ACIDENTE DE CONSUMO
RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO. ACIDENTE COM FOGOS DE ARTIFÍCIO. AGRAVO RETIDO. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CARACTERIZADA. DESPROVIMENTO. APELO. APLICABILIDADE DO ART. 14 DO CDC. AMPUTAÇÃO DE ALGUNS DEDOS DA MÃO ESQUERDA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR NÃO ELIDIDA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. CRITÉRIOS PARA O ARBITRAMENTO DA VERBA. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE E RAZOABILIDADE. PENSÃO MENSAL. INCAPACIDADE PARA DESEMPENHAR O LABOR ANTERIORMENTE EXERCIDO. VALOR. AUSÊNCIA DE PROVA DOS RENDIMENTOS. FIXAÇÃO ALICERÇADA NO SALÁRIO MÍNIMO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

"A petição inicial só deve ser indeferida, por inépcia, quando o vício apresenta tal gravidade que impossibilite a defesa do réu, ou a própria prestação jurisdicional" (Ministro Ari Pargendler).

Aplicam-se os princípios e as regras do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica existente entre a empresa distribuidora de fogos de artifício e os usuários do produto, de acordo com o artigo 3º da Lei n. 8.078/90.

A jurisprudência e a doutrina têm sinalizado que, desde que a origem não seja a mesma, é possível a cumulação de pedidos de indenizações por danos morais e estéticos.

O consumidor que, em razão de acidente com fogos de artifício, sofre expressiva dor física e enfrenta longo período de recuperação, submetendo-se a cirurgias, tem direito de ser indenizado pelo dano moral originado desses fatos, sobretudo quando o acidente também o incapacita para o exercício da sua profissão.

A presença de cicatrizes e deformidade resultantes de acidente de consumo e de cirurgia necessária à recuperação da saúde da vítima dá causa à exigência de indenização por danos estéticos.

Devido o pagamento de pensão mensal, mas ausente prova dos rendimentos da vítima, o arbitramento deve considerar o valor do salário mínimo vigente.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.020454-1, da comarca de Cunha Porã (Vara Única), em que é apelante Artesanatos de Fogos Pica-Pau Ltda. e apelado Mauro Scheidt:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, desprover o recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Mauro Scheidt aforou ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos contra Artesanatos de Fogos Pica-Pau Ltda., dizendo haver sofrido acidente com fogos de artifício, de fabricação da ré, em 1º de janeiro de 2002.

Alegou que, mesmo seguindo rigorosamente as instruções contidas na caixa do produto, um foguete estourou ao ser aceso, causando-lhe lesões corporais gravíssimas, tais como amputação de dedos da mão esquerda. Além do mais, disse haver sofrido dano moral, bem como danos estéticos, porque suportará para sempre as deformidades causadas pelo acidente.

Contou, ainda, ser agricultor e ter ficado incapacitado para o trabalho. Por isso, requereu pensão mensal vitalícia e indenização por danos morais, materiais e estéticos estimada em 500 salários mínimos, mais custas processuais e honorários advocatícios.

Pleiteou o benefício da assistência judiciária gratuita, deferido à fl. 14.

Artesanatos de Fogos Pica-Pau Ltda. contestou suscitando, preliminarmente, a inépcia da inicial e a carência de ação por ilegitimidade passiva.

No mérito, disse que não se sabe se o acidente ocorreu, de fato, com um dos itens que fabrica. Ainda assim, sustentou que a periculosidade é inerente à mercadoria, e que os riscos de acidentes são previsíveis e, por isso, deve-se seguir fielmente as normas de instrução. Todavia, o autor não observou as informações constantes da caixa do produto, dando azo à ocorrência do evento por sua exclusiva culpa. Afora isso, disse da inexistência de prova dos alegados danos e de que tenha atuado com culpa ou dolo no episódio.

Afirmou não ser admissível a cumulação dos danos materiais e morais e disse que a Constituição Federal não prevê a reparação destes últimos.

Discorreu sobre os critérios para fixação de eventuais condenações e requereu a improcedência dos pedidos ou, ao menos, o reconhecimento de culpa concorrente. Também pleiteou que, em caso de condenação, descontem-se os valores recebidos pela vítima a título de seguro.

