas pelo profissional. Em regra, a obrigação é de meio e incumbe ao paciente a comprovação da existência de culpa para a responsabilização do médico pelos danos suportados (responsabilidade subjetiva).

A hipótese dos autos, todavia, cuida de obrigação de resultado (responsabilidade objetiva), porquanto o médico demandado realizou na autora tratamento estético. Neste caso, entende-se cabível a inversão do ônus da prova, de modo que ao médico cabe a demonstração de que o dano se deu em face de motivo de força maior, caso fortuito ou de culpa exclusiva do paciente.

Este é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, em hipótese de erro médico decorrente de cirurgia plástica, que constitui obrigação de resultado assim como o tratamento estético ora examinado:

[...] 2. A obrigação assumida pelo médico, normalmente, é obrigação de meios, posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de um prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura.

3. Apesar de abalizada doutrina em sentido contrário, este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a situação é distinta, todavia, quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética. Nesta hipótese, segundo o entendimento nesta Corte Superior, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios.

4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico. Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova.

5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios de prova admissíveis, que o evento danoso tenha decorrido, por exemplo, de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da "vítima" (paciente).

6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 236708 / MG, rel. Min. Carlos Fernando Mathias, j. 10/02/09).

De igual modo, incontestável a relação de consumo existente entre a autora e a Clínica Estética demandada, assim como a responsabilidade objetiva desta por eventuais danos ocasionados à sua cliente.

Assim, tendo em vista a inversão do ônus da prova, para se eximirem da responsabilidade que lhes é imputada, cabe aos réus a comprovação de que os danos inexistem ou que se deram por culpa exclusiva da autora ou de terceiro.

Dispõe o art. 14, caput e § 3º, do Código de Defesa do Consumidor:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[...] § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

In casu, assevera a autora que foi atendida pelo Dr. Henri Bischoff no Centro de Tratamento Estético Corporal Bella Donna Ltda., localizado no Município de Araranguá, em face do desejo de tratar esteticamente algumas estrias na pele. Pagou a quantia de R$ 780,00 (setecentos e oitenta reais), todavia, o tratamento empregado pelo médico não surtiu o resultado esperado (fl. 13). Ao revés de desaparecerem conforme prometido, as manchas ficaram ainda mais proeminentes nas pernas da autora.

Ainda segundo a autora, foi a Sra. Rosilda Martins da Silva, sócia da clínica ré, quem aplicou os medicamentos indicados pelo médico para tratamento das estrias. Todavia, aquela, além de não ter qualquer formação profissional para proceder tais aplicações, aconselhou a autora a submeter-se a sessões de brozeamento artificial, a fim de amenizar o mal resultado obtido. Ocorre que, ao realizar o aludido bronzeamento, as manchas pioraram ainda mais, resultando no aforamento da presente ação.

A clínica ré e o médico, por sua vez, alegaram que: apenas garantiram à paciente a melhora do aspecto da pele e não o desaparecimento das manchas; o brozeamento artificial foi realizado antes do tratamento de "intradermoterapia"; a autora foi alertada acerca da demora no tratamento, bem como da proibição de exposição da região tratada ao sol, recomendação esta que não obedeceu.

Constata-se que a requerente se submeteu a duas perícias médicas, das quais se extrai:

QUESITOS DA AUTORA (fls. 63/64):

A) Se é possível a Sra. Perita informar se houve intervenção médica, através de aplicações de medicamentos, na pele da paciente?

RESPOSTA: Através do exame clínico não. Apenas pela informação e dados oferecidos pela paciente (Dra. Miriam Tereza, fl. 75).

RESPOSTA: Pelo exame dermatológico realizado em 07/08/03, na jovem TATIANE SMANIA, não podemos afirmar que a mesma tenha sofrido alguma intervenção nas lesões existentes nas coxas (estrias).

As lesões existentes atualmente, são estrias desencadeadas pelo aumento rápido da região afetada.

Pelas fotos 04 e 05 da pag. 25 pode-se deduzir que as estrias estão sofrendo alguma intervenção, manifestadas pelos pontos existentes no trajeto das estrias, que são lineares (Dra. Liliane Requião, fl. 123). [...]

