OMISSÃO DO DIRIGENTE DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

EMENTA

PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE

SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - APROVADO PRETERIDO EM SUA

NOMEAÇÃO E POSSE E, POSTERIORMENTE, ANISTIADO - OMISSÃO NO

CUMPRIMENTO PELO DIRIGENTE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA -

BANCO DE BRASÍLIA - BRB - ATO DE AUTORIDADE E NÃO DE GESTÃO -

LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA - PREJUDICIAL

AFASTADA.

1 - O dirigente da Sociedade de Economia Mista submete-se, quando pratica

atos típicos do Direito Público, aos princípios que vinculam toda a Administração, como a

moralidade, legalidade, impessoalidade, etc. Logo, tais atos não podem ser classificados

como meros atos de gestão, o que descaracterizaria a simbiose de sua personalidade jurídica.

Sendo o Banco de Brasília - BRB um ente paraestatal e seu administrador nomeado,

inclusive, pelo Poder Público, a impugnação do ato omissivo que não acatou a anistia

homologada, a qual determinou a nomeação e posse do recorrente, aprovado em concurso

público para o cargo de Economista, é passível de impugnação através do remédio

constitucional do mandado de segurança. Inteligência do art. 1º, da Lei nº 1.533/51.

2 - Recurso conhecido e provido para, reformando in totum o v. acórdão de

origem, rejeitar a preliminar que declarou incabível o mandado de segurança e determinar o

retorno dos autos ao Tribunal de a quo, para que julgue o mérito da impetração.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram os Srs. Ministros LAURITA

VAZ, JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, FELIX FISCHER e GILSON DIPP.

Brasília, DF, 27 de maio de 2003 (Data do Julgamento)

MINISTRO JORGE SCARTEZZINI, Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 413.818 - DF (2002/0018656-9)

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Cuida-se de

Recurso Especial em Remessa "Ex Officio" em Mandado de Segurança interposto por

EXPEDICTO ROBERTO DE MENDONÇA, com fundamento no artigo 105, III, "a" e "c",

da Constituição Federal, contra o v. acórdão de fls. 1.243/1.255, proferido pela Egrégia

Quarta Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que, por maioria, deu

provimento à remessa "ex officio", acolhendo a preliminar de inadmissibilidade do Mandado

de Segurança, tendo em vista não ser o BRB - Banco de Brasília parte legítima a figurar no

pólo passivo da demanda. A ementa do julgado encontra-se expressa nos seguintes termos,

verbis:

"CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSO

CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - ATO DE DIRIGENTE

DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA RELATIVO A

CONCURSO PARA ADMISSÃO DE EMPREGADO -

INADMISSIBILIDADE - EXTINÇÃO DO PROCESSO.

1. Na esteira de precedentes desta Corte, os atos praticados por

dirigentes de sociedade de economia mista (BRB), no

concernente ao concurso para admissão de empregado,

qualificam-se como de gestão, não comportando ataque por

mandado de segurança.

2. Processo extinto."

Sustenta o recorrente, nas razões do especial, em síntese, que houve omissão

por parte da autoridade coatora, tendo em vista não haver sido nomeado e empossado no

cargo de Economista do BRB - Banco de Brasília, embora houvesse sido aprovado em

concurso público (em 4º lugar) e anistiado pela Comissão Geral de Anistia do Governo do

Distrito Federal, homologada pelo Sr. Governador do Distrito Federal. Alega, também,

constituir, a referida omissão, em ato de autoridade, face ao caráter público do certame,

ofendendo, o v. acórdão atacado, o art. 1º, da Lei 1.533/51. Aduz, ainda, divergência

jurisprudencial (fls. 1.257/1.283).

Contra-razões apresentadas às fls. 1.310/1.313.

Admitido o recurso (fls. 1.315/1.316), vieram-me conclusos os autos.

A douta Subprocuradoria-Geral da República opina pelo conhecimento e

desprovimento do recurso (fls. 1.339/1.343).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 413.818 - DF (2002/0018656-9)

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presidente,

preliminarmente, registro que o dissídio jurisprudencial sustentado pelo recorrente foi

devidamente comprovado, a teor do art. 255 e parágrafos do Regimento Interno desta Corte.

No tocante ao mérito, o recurso merece ser conhecido e provido.

Alega o recorrente, com fundamento na alínea "a", do permissivo

constitucional, afronta ao art. 1º, § 1º, da Lei 1.533/51. Estando a matéria prequestionada,

afasto a incidência da Súmula 356/STF, para conhecer do recurso, sob este aspecto, passando

a seu exame.