O autor impugnou a contestação (fls. 97-100) e, em audiência, infrutífera a conciliação (fl. 100), o juiz de direito afastou a preliminar de inépcia da inicial (fls. 110-111). Dessa decisão, a ré interpôs agravo retido (fl. 110).

As partes protestaram pela produção de prova testemunhal e os testigos foram ouvidos às fls. 138-144.

Ao sentenciar, o doutor juiz de direito julgou procedentes os pedidos e condenou a ré ao pagamento de um salário mínimo a título de pensão mensal vitalícia até a data em que o autor completar 65 anos de idade, além de indenização por danos morais e estéticos, que arbitrou em R$ 35.000,00, com correção monetária e juros de 12% ao ano, ambos a contar da data de publicação da sentença. Condenou a ré, ainda, a constituir capital e a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% do valor da condenação (fls. 201-215).

Artesanatos de Fogos Pica-Pau Ltda. apelou.

Requereu, preliminarmente, o exame do agravo retido, que deve levar à extinção do processo sem resolução do mérito.

Ultrapassada a questão prefacial, insurgiu-se contra a sentença ao argumento de que a vítima houve-se com culpa exclusiva, pois acendeu o foguete de maneira inadequada. Afora isso, afirmou não haver prova de que o evento decorreu de defeito do produto e, ainda que tal prova constasse dos autos, não é possível afirmar que o foguete era de sua fabricação.

Quanto aos valores indenizatórios, insurgiu-se contra o arbitramento de pensão mensal de um salário mínimo mensal, à míngua de prova dos rendimentos do apelado, e considerou exagerada a fixação da indenização por danos morais e estéticos em 100 salários mínimos (R$ 35.000,00 à época), quantia que certamente a levará à falência. Por esses motivos, requereu a reforma integral da sentença paraimprocedência dos pedidos ou, ao menos, a minoração das quantias indenizatórias.

Houve contrarrazões (fls. 239).

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Artesanatos de Fogos Pica-Pau Ltda. contra sentença do doutor juiz de direito da comarca de Cunha Porã que, nos autos da ação indenizatória que lhe foi movida por Mauro Sheidt, condenou a empresa ao pagamento de um salário mínimo mensal a título de pensão mensal vitalícia, além de indenização por danos morais e estéticos de R$ 35.000,00, mais custas processuais e honorários advocatícios de 15% do valor da condenação.

Do agravo retido de fl. 110.

A apelante interpôs agravo retido da decisão que afastou a alegada inépcia da inicial, aduzindo que a peça pórtica não lhe permite visualizar, com clareza, os fundamentos da ação indenizatória, circunstância que lhe impede de defender-se adequadamente.

A inépcia deve ser analisada sob o enfoque processual, ou seja, o exame deve ater-se aos requisitos indispensáveis à validade da exordial. Daí a lição de Antônio Carlos Marcato:

A aptidão da petição inicial é pressuposto processual, não se confundindo com o mérito da causa. [...] Se pode ser compreendida, a petição inicial não é inepta; mas se o pedido efetivamente improcede, caberá ao juiz dizê-lo a final, após o contraditório (Código de Processo Civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 961).

Na hipótese, a petição inicial preenche todos os requisitos previstos nos artigos 39, I, 282 e 283 do Código de Processo Civil, e, como tal, não pode ser alvo de indeferimento sumário.

Esse posicionamento encontra respaldo nos precedentes do Supremo Tribunal Federal:

O indeferimento da petição inicial deve ser medida de exceção, usada com a máxima cautela, a fim de que o Estado não se furte à prestação jurisdicional, em princípio devida aos cidadãos. (RE n. 8.667, rel. Min. Luiz Gallotti).

Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

A petição inicial só deve ser indeferida, por inépcia, quando o vício apresenta tal gravidade que impossibilite a defesa do réu, ou a própria prestação jurisdicional (Resp. n. 193.100/RS, rel. Min. Ari Pargendler, j. 15-10-2001).

E, neste Tribunal de Justiça, as decisões seguem a mesma linha adotada pelos Tribunais Superiores:

Se há pedido compreensível e capaz de ensejar a identificação da causa de pedir, bem como do objeto da ação, não há de se considerar inepta a inicial e decretar-se a extinção do processo (Ap. Cív. 2003.027031-0, de Porto União, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 26-03-2004).