C) As aplicações e/ou intervenções médicas geraram algum tipo de dano estético e/ou físico na paciente?

RESPOSTA: Ao exame, o que se vê são estrias brancas [...]na região costas e parte interna das coxas direita e esquerda (Dra. Miriam Tereza, fl. 75).

RESPOSTA: Dano que persiste até hoje, não (Dra. Liliane Requião, fl. 123).

D) O dano causado à autora é aparente e de fácil visualização?

RESPOSTA: Não(Dra. Miriam Tereza, fl. 75).

RESPOSTA: Atualmente não existe dano algum (Dra. Liliane Requião, fl. 123) [...].

G) Houve imperícia, negligência ou imprudência do médico no procedimento de aplicação dos medicamentos?

RESPOSTA: O procedimento de aplicação dos medicamentos pode ser efetuado por um assistente, desde que esteja capacitado para tanto(Dra. Miriam Tereza, fl. 75).

RESPOSTA: Atualmente não há qualquer lesão desencadeada por procedimentos efetuados anteriormente (Dra. Liliane Requião, fl. 123) [...].

I) Tal bronzeamento artificial interferiu no agravamento do dano causado à paciente?

RESPOSTA: Pode ter interferido(Dra. Miriam Tereza, fl. 76).

RESPOSTA: Atualmente não existem lesões desencadeadas por bronzeamento artificial (Dra. Liliane Requião, fl. 123).

QUESITOS DOS RÉUS (fls. 66/67):

[...] 09. Quais os efeitos e consequencias da exposição solar nas estrias de paciente em tratamento?

RESPOSTA: Poderia fixar permanentemente algum medicamento que tivesse sido infiltrado ou agravar a reação inflamatória por ele (medicamento) provocado (Dra. Miriam Tereza, fl. 73).

RESPOSTA: Sempre que um tratamento desencadear alteração inflamatória da pele (vermelhidão, inchaço) a exposição solar pode desencadear manchas escuras no local (Dra. Liliane Requião, fl. 124) [...].

13. Há como caracterizar "erro médico" praticado pelo médico requerido, Dr. Henri F. Bischoff, no caso específico do tratamento iniciado na Requerente e interrompido pela mesma?

RESPOSTA: Não (Dra. Miriam Tereza, fl. 74)

RESPOSTA: Não (Dra. Liliane Requião, fl. 124).

Analisando-se a perícia transcrita, não resta dúvida quanto à ausência de dano causado à autora. Ainda que os requeridos tenham responsabilidade civil objetiva no caso de que tratam os autos, cabe à autora a efetiva comprovação dos danos sofridos e do nexo causal entre estes e o tratamento estético realizado, ônus este do qual não se desincumbiu (art. 333, I, do CPC).

As duas médicas que examinaram a autora são uníssonas em afirmar a inexistência, na hipótese, de erro médico e/ou dano estético decorrente do tratamento para estrias realizado na clínica ré.

A Dra. Liliane Requião, que realizou a segunda perícia (frise-se, solicitada pela autora), não visualizou sequer lesões desencadeadas por bronzeamento artificial. Constata a médica que as fotografias de fl. 15 foram tiradas quando as estrias estavam sofrendo alguma intervenção (fl. 123), porém, quando da realização da perícia (dois anos e oito meses após o aforamento da ação), as manchas não mais existiam.

Impende destacar que a pretensão da presente demanda é o recebimento de indenização em face de manchas supostamente ocasionadas por tratamento estético inadequado e não porque o resultado almejado não foi alcançado. Este argumento sequer pode ser utilizado pela autora, pois o tratamento não foi finalizado, sendo impossível averiguar a obtenção ou não de êxito no tratamento estético.

Caracterizada está, portanto, a excludente de responsabilidade prevista no inciso I do § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, não havendo que se falar no direito da autora ao recebimento de indenização.

Pelas razões expostas, tem-se que o recurso de apelação deve ser conhecido e desprovido, mantendo-se incólume a decisão apelada.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, a Câmara, à unanimidade, conheceu do recurso e negou-lhe provimento.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Mazoni Ferreira, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Luiz Carlos Freyesleben.

Florianópolis, 27 de agosto de 2009