O INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
1 INTRODUÇÃO
O Direito das Obrigações constitui-se em um dos mais importantes Livros do Código Civil, pois suas regras e princípios servem como base para a maioria das relações jurídicas que são estabelecidas no meio social.
O professor Washington de Barros Monteiro define Obrigação como sendo: "a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, e cujo objeto consiste numa prestação pessoal-econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio".
Destaca-se, no estudo do Direito das Obrigações, por suas repercussões sociais e econômicas, a análise acerca do inadimplemento, que representa uma patologia no direito obrigacional, por representar um rompimento da harmonia social.
O Inadimplemento das Obrigações é disciplinado pela Lei 10.406, de 10.01.02, nos artigos 389 a 420.
Como regra geral no inadimplemento tem-se:
"Artigo 389: Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".
Assim, como conseqüência pelo não cumprimento da obrigação ou quando ela não puder ser cumprida de forma proveitosa para o credor, tem-se a obrigação de reparar os danos causados. O Novo Código trouxe como exigência, além das perdas e danos, que já eram previstos no Código de 1916, o dever de responder pelos juros (ditos como moratórios), atualização monetária e honorários advocatícios (quando se escolher a via judicial).
Nas chamadas obrigações negativas, nas quais o devedor deve abster-se de praticar alguma ação, ele é tido como inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.
O pressuposto da responsabilidade pela inexecução da obrigação é a culpa do inadimplente. Assim:
"Artigo 392: Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo exceções previstas em lei".
Desta forma, se não há culpa no inadimplemento da obrigação, não haverá, também, o dever de indenizar. Ainda, não há responsabilidade pelos danos oriundos do caso fortuito ou de força maior, de acordo com o artigo 393:
"O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único: O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir".
As excludentes de responsabilidade, caso fortuito ou de força maior, possuem dois elementos que a caracterizam:
- elemento subjetivo: ausência de culpa;
- elemento objetivo: inevitabilidade do evento.
Apesar do legislador tratá-los como fenômenos idênticos, a doutrina os diferencia. Mesmo na doutrina não há consenso sobre a caracterização dos dois institutos. Exemplificativamente, destaca-se o entendimento do professor Silvio Rodrigues: "...o caso fortuito constitui um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com sua empresa, enquanto a força maior advém de um acontecimento externo". Fato é que ambos os institutos têm a mesma conseqüência: isentar o devedor da responsabilidade pelo descumprimento da obrigação.
2 MORA
Destaca-se que no Direito das Obrigações a regra é o adimplemento,
sendo que nas palavras do professor Silvio Rodrigues: "Com efeito, as obrigações
devem ser cumpridas e a inexecução representa um rompimento da
harmonia social, capaz de provocar a reação do interessado...".
O descumprimento da obrigação pode ser relativo ou absoluto. A mora é o inadimplemento relativo, sendo caracterizado quando a obrigação não for cumprida no tempo, lugar e modo devidos, mas ainda pode ser cumprida de forma proveitosa para o credor. O inadimplemento absoluto dá-se quando a obrigação não for cumprida e nem puder sê-la de forma proveitosa para o credor.
A mora vem disciplinada no Novo Código pelo artigo 394:
"Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer".
Deste modo, fala-se em mora do credor e mora do devedor, ou respectivamente, mora accipiendi e mora solvendi
A mora accipiendi tem como pressupostos:
- existência de dívida líquida
e vencida;
- oferta do pagamento pelo devedor;
- recusa do credor em receber. A mora do credor é constituída,
normalmente, através de ação de consignação
em pagamento ou interpelação judicial do credor para fornecer
a quitação.
A mora solvendi, por sua vez, tem como pressupostos:
- existência de dívida líquida
e vencida;
- inexecução culposa pelo devedor;
- interpelação judicial ou extrajudicial, quando a dívida
não for a termo.
Para a caracterização da mora do devedor deve haver culpa deste, entretanto, o mesmo não se exige do credor. Assim, a recusa do credor frente a vontade do devedor de cumprir com a obrigação deve ser justa, caso contrário, estará caracterizada sua mora. Importante, que a justa causa do credor coincide com a culpa do devedor.
Como conseqüências da mora do devedor, tem-se:
" Artigo 395: Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado
Parágrafo único: Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos".