Em face disso, o recurso de agravo retido deve ser conhecido, mas, no mérito, desprovido.

Do apelo

Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Cumpre dizer que não há dúvidas quanto à aplicabilidade das normas do Código de Defesa do Consumidor ao caso sub judice, porque há entre as partes relação de consumo. Nas palavras de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:

Relações de consumo são aquelas relações jurídicas relativas à aquisição ou utilização de produtos e serviços, em que o adquirente, ou utente, aparece como destinatário final. Esta cláusula - destinatário final - é explicativa e excludente (Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor. 1. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1991,p. 11).

Por essa razão, as partes enquadram-se no conceito de consumidor e fornecedor, insculpido no Código de Defesa do Consumidor. O artigo 2º da Legislação Consumerista definiu que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

No caso, tem-se que o apelado, ainda que tenha provado que adquiriu os fogos de artifício, utilizou o produto como destinatário final. Em contrapartida, a apelante enquadra-se no conceito de fornecedora estatuído pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 3º, que assim dispõe:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Logo, afigura-me elementar concluir que a demanda tem sua resolução condicionada às normas e princípios insertos no Código de Defesa do Consumidor.

Do mérito

No mérito, a apelante visa à reforma da sentença para a improcedência dos pedidos indenizatórios, insistindo em que não agiu culposamente quanto à produção do evento danoso, imputando a responsabilidade exclusivamente à vítima, que não teria observado as instruções contidas na caixa do produto.

Sabe-se que, em hipótese como a dos autos, a lide fica subjugada aos preceitos e princípios encontradiços no Código de Defesa do Consumidor, porquanto patente a relação de consumo estabelecida entre as partes. Daí por que a responsabilidade do apelante converte-se em objetiva, em atenção ao que consta do artigo 12 da Lei n. 8.078/90, cuja dicção é esta:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Em tal contexto, convém salientar que os produtos colocados à disposição dos consumidores devem cumprir, além de sua função econômica, o objetivo de segurança quanto à normalidade dos riscos apresentados pelo produto e a sua previsibilidade, porquanto a ausência dessa característica importa vício de qualidade por insegurança.

Os bens de consumo que ora se examinam são fogos de artifício com riscos intrínsecos no seu manuseio e, embora capazes de ocasionar acidentes, sua periculosidade mostra-se normal e previsível em reciprocidade a expectativa do consumidor. Contudo, a obrigação de indenizar surge, exatamente, quando tais riscos saem do controle do consumidor, ou seja, este não possui o condão de prevê-los, de forma que, em decorrência de qualquer defeito, tem sua vida ameaçada, pela imprevisibilidade do dano ocasionado pelo consumo do produto.

No caso, há dizer que, durante as comemorações do dia 1º de janeiro de 2002, o apelado decidiu usar fogos de artifício de fabricação da ré, como provam o documento de fl. 13 e as declarações das testemunhas: "estava escrito Pica-Pau na caixa" (Silvio César Concêncio, fl. 140); "comprou o foguete da firma Pica-Pau porque a gente viu na caixa" (Leni Ana Palombit Spezia, fl. 141); "sabia que a marca do foguete era Pica-Pau porque olhou na caixa" (Eugênio Luiz Spezia, fl. 143).

Todavia, ao segurar o produto com a mão direita e acender-lhe o pavio com a mão esquerda, o foguete estourou instantaneamente, ocasionando os evidentes danos provados pela fotografia de fl. 7, ou seja, lesões corporais gravíssimas, decorrentes da amputação de dedos do membro superior esquerdo.

Quanto ao procedimento adotado pelo autor para o uso do foguete, a apelante entrou em evidente contradição. Primeiro, anexou ao processo as instruções de uso de fl. 92, que recomenda ao usuário segurar o foguete pelo cabo e acender o pavio. Mais tarde, a recorrente afirmou que o foguete era do tipo que deve ser operado com uma base, ou seja, que deve ser fixado no chão e depois aceso. Contudo, conforme será visto, pouco importa o modo de utilização do foguete, pois é evidente que, de qualquer forma, o evento danoso teria ocorrido.