Cuida-se, na verdade, de ação mandamental proposta contra ato omissivo do

Sr. Presidente do BRB - Banco de Brasília, que não nomeou e empossou o recorrente no

cargo de Economista da referida instituição, em razão de seu "passado político", embora o

mesmo houvesse sido aprovado em concurso público e tivesse sido anistiado pela Comissão

Geral de Anistia do Governo do Distrito Federal, homologada pelo Sr. Governador do

Distrito Federal.

O pedido foi extinto, sem julgamento do mérito, ao entendimento de que "os

atos praticados por dirigentes de sociedade de economia mista (BRB), no concernente a

concurso para admissão de empregado, qualificam-se como de gestão, não comportando

ataque por mandado de segurança".

Passo ao exame do pedido.

O cerne da questão está na seara meramente processual (legitimidade passiva

ad causam), ou seja, em saber se ato praticado por dirigente de sociedade de economia mista,

pessoa jurídica de direito privado, é de gestão empresarial ou de autoridade, hipótese em que

seria passível de impugnação através da ação mandamental.

HELY LOPES MEIRELLES, in, "Direito Administrativo Brasileiro",

Malheiros Editores, SP, 27ª. edição, p. 355/356, ensina-nos o seguinte:

"As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de

Direito Privado, com participação do Poder Público e de particulares no seu

capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou

serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma de empresas

particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedades

mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem sua criação

e funcionamento. São entidades que integram a Administração indireta do

Estado, como instrumentos de descentralização de seus serviços (em sentido

amplo: serviços, obras, atividades).

Como pessoa jurídica privada, a sociedade de economia mista

deve realizar, em seu nome, por sua conta e risco, serviços públicos de

natureza industrial, ou atividade econômica de produção ou comercialização

de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro, que o Estado reputa de

relevante interesse coletivo ou indispensável à segurança nacional. O objetivo

dessa descentralização administrativa é o de utilizar o modelo empresarial

privado, seja para melhor atendimento aos usuários do serviço público, ou

para maior rendimento na exploração da atividade econômica. Além disso, a

sociedade de economia mista permite a captação de capitais privados, assim

como a colaboração desse setor na direção da empresa.

Conciliam-se, deste modo, a estrutura das empresas privadas

com os objetivos de interesse público. Vivem, portanto, em simbiose o

empreendimento particular com o amparo estatal. Esse amálgama da

Administração com o administrado levou Raymond Racine a proclamar que,

embora reguladas pelo Direito Privado, as sociedades de economia mista

adentram também o domínio do Direito Público." (negritei)

Não resta dúvida de que o BRB - Banco de Brasília é uma sociedade de

economia mista. Sendo assim, esta possui peculiaridades públicas quanto ao seu regime,

confrontando com as normas meramente de Direito Privado que regem as Instituições

Bancárias. Isto porque, sendo o seu capital majoritário (51%) pertencente à Administração

Pública do Distrito Federal, seus atos vinculam-se à entidade que o criou. Outrossim, os atos

administrativos devem se sujeitar aos princípios gerais que norteiam a Administração.

Neste diapasão assinala CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, in

"Curso de Direito Administrativo", Malheiros Editores, 4a. edição, p. 178/179:

"De toda sorte, quaisquer empresas públicas e sociedades de

economia mista - sejam exploradoras de atividade econômica ou seja

prestadoras de serviços públicos (ou responsáveis por obras públicas) -, por

força da própria Constituição, vêem-se colhidas por normas ali residentes

que impedem a perfeita simetria de regime jurídico entre elas e a

generalidade dos sujeitos de Direito Privado. Vejamos, pois, os dispositivos

constitucionais que se aplicam indistintamente a quaisquer sociedades de

economia mista ou empresas públicas, em relação aos quais, portanto, é

irrelevante a disseptação entre os dois tipos mencionados.

(omissis)

(3) O art. 37, caput, declara submissas aos princípios da

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência a

Administração direta, indireta ou fundacional, em todas as esferas e níveis de

governo.

(4) O inciso II do mesmo artigo impõe concurso público, de

provas ou de provas e títulos, para a admissão em cargos ou empregos na

Administração direta ou indireta." (negritei)

Na esteira de culta doutrina, o administrador da sociedade de economia mista

submete-se àqueles princípios elencados no art. 37, da CF/88, vinculando seus atos à

moralidade, legalidade, impessoalidade, etc. Logo, não podem ser classificados como meros

atos de gestão, o que descaracterizaria a simbiose de sua personalidade jurídica. Desta forma,

sendo a referida entidade, BRB - Banco de Brasília, ente paraestatal, e seu dirigente nomeado,

inclusive, pelo Poder Público, a impugnação do ato omissivo que não acatou a anistia

deferida é passível de impugnação através do remédio constitucional do mandado de

segurança.

Para que dúvida alguma paire, CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,

in "Manual do Mandado de Segurança", Ed. Renovar, RJ, 1998, 3a. edição, p. 28/30, assim

preleciona, verbis:

"É necessário, todavia, que não se tenha por absoluto o

cabimento do writ em todos os casos contra ato dos dirigentes das instituições

antes alinhadas. O critério a ser utilizado para decidir é o da natureza do ato.

Se o conteúdo traduz uma manifestação delegada do Poder Público, é

indiscutível que o mandamus é o meio apropriado.

(omissis)

Considerando o conceito de autoridade para justificar a

impetração o mais amplo possível, o Superior Tribunal de Justiça, relator o

Ministro Demócrito Reinaldo, assentou que os "princípios constitucionais a

que está sujeita a administração direta e indireta (incluídas as Sociedades de

Economia Mista) impõem a submissão da contratação de obras e serviços

públicos ao procedimento da licitação, instituto juridicizado como de direito

público. Os atos das entidades da Administração (direta ou indireta)

constituem atividade de direito público, atos de autoridade sujeitos ao

desafio pela via da ação de segurança". Por outro lado, o mesmo Superior

Tribunal de Justiça afirmou que não se equipara "a ato de autoridade aquele

praticado pelo gerente do banco comercial, encarregado de realizar o crédito

dos vencimentos dos funcionários públicos, para debitar na conta corrente do

impetrante despesas realizadas com cartão de crédito". (negritei)

Ademais, quanto ao conceito de ato de autoridade pública, passível de

contestação via mandado de segurança, tanto a doutrina como a jurisprudência atribuem ao

termo o sentido mais amplo possível, de modo a incluir não só os atos praticados por

autoridades públicas da administração direta, autárquica e fundacional, mas também os

emanados de administradores de paraestatais ou representantes de entidades da administração

indireta, investidos em funções públicas, e os de pessoas naturais ou jurídicas com funções

delegadas. Devem tais atos estar revestidos do interesse estatal. No caso concreto, o concurso

público e a anistia são atos típicos de Direito Público e a omissão em cumpri-lo não pode ser

considerada mero procedimento interno, de gestão.

Neste sentido, as lições de HELY LOPES MEIRELLES, in, "Mandado de

Segurança", Malheiros Editores, SP, 15ª. edição, p. 22, verbis:

"Para fins de mandado de segurança, contudo, consideram-se

atos de autoridade não só os emanados das autoridades públicas propriamente

ditas como, também, os praticados por administradores ou representantes de

autarquias e de entidades paraestatais e, ainda, os de pessoas naturais ou

jurídicas com funções delegadas, como são os concessionários de serviços de

utilidade pública, no que concerne a essas funções (art. 1º, § 1º)."

Finalmente, concluindo, entendo que o ato omissivo praticado por dirigente de

sociedade de economia mista da administração indireta do Distrito Federal, é ato de

autoridade e não ato de gestão, como afirmado pelo Tribunal a quo e, portanto, passível de

impugnação através do mandamus.

Por tais fundamentos, conheço do recurso e lhe dou provimento para,

reformando in totum o v. acórdão recorrido, rejeitar a preliminar que declarou

incabível o mandado de segurança e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de

origem, para que julgue o mérito da impetração.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2002/0018656-9 RESP 413818 / DF

Números Origem: 20000150045367 4949096

PAUTA: 27/05/2003 JULGADO: 27/05/2003

Relator

Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro GILSON DIPP

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ARX DA COSTA TOURINHO

Secretária

Bela. LIVIA MARIA SANTOS RIBEIRO

 

 

SUSTENTAÇÃO ORAL

SUSTENTOU ORALMENTE: DR. EDUARDO BERNARDES (P/RECTE)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na

sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos

termos do voto do Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Laurita Vaz, José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson

Dipp votaram com o Sr. Ministro Relator.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 27 de maio de 2003

LIVIA MARIA SANTOS RIBEIRO

Secretária

 

FONTE: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.