Assim, da mora solvendi surge a necessidade de indenizar. Entretanto, há duas exceções a essa regra:
- se a prestação, por causa da mora,
tornar-se inútil ao credor, este poderá rejeitar o seu cumprimento
e exigir perdas e danos. Importante que a auferição da utilidade
ou da obrigação deve ser subjetiva, ou seja, deve-se ter como
referência a figura do credor;
- a segunda exceção está disciplinada no artigo 399: "O
devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora
essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior; se estes
ocorrem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou
que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente
desempenhada".
Em contrapartida, como conseqüências da mora do credor, tem-se:
"Artigo 400: A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação".
Analisemos cada uma das conseqüências:
a) Subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade
pela conservação da coisa: em regra, todo aquele que guarda coisa
alheia é responsável por sua conservação. Entretanto,
se a guarda advém da mora accipiendi, não há razão
alguma em impor o ônus ao devedor de se responsabilizar pela coisa, uma
vez, que já demostrou interesse em cumprir com sua obrigação
na relação jurídica;
b) Obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la:
o devedor não é obrigado a conservar a coisa injustamente recusada,
mas, se assim age, tem direito de ser reembolsado pelas despesas disso decorrentes;
c) Sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável
ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento
e o da sua efetivação: se, em virtude da injusta recusa em receber
o objeto da prestação, este sofre uma variação em
seu valor, o devedor tem o direito em escolher o valor pelo qual realiza a prestação,
podendo, eventualmente, ser ressarcido pela diferença.
O artigo 397 disciplina que : "O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único: Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial e extrajudicial". Assim, nas obrigações com prazo, uma vez extinto, sem que tenha havido o cumprimento da obrigação, o inadimplemento constitui-se de pleno direito. Já, nas obrigações sem prazo, faz-se necessária a interpelação judicial ou extrajudicial, para que o inadimplemento se constitua.
2.1 PURGAÇÃO DA MORA
Configura-se em um procedimento espontâneo do contratante moroso, pelo qual ele se prontifica a remediar ou a consertar a situação a que deu causa, sujeitando-se aos efeitos dela decorrentes.
Está disciplinada no artigo 401:
"Purga-se a mora:
I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;
II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data".
Importante, que a purgação da mora mostra-se impossível se a obrigação tornou-se inútil ao credor.
Outra questão é a de saber até quando pode a purgação da mora ser oferecida. A tese que a maioria doutrinária defende é a de que pode a qualquer momento, mesmo depois de iniciada a ação executiva contra o devedor ou a consignatória contra o credor.
3 PERDAS E DANOS
No artigo 389, observamos que do inadimplemento da obrigação surge o dever de pagar perdas e danos. Resta saber no que se constitui as perdas e danos. E tal resposta encontramos no artigo 402:
" Salvo exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar".
Com isto, tem o devedor inadimplente o dever de indenizar, ou seja, deve reparar os prejuízos causados. A indenização independe da existência de dolo ou não, bem como do grau de culpa do inadimplente. Basta que tenha havido culpa no inadimplemento, para que o devedor seja obrigado a indenizar e a indenização tem que ser a mais completa possível, a fim de, realmente, tornar indene o credor. Outra questão é: mesmo havendo inadimplemento, mas se o credor não experimentar nenhum prejuízo em decorrência disto, não há que se falar em indenização.
Observa-se, também, da leitura do referido artigo, que as perdas e danos envolvem o que realmente o credor perdeu, bem como, o que razoavelmente deixou de lucrar. Com isto, a indenização envolve o dano emergente e o lucro cessante.
O dano emergente é a diminuição patrimonial sofrida pelo credor, é aquilo que ele efetivamente perde, seja porque teve depreciado o seu patrimônio, seja porque teve seu passivo aumentado. Já, o lucro cessante consiste na potencial diminuição do patrimônio do credor, pelo lucro que deixou de auferir, em conseqüência do inadimplemento do devedor.
Importante que, em relação às perdas e danos, eles compreendem, tão somente, os prejuízos efetivos ou potenciais que decorram direta e imediatamente do inadimplemento do devedor. Ainda, os lucros cessantes envolvem os que foram ou podiam se previstos na data da obrigação. Com isto, quis o legislador afastar qualquer possibilidade do denominado enriquecimento ilícito.
Por fim, o Novo Código inovou, ao possibilitar que o juiz convencione indenização suplementar, caso fique provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo sofrido.