Considerando as instruções anexadas pela própria apelante (fl. 92), impõe-se dizer que o autor as seguiu rigorosamente, pois segurou o foguete pelo cabo com a mão direita e acendeu-lhe o pavio com a mão esquerda. Veja-se o que disseram as testemunhas:

Viu quando a vítima estourou o foguete; que o depoente viu quando ele pegou o foguete da caixa, colocou-o na base em sua mão, pegou o pavio, acendeu com a mão esquerda e o foguete estourou; que a mão que continha o foguete estava apontando para cima [...] os outros foguetes anteriormente estourados o foram na mesma forma daquele que estourou na mão dele" (Silvio César Concêncio, fl. 139).

Ele tinha um foguete na mão, colocou na base e acendeu o isqueiro; que todos os foguetes estourados foram da mesma maneira [...] viu o exato instante em que estourou o foguete; que o foguete estourou logo que foi aceso" (Leni Ana Palombit Spezia, fl. 141).

Ele pegou o foguete na mão direita e o isqueiro com a mão esquerda, e quando acendeu o foguete estourou; quando o foguete estourou ele estava com a mão para cima" (fl. 143).

Contudo, mesmo que se considere que o foguete era do tipo "base", que deveria ter sido fixado no chão antes de aceso, o procedimento não teria evitado a ocorrência do dano. Isso porque a explosão ocorreu no exato instante em que o pavio foi aceso e não infligiu danos à mão que segurava o foguete, mas, sim, à que o acendia. Logo, pouco importa que o foguete devesse estar fixado no chão: o autor ainda teria que se aproximar do produto para acender-lhe o pavio, instante em que a explosão teria ocorrido de qualquer forma, diante do evidente defeito do item.

Para fins de ilustração, o procedimento adotado pelo autor está representado pelas fotografias de fl. 93, que retratam um integrante do Corpo de Bombeiros demonstrando o correto acendimento de foguetes desse tipo. Diga-se, ademais, que o procedimento retratado nas fotografias, considerado seguro, não evitaria o acidente descrito na exordial, pois o estouro do produto deu-se no instante em que o pavio foi aceso (imagem 3 da fl. 93).

O defeito, portanto, está obviamente provado, pois o foguete não deveria ter estourado no exato momento em que o pavio foi aceso. Destarte, o fato em si basta à caracterização do dano, atribuível, com exclusividade, a ré, cuja responsabilidade aflora, obrigando-a ao reparo, da forma mais completa possível, do fato e de suas nefastas consequências, de nada lhe valendo invocar mera fatalidade ou simples infortúnio, ou culpa da vítima não provada. É que a situação exigia de quem fabrica ou distribui produto explosivo, além de bom senso, o respeito às normas jurídicas atinentes à espécie, pois a eles toca o dever de zelar pela segurança e saúde dos usuários do produto.

Não é outra a orientação desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. ACIDENTE COM FOGO DE ARTIFÍCIO. NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADO. DEVER DE INDENIZAR.

Demonstrado o nexo de causalidade entre o dano ocorrido e o produto, ou seja, que da explosão de determinado foguete resultou a deformação na mão da vítima, cumpre ao fabricante do fogo de artifício indenizá-la da explosão defeituosa, ex vi do art. 12, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.

PENSÃO MENSAL. REDUÇÃO DA FUNCIONALIDADE DA MÃO EM 75%. PENSÃO DEVIDA.

Havendo evidente redução da capacidade laborativa, deve ser a vítima ressarcida, sendo aplicável o comando do artigo 1.539, do Código Civil. No caso vertente, restando a vítima com 75% de redução das funções da mão em virtude do acidente, necessitando de ajuda dos familiares para continuar trabalhando, faz jus à percepção de pensão mensal.

DANO MORAL. PRESUNÇÃO. PREJUÍZO MATERIAL. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE. INDENIZAÇÃO DEVIDA.

É presumido o dano puramente moral, sem condicioná-lo a qualquer prejuízo de ordem material, isto é, ele existe tão-somente pela ofensa, sendo o bastante para justificar a indenização [...] (Ap. Cív. n. 1999.006592-8, de Concórdia, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 13-09-2005).

De nada adianta, ademais, a juntada do laudo de fls. 76-92 pela apelante, pois a perícia técnica diz respeito a outro produto, examinado em outra oportunidade. Destarte, presente o nexo causal entre o fato do produto e o dano sofrido pelo autor, induvidosa a responsabilidade da apelante pelos danos sofridos pela vítima.

