Ministério Público do Ceará

Procuradoria-Geral de Justiça

Serviço Especial de Defesa Comunitária - DECOM

 

 

 

 

 

 

EMENTA: Contrato de compra e venda de imóvel - necessidade de cláusula resolutiva - Impossibilidade de perda total das prestações pagas - CABIMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA CONTRA CREDOR.

O Serviço Especial de Defesa Comunitária da Procuradoria Geral de Justiça no Estado do Ceará - DECOM, em 14.09.99 foi procurado pelo .............., com endereço na reclamação em análise, com a finalidade de receber deste Órgão Ministerial parecer acerca de fato envolvendo desistência voluntária da aquisição de imóvel, autorização para cessão ou transferência de imóvel, cobranças posteriores de débitos e conseqüente abalo de crédito, bem como desejo de ressarcimento de quantias pagas, haja vista reclamação de mau procedimento moral da .................

O reclamante, em síntese, alega que pactuou a compra de um apartamento junto a PREVCON, mais precisamente no condomínio Praia Sol, apartamento 902 do Bloco C, através de financiamento, sempre efetuando os pagamentos como avençado em contrato.

O reclamante, em audiência realizada no DECOM em 08.11.99 às 14:00h, explanou que ao ver a propaganda de "um excelente" apartamento na Avenida Mister Hull para vender em prestações fixas, avençou, mediante contrato escrito com a reclamada, na forma contrato de adesão, para adquirir o imóvel supradescrito.

Ressalte-se, antes de tudo, que a audiência realizada no DECOM se deu na segunda tentativa, uma vez que a audiência marcada anteriormente para o dia 11.10.99 às 14:00h, não teve a presença da PREVCON.

O reclamante ao fechar o negócio de compra e venda com a reclamada, pagou de entrada a importância de R$ 189,12 (cento e oitenta e nove reais e doze centavos) referente a adesão do contrato. Foi informado, no ato, de que este não seria o primeiro pagamento da parcela referente a compra do bem, embora as demais tivessem o mesmo valor. Junta cópia da MP referente ao valor da adesão, pago em 24.07.1997.

O reclamante, após o pagamento da adesão R$ 189,12, deu início a aquisição de um apartamento, que conforme a planta baixa, tudo parecia muito bem. Quando já havia pago mais 12 (doze) prestações, num total de 13 (treze), foi ao local da construção do imóvel e percebeu que o apartamento era muito pequeno e mal dava para acomodar uma pequena família. Sentiu-se enganado pelo oferecimento do bem. Na verdade, visitando outro imóvel igual e já decorado, percebeu que o imóvel adquirido não acomodava sua família, razão que, em 08.10.98, segundo o reclamante, fez requerimento de desistência e solicitou a devolução do que foi pago pelo mesmo ao órgão contratado - PREVCON.

O reclamante, conforme faz prova com a cópia anexa do Termo de Autorização de Cessão/Transferência do imóvel em comento, desistiu da compra e autorizou a PREVCON negociar o apartamento. Não obteve êxito.

Apesar de se munir de documento de desistência do imóvel, o reclamante, após um ano sem pagar, já que demonstrara total desinteresse pelo imóvel, começou a receber cobranças da reclamada via AR dos correios. Procurou a PREVCON e lá foi informado de que seu apartamento foi leiloado e que o mesmo desconsiderasse qualquer carta de cobrança à respeito.

Segundo o reclamante, não bastