FURTO DE VEÍCULO AUTOMOTOR QUE VENHA A SER TRANSPORTADO
PARA OUTRO ESTADO OU PARA O EXTERIOR

SUMÁRIO:

1 INTRODUÇÃO

O Direito Penal, assim como todo e qualquer ramo do Direito, possui como fim maior o apaziguamento social. Especificamente, tem ele um caráter, "a priori", preventivo e, "a posteriori", um caráter repressivo. Os bens por ele tutelados são os jurídicos fundamentais, ou seja, aqueles considerados pela sociedade como os mais valiosos e, portanto, merecedores da tutela penal.

Importante destacar que o Direito Penal é a "ultima ratio", visto que só se recorre a ele quando se esgotarem todas as outras possibilidades encontradas nos outros ramos jurídicos, e isto se justifica na medida em que as sanções penais incidem (negativamente) sobre um princípio constitucionalmente protegido (Artigo 5º, caput, Constituição Federal): o da liberdade. Assim, uma conduta que viole os preceitos jurídicos, só será considerada como ilícito penal, se outros ramos do Direito não conseguirem promover sua função de restabelecer a ordem social.

"A fim de combater uma crescente e inquietante forma de criminalidade de nossos dias" (Exposição de Motivos do Projeto de Lei), a Presidência da República, em julho de 1995, por intermédio da Mensagem número 784, encaminhou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei, que deu origem a Lei 9.426, de 24.12.96. Com essa lei, ao artigo 155, Código Penal, acrescentou-se o §5º, com a seguinte redação: "A pena é de reclusão de três a oitos anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior".

Importante, ainda, que essa lei é irretroativa, pois configura-se como mais severa. Não retroagirá, nem possuirá eficácia além do momento de sua revogação. Resumidamente, essa norma é não-retroativa, nem ultra-ativa, assim só se aplica aos fatos ocorridos a partir de 24.12.96.

2 NATUREZA JURÍDICA

A conduta tipificada no artigo 155, §5º, Código Penal, configura-se como furto qualificado, pois constitui-se em uma circunstância legal que comina uma nova pena com limites mínimo (3 anos) e máximo (8 anos) distintos do previsto no tipo fundamental (furto simples).

Passa-se, agora, à análise do referido tipo penal.

2.1 OBJETIVIDADE JURÍDICA

Ao tipificar tal conduta, quis o legislador tutelar a propriedade, a posse e a detenção. Estes dois últimos institutos se justificam, pois tanto o possuidor, quanto o detentor têm interesse sobre a coisa (veículo automotor).

2.2 SUJEITO ATIVO

Por ser um crime comum, o sujeito ativo é indeterminado, pois não se exige uma condição especial para sua caracterização. Assim, todo aquele que subtrair veículo automotor (coisa alheia móvel) para transportá-lo para outro Estado (unidade da Federação) ou para o exterior estará praticando o crime de furto qualificado previsto no Artigo 155, §5º, Código Penal.

Tal delito admite o concurso de pessoas. Ou seja, quem concorre para o transporte do veículo automotor para outro Estado ou para o exterior, seja executor, co-autor ou partícipe, responde pela qualificadora, desde que tal circunstância tenha ingressado na esfera de seu conhecimento. Se a intervenção, psicológica ou material, ocorre após a consumação da subtração, quem intervém responderá pelo crime de receptação (Artigo 180, Código Penal).

2.3 SUJEITO PASSIVO

Todo aquele que sofre prejuízo com o cometimento da ação delituosa é considerado sujeito passivo do crime. Assim, sujeito passivo é todo titular do bem jurídico albergado pela norma penal. A doutrina costuma destacar que com toda ação criminosa a sociedade é indiretamente lesada (sendo ela sujeito ativo mediato).

No tipo previsto no Artigo 155, §5º, Código Penal, tem-se como sujeito passivo: o proprietário, o possuidor e/ou o detentor do veículo automotor. O proprietário é aquele que tem a capacidade de alienar a coisa; o possuidor, quem tem a capacidade de usufruir da coisa; e o detentor, aquele que age em nome do proprietário, mantendo o poder de vigilância sobre a coisa.

2.4 ELEMENTO OBJETIVO

É a conduta desvalorada pelo Direito Penal, que, no presente tipo penal analisado, consiste na subtração de veículo automotor (coisa alheia móvel) para si ou para outrem. Subtrair significa assenhorar-se da coisa frente ao não assentimento da vítima. Assim, é necessário, para que haja o elemento objetivo, que o veículo automotor sai da esfera de vigilância e de disponibilidade do sujeito passivo.

2.5 ELEMENTO SUBJETIVO

Consiste na vontade livre e consciente de subtrair o veículo automotor para si ou para outrem. Assim, é a intenção que tem o sujeito ativo de incorporar ao seu patrimônio ou ao de terceiro a "res furtiva", de modo definitivo. Deve haver o "animus furandi" que consiste na vontade de assenhorar-se da coisa para dela dispor, como se dono fosse.