Dos danos morais e estéticos

Com relação à possibilidade de cumulação das indenizações por danos morais e estéticos, a jurisprudência e a doutrina têm sinalizado que, desde que a natureza do dano não seja a mesma, é possível a condenação ao pagamento de ambas as indenizações. Veja-se:

CIVIL. DANOS ESTÉTICOS E MORAIS. CUMULAÇÃO.

Os danos estéticos devem ser indenizados independentemente do ressarcimento dos danos morais, sempre que tiverem causa autônoma. Recurso especial conhecido e provido (Resp n. 816568/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 29/11/2007).

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE RODOVIÁRIO. PASSAGEIRO. LESÕES GRAVES E IRREVERSÍVEIS. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. JUROS MORATÓRIOS.

- É admissível a cumulação dos danos morais e danos estéticos quando, apesar de derivados do mesmo evento, suas conseqüências podem ser separadamente identificáveis (Resp 377148/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 20/09/2005).

Na hipótese, o dano moral brota do acidente sofrido durante o uso de foguete no dia 1º de janeiro de 2002, da dor física experimentada pela vítima ao ter decepados três dedos e do longo período de recuperação enfrentado. Além disso, o autor ficou incapacitado para o trabalho na lavoura em razão das sequelas deixadas pelo acidente, que, mesmo após cirurgia, não pode ser corrigido.

Origem diversa, portanto, do dano estético, que exsurge da amputação de dedos da mão, das cicatrizes e da deformidade que o autor suportará para toda a vida. E tal conclusão é evidente apenas do passar d'olhos pela fotografia de fl. 12. O fato, em razão das deformidades sofridas pela vítima, basta para caracterizar o dano estético.

Daí a inteira possibilidade de cumulação das indenizações, conforme se infere da leitura dos seguintes precedentes:

Verifica-se que as lesões decorrentes do acidente impediram a autora de exercer normalmente suas funções como profissional e dona de casa, fazendo jus à indenização pelo dano moral e estético.

A indenização a título de dano moral, in casu, visa reparar a dor suportada pelas privações das atividades exercidas no cotidiano.

Já a resultante do dano estético, visa compensar a lesão permanente e irreparável, que restou demonstrada (Ap. Cív. 2006.008507-5, da Capital, Rel. Des. Cid Goulart, j. 29/08/2006).

DANO ESTÉTICO - COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE LESÕES GRAVES DECORRENTES DO INFORTÚNIO - DRÁSTICA TRANSFORMAÇÃO APARENTE - EXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS - POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO TENDO EM VISTA QUE O DANO ESTÉTICO É ESPÉCIE DE DANO MORAL - POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO ENTRE OS DANOS, AINDA QUE ORIUNDOS DO MESMO ATO ILÍCITO - SÚMULA 37 DO STJ - VALOR ARBITRADO COM PARCIMÔNIA.

O dano estético está ligado à aceitação social do indivíduo marcado por um aleijão, ou qualquer outra alteração física que provoque reação, enquanto que a indenização por dano moral objetiva, mais precisamente, a compensação interior da vítima, isto é, um meio de conformá-la em razão do que veio a sofrer e com a convivência que terá em sua lembrança, visto que toda vez que se deparar com as limitações decorrentes do acidente sofrerá intrinsecamente, ainda que sozinha e afastada do convívio humano.

O acolhimento do pedido indenizatório de "dano estético" não evidencia que o "abalo moral" também suportado pela vítima tenha deixado de existir ou foi satisfeito, e vice-versa. Até porque a jurisprudência pátria tem assentado o entendimento de que "são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato" (Súmula 37 do STJ)(Ap. Cív. n. 2006.009134-6, de Lages, rel. Des. Mazoni Ferreira, j. 15-03-2007).

Dessa forma, não há afastar a condenação por danos morais e estéticos, que merece ser, aliás, mantida no importe fixado pelo doutor juiz de direito, ou seja, em R$ 35.000,00, para que a vítima receba, não a completa reparação dos danos experimentados, mas uma quantia que lhe proporcione algum conforto, tendo em vista a gravidade das lesões sofridas, as quais estarão ali, sempre presentes, a reviver um momento que, seguramente, gostaria ela de não ter vivido.