4 JUROS LEGAIS
Os juros, em Direito Civil, são denominados "frutos civis"
e servem para remunerar o credor por ficar privado de seu capital e para pagar-lhe
o risco em que incorre em não recebê-lo de volta.
Os denominados juros moratórios constituem-se na indenização pelo prejuízo resultante do retardamento culposo. Com relação a eles, o Novo Código inovou ao substituir a taxa de juros fixa de 6% ao ano (quando não houvesse convenção entre as partes) pela taxa que estiver sendo cobrada pela Fazenda Nacional pela mora nos pagamentos do tributos federais.
Destaca-se o artigo 407:
"Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes".
Com isso:
- os juros de mora são devidos sempre que
tenha havido demora culposa do devedor em cumprir com sua obrigação
ou do credor em receber a prestação;
- independentemente da natureza da obrigação, os juros moratórios
são sempre devidos. Se a obrigação for pecuniária,
os juros incidirão sobre a quantia devida. Caso contrário, os
juros incidirão sobre o valor em dinheiro que vier a ser determinado,
em sentença, arbitramento ou acordo das partes, como equivalente ao objeto
da prestação descumprida.
5 CLÁUSULA PENAL
No Código de 1916, a Cláusula Penal era tratada no título
das modalidades de obrigação. Com o Novo Código, passa
a ser disciplinada no título referente ao inadimplemento das obrigações.
Por meio dessa cláusula, o devedor se vincula a se submeter a uma pena, anteriormente estipulada, se der causa ao descumprimento do contrato.
Ao analisar a sua natureza jurídica, o professor Silvio Rodrigues fala que é uma obrigação acessória de um contrato principal, possuindo as seguintes finalidades:
- reforçar a obrigação principal;
- representa um sucedâneo, pré-avaliado, das perdas e danos devidos
pelo inadimplemento do contrato.
Existem duas espécies de cláusula penal, a compensatória e a moratória. A primeira refere-se a hipótese de inexecução completa da obrigação e a segunda, às hipóteses de descumprimento de alguma cláusula especial ou simplesmente mora.
É muito importante diferenciá-las, pois possuem disciplinas diferentes. Assim, é defeso cumular o pedido da pena compensatória com o de cumprimento da prestação ou com o indenização das perdas e danos. Pois, ao convencionarem-na, as partes objetivaram estipular o valor da indenização para o caso de inadimplemento absoluto.
Entretanto, se a cláusula penal tiver o escopo de assegurar o cumprimento de um cláusula da avença, sendo cláusula moratória, a lei permite cumular o pedido de multa ao da prestação principal. Nesse sentido:
"Artigo 411: Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal".
Muitas vezes, na prática, é difícil diferenciar essas duas espécies de cláusulas. O critério utilizado é o do valor. Quanto mais perto estiver do valor da obrigação principal, maiores as chances de se estar diante de uma cláusula compensatória, pois é mais provável que as partes a convencionaram prevendo a possibilidade do inadimplemento absoluto da obrigação.
Em relação ao valor, destaca-se a limitação imposta pelo artigo 412:
"O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal".
6 ARRAS
O professor Silvio Rodrigues define as arras da seguinte maneira: "...constituem
a importância em dinheiro ou a coisa dada por um contratante ao outro,
por ocasião da conclusão do contrato, com o escopo de firmar a
presunção de acordo final e tornar obrigatório o ajuste;
ou ainda, excepcionalmente, com o propósito de assegurar, para cada um
dos contratantes, o direito de arrependimento".
Com isto, existem duas espécies de arras:
- confirmatórias: que visam a demonstrar
a existência da composição final de vontades;
- penitenciais: que visam assegurar às partes o direito de se desdizerem,
mediante a perda do sinal, por quem o deu, ou a sua devolução
em dobro, por quem o recebeu.
Caso a obrigação venha a ser cumprida normalmente, as arras deverão ser descontadas do preço ou restituídas a quem as prestou.
7 CONCLUSÃO
A lei 10.406 traz uma série de inovações no Título IV : Do Inadimplemento das Obrigações (do Livro I, na Parte Especial), visando reforçar e estimular o normal cumprimento das relações jurídicas.
E isto não se contrapõe ao princípio
da autonomia da vontade, mas, ao contrário, representa uma releitura
desse princípio, enquadrando-o numa visão mais social, visando
criar uma perfeita sintonia entre as normas de Direito Civil e as normas constitucionais.