A vontade de transportar (conduzir ou levar de um lugar para outro) o veículo automotor para outro Estado ou para o exterior consiste num especial fim de agir.

2.6 OBJETO MATERIAL

Configura-se como a coisa sobre a qual recai a ação delituosa. Importante destacar que, no crime de furto (simples e qualificado), é sobre ela que recai a violência da ação delituosa. No furto qualificado , previsto no Artigo 155, §5º, Código Penal, o objeto material consiste no veículo automotor, que, nas palavras do professor Julio Fabrinni Mirabete, é "aquele que se move mecanicamente, especialmente a motor de explosão, para transporte de pessoas ou carga". Vale destacar, ainda, que se fala em veículo automotor e não em partes dele.

 

2.7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O furto qualificado, em análise, é um crime material e de dano, ou seja, há a previsão do resultado e a necessidade de que este se concretize, para que haja a consumação do crime. Por ser um crime de furto, necessário que ocorra a denominada "inversão da posse", ou seja, a apreensão mansa da coisa, que sai da posse da vítima e entra na posse do sujeito ativo.

Ainda, nesse tipo específico, exige-se que haja o efetivo transporte do veículo automotor para outro Estado ou para o exterior. Importante observar, como adverte o professor Damásio Evangelista de Jesus, que não devemos confundir a consumação do furto com o efetivo transporte do veículo para outro Estado ou para o exterior. Assim, se esse transporte não ocorrer, não incidirá a qualificadora, entretanto, figurar-se-á, o crime de furto simples, pois houve a subtração de coisa alheia móvel.

Para que se fale em tentativa deste furto qualificado, necessário que o efetivo transporte para outro Estado ou para o exterior não se concretize por circunstâncias alheias à vontade do agente. Mas, ainda, é necessário o início da execução do referido transporte, caso contrário, não há que se falar em tentativa do furto qualificado e sim, de consumação do furto simples (Artigo 155, caput, Código Penal).

2.8 SANÇÃO PENAL

Em geral, os doutrinadores tecem duas críticas em relação à sanção penal abstratamente cominada no tipo penal em questão.

A primeira delas é quanto à pena mínima, que corresponde a um ano a mais do que a pena mínima cominada para as qualificadoras do Artigo 155, §4º, Código Penal. Tal desproporção é considerada por muitos doutrinadores como inaceitável.

Uma segunda crítica é quanto à ausência de previsão legal em relação à pena de multa, levando-se em consideração que tal crime fere o patrimônio. Inicialmente, cogitou-se em, analogicamente, aplicar a pena de multa tendo como referência o Artigo 155, §4º, Código Penal. Entretanto, é sabido que a analogia só cabe, em Direito Penal, em benefício do réu/acusado/indiciado, jamais em seu prejuízo. Desta forma, o crime em questão só admite a pena de reclusão de 3 a 8 anos.

2.9 AÇÃO PENAL

A ação penal é pública incondicionada, portanto independe de Representação, que consiste na autorização da vítima ou representante para que o Ministério Público promova a ação penal.

3 CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a analisar, sob o ponto de vista da dogmática jurídico-penal, o crime de furto qualificado previsto no Artigo 155, §5º, Código Penal. A conduta ali prevista fora tipificada em 1996 e constitui-se em uma manifestação estatal frente a crescente incidência na "praxis" desta forma grave de criminalidade, que está, na grande maioria das vezes, ligada com o crime organizado. Pois tal prática delituosa é geralmente praticada em bandos organizados e de forma habitual e profissional.

Como o Direito deve buscar, manter ou restabelecer a ordem social, necessária foi a tipificação de tal conduta. Entretanto, vale ressaltar que a lei sem eficácia social é letra morta, e jamais cumprirá com a função do Direito. Assim, no tocante ao Artigo 155, §5º, Código Penal, que visa combater, prevenir e punir a prática da subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior, necessária uma real atuação dos diversos órgãos da sociedade, para que haja a efetiva tutela do bem jurídico patrimonial. Assim, polícias Civil e Militar, Ministério Público e Poder Judiciário devem agir no sentido de darem vida à lei, para que o Direito Penal possa promover a segurança jurídica e o apaziguamento social.

4 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BITENCOURT, C.R. Reflexões sobre Furto, Roubo e Receptação, Segundo a Lei n.º 9.426/96. BOLETIM IBCCrim. n.º53. Abril.1997.

JESUS, D.E. de. Direito Penal – Parte Especial. v.2. 24.ed. São Paulo: Saraiva,2001.

JÚNIOR, R.A.S. Código Penal Interpretado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

MIRABETE, J.F. Manual de Direito Penal. v. 2. 14.ed.São Paulo: Atlas, 1999.

PRADO, L.R. Curso de Direito Penal Brasileiro. v.2. 2.ed. São Paulo: Revista do Tribunais,2002.