Ressalta-se que os critérios de correção da verba indenizatória e incidência de juros não foram objeto do apelo, razão por que devem ser mantidos nos patamares da sentença.

Da pensão mensal

A recorrente alega, também, que não deve ser condenada a pagar pensão mensal em razão da ausência de prova dos rendimentos da vítima.

Impõe-se ressaltar, primeiro, o entendimento pacífico da jurisprudência desta Corte de Justiça, em razão da realidade fática da busca por emprego no país, de que a invalidez total e permanente é constatada quando a vítima torna-se inválida para a prática do labor que exercia, e não de toda e qualquer atividade remunerada. Nesse norte:

Resta caracterizada a invalidez permanente total por doença para o trabalho quando o segurado for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garantia a sua sobrevivência (Ap. Cív. n. 2002.014356-7, da Capital, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 05-11-2002).

INVALIDEZ TOTAL DO SEGURADO - INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES ANTERIORMENTE EXECUTADAS - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INABILITAÇÃO PARA O LABOR EM OUTRA ATIVIDADE - OBRIGAÇÃO DA SEGURADORA DE EFETUAR O PAGAMENTO DA APÓLICE EM SEU VALOR INTEGRAL - EXEGESE DO ART. 54, § 4º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E ART. 1.458 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.

'Constatada a incapacidade total e permanente para o trabalho, o seguro deve ser pago pelo total contratado. A incapacidade permanente deve ser aferida em função da atividade profissional exercida pelo segurado' (TAMG - Ap. Cív. n. 0340440-2 - Rel. Juiz Valdez Leite Machado) (Ap. Cív. n. 2003.014322-0, da Capital, rel. Des. Wilson Augusto Nascimento, j. 20-10-2003).

O apelado é agricultor e, portanto, a perda de três dedos da mão esquerda certamente prejudica o desempenho de suas atividades diárias. Destarte, a pensão mensal é o modo mais justo de minorar-lhe as consequencias danosas decorrentes da inutilização do membro, que o impedem de exercer as mesmas tarefas que exercia antes do acidente.

O valor fixado por Sua Excelência a título de pensão mensal, correspondente a um salário mínimo, está correto por adequar-se à doutrina e à jurisprudência, que recomendam que, na falta de prova robusta dos rendimentos da vítima, a condenação deve ser arbitrado no valor de um salário mínimo mensal. Citam-se, da base de acórdãos desta Corte, os seguintes precedentes para ilustrar o posicionamento adotado:

AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS RENDIMENTOS DO AUTOR - FIXAÇÃO DOS LUCROS CESSANTES COM BASE NO SALÁRIO MÍNIMO - FALECIMENTO DA ESPOSA - CONTRIBUIÇÃO PARA AS ATIVIDADES DOMÉSTICAS EVIDENCIADA - PENSÃO MENSAL DEVIDA - FIXAÇÃO ALICERÇADA NO SALÁRIO MÍNIMO

Restando comprovado que a vítima contribuía para a manutenção das necessidades domésticas, cabível é o pagamento de pensão, a qual será fixada com base no salário mínimo, ante a impossibilidade de se quantificar a contribuição (Ap. Cív. n. 2008.007102-7, de São Lourenço do Oeste, rel. Des. Edson Ubaldo, j. 02-04-2009).

O pagamento da pensão mensal está condicionado à comprovação dos rendimentos auferidos pelo de cujus na época do seu acidente. Acaso inexistente comprovação dos seus ganhos, seu arbitramento estará condicionado a um salário mínimo (Ap. Cív. n. 2008.045772-2, de Abelardo Luz, rel. Des. Fernando Carioni, j. 25-11-2008).

Não há, logo, alterar os valores indenizatórios arbitrados pelo doutor juiz de direito Luiz Henrique Bonatelli, cuja sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos.

Pelo exposto, conheço do recurso do agravo retido e do apelo e nego-lhes provimento.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, conheceram dos recurso e negaram-lhe provimento.

O julgamento foi realizado no dia 16 de julho de 2009 e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Sérgio Izidoro Heil e Jaime Luiz Vicari.

Florianópolis, 28 de agosto de 2009