Pregão: a nova modalidade de licitação

O pregão se constitui em uma nova modalidade de licitação, criada primariamente pela Medida Provisória n.º 3.555, de 08 de agosto de 2000 e instituída definitivamente pela Lei 10.520, de 17 de julho de 2002.

Da intelecção da palavra pregão se extrai o sentido de apregoar, de proclamar publicamente.

Antes da legislação referida, associava-se o pregão, na esfera do Direito Administrativo, ao modo pelo qual se realiza o leilão, modalidade licitatória destinada à venda de bens móveis inservíveis para a Administração, ou legalmente apreendidos ou penhorados e até mesmo à alienação de bens móveis que venham a integrar o patrimônio de ente público em função de penhora ou dação em pagamento.

Essa nova espécie de licitação (pregão), destina-se à aquisição de bens e serviços comuns, cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado, promovida no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública.

Tal nova modalidade de certame licitatório vem se integrar às formas já conhecidas e disciplinadas na Lei de Licitações e Contratos Públicos (Lei n.º 8.666/93), quais sejam: a concorrência (contratos de grande vulto), a tomada de preços (aquisições de vulto médio), convite (pequeno vulto), concurso e leilão.

Neste contexto, infere-se que o pregão - diferentemente das demais modalidades de licitação - será utilizado para qualquer valor estimado de contratação.

Outrossim, convém lembrar que a citada Medida Provisória idealizadora do pregão, originariamente, restringia a utilização dessa nova modalidade somente ao âmbito da administração federal. Entretanto, com o advento da Lei 10.520/2002, tal previsão foi ampliada para os demais entes da federação (Estados, Municípios e Distrito Federal).

 

 

Pretende-se, com a instituição do pregão, uma maior flexibilização e desburocratização do procedimento licitatório convencional. De fato a Lei 10.520/2002 prevê um trâmite especial para esta modalidade, dividindo-se o procedimento em "fase preparatória" e "fase externa", ocorrendo em uma sessão pública, configurando uma disputa entre os licitantes através de propostas e lances.

Na primeira fase, semelhantemente as outras modalidades licitatórias, a autoridade competente deverá justificar a necessidade da contratação, definindo o objeto do certame e estabelecendo as exigências de habilitação, critérios de aceitação de propostas, cláusulas gerais do contrato, sanções pelo inadimplemento, dentre outras.

Ainda nessa fase introdutória, será designado o pregoeiro e à respectiva equipe de apoio (formada por servidores ocupantes de cargo efetivo ou emprego da administração, pertencentes ao quadro permanente do órgão promotor do evento), que têm por competência a condução da licitação, recebendo propostas e lances, analisando a aceitabilidade e procedendo a classificação respectiva.

Neste ponto, a Medida Provisória que institui o pregão foi modificada pela atual legislação, ao passo que naquela se previa a designação tão somente de um pregoeiro para condução do certame. Tal previsão foi por demais criticada em razão da vulnerabilidade a que se exporiam as licitações realizadas desta forma.

Assim, a Lei 10.520/2002 visando sanar esta deficiência, além de instituir uma equipe de apoio, também prevê a faculdade da participação de bolsas de mercadorias no apoio técnico e operacional dos promotores do certame. Estas bolsas, ao seu turno, devem ser organizadas sob a forma de sociedades civis sem fins lucrativos e com participação plural de corretoras que operem sistemas unificados de pregões.

Já a fase externa da licitação na modalidade pregão compreende, inicialmente, a divulgação do certame, mediante publicação de avisos no Diário Oficial da União e em jornais de grande circulação, sendo ainda facultado a veiculação de informação por meio eletrônico. Nesse instrumento de comunicado, fixa-se uma data para a realização de sessão pública na qual deverão comparecer todos os interessados, munidos dos envelopes de propostas e documentos relativos à habilitação.

 

 

Em um primeiro momento, exige-se uma habilitação prévia, na qual cada licitante se declara habilitado, afirmando estar em regularidade perante a seguridade social, Fazenda Nacional e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço- FGTS, bem como que atende às exigências editalícias atinentes à habilitação jurídica e qualificações técnica e econômico-financeira. Sendo, expressamente, vedada a exigência de garantia de proposta.

Neste ponto, fica previsto que o licitante que prestar declaração falsa, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar a execução do contrato e comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, nesta pré-habilitacão, ficará impedido de contratar com a União pelo prazo de até cinco anos, assim como será inabilitado (descredenciado) do SICAF (Sistema de Cadastros de Fornecedores).

Seqüencialmente, em sendo declarado habilitado, o licitante participa da sessão de abertura dos envelopes de proposta.

Aqui, cumpre ressaltar a importante modificação no procedimento licitatório introduzida pela modalidade pregão. Tal alteração consiste na inversão do certame: ao invés de serem abertos primeiramente os envelopes de habilitação, como nas demais modalidades, dá-se primeiramente a abertura dos envelopes contendo as propostas. A partir daí, procede-se lances verbais sucessivos a serem feitos pelo licitante que apresentou o menor preço e pelos demais que tenham apresentado preços 10% acima, até que se classifique a proposta mais vantajosa para a Administração, conforme adoção do critério do menor preço.

Essa inversão do procedimento representa um grande avanço introduzido pela Lei ora comentada, tendo em vista que a fase de habilitação, sendo prévia em relação à fase de classificação, como ocorre nas outras modalidades, constitui-se no maior entrave para o andamento célere dos certames, em detrimento do princípio constitucional da eficiência.

Logo, seguindo a inversão procedimental, após a fase de classificação, realizada na sessão pública de pregão, procede-se, pelo pregoeiro, à abertura do envelope contendo a documentação para habilitação do licitante que apresentou a melhor proposta, para a verificação do atendimento das exigências, condições e especificações contidas no edital, bem como da documentação de regularidade exigida.

Extrai-se, portanto, que se trata de uma habilitação a posteriori. Em havendo inabilitação do proponente melhor classificado, analisam-se os documentos do licitante com a proposta posicionada em segundo lugar, e assim sucessivamente, até o preenchimento dos requisitos editalícios.

No entanto, em que pese se reconheça a louvável intenção da edição da citada Lei, por acarretar maior celeridade e economicidade ao procedimento licitatório, alguns aspectos ensejam maior reflexão.

Essa nova modalidade licitatória, praticamente anula todas as outras espécies contidas na Lei 8.666/93. A Lei de Licitações e Contratos Públicos (norma geral), define, como dito alhures, cinco modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão), como sendo numerus clausus (rol taxativo), pois veda, expressamente, a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação de modalidades.

Somando-se a isso (criação de uma nova modalidade), a Lei comentada estabelece ainda que o Pregão pode ser adotado em qualquer que seja o valor da contratação, o que, sob um ângulo de análise, parece perfeito. Entretanto, numa reflexão mais detida, vê-se que outras três modalidades, que são a concorrência, tomada de preços e convite, restaram fragilizadas diante da perda de seu escopo funcional.

Outro ponto que merece ressalva, pois deveras preocupante, pertine a questão da previsão, contida no texto da referida Lei, de que a intenção de interpor recurso deverá ser manifestada no final da sessão, com registro em ata da síntese das razões do licitante descontente, cujos argumentos poderão ser reforçados através de memoriais a serem apresentados no prazo de 3 (três) dias úteis. Tal regra exige especial preparo do licitante que deseja recorrer das decisões proferidas pelo pregoeiro.

Ao nosso ver, tal previsão restritiva de direitos ofende, sobejamente, os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, do direito de petição e do uso de recursos pertinentes.

Dentro do mesmo apontamento e de igual modo restritivo, verifica-se à diminuição dos prazos recursais, de cinco dias úteis para três dias corridos, o que certamente não apenas dificultará, mas também, o que é pior, inviabilizará o direito aos recursos em muitos casos. Não bastasse, há expressa previsão de que os recursos não terão efeito suspensivo.

Ante ao todo exposto, verifica-se que a nova modalidade (pregão) prevista na Lei n.º 10.520/2002 trouxe diversas inovações que ensejaram elogios, mas também muita polêmica e preocupação.

 

Em seu bojo, como grande inovação, traz a inversão das fases de habilitação e julgamento, gerando uma maior celeridade e eficiência ao certame. Por outro lado, suscita perplexidades, pois afronta a hierarquia normativa, contrariando, sobremaneira, os princípios da legalidade, do devido processo legal e da ampla defesa.

Diante disso, entende-se que deve haver, por parte das autoridades competentes (Poder Executivo e Legislativo), bem como dos aplicadores do direito, maior atenção e reflexão quanto a essa nova modalidade criada.

Não há duvidas de que o procedimento licitatório carecia de alterações que propiciassem dinamização e desburocratização. Todavia, tais inovações devem ser implementadas de forma gradual e ajustada, sempre obedientes e correlatas às garantias constitucionais, tendo como norte a orientação dos princípios erigidos pelos Direitos Constitucional e Administrativo.

 

Escritório Augusto Prolik Advogados Associados S.C.

Caio Márcio Eberhart

 

 

 

 

Bibliografia

(1) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

(2) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

(3) JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 6. Ed. São Paulo: Dialética, 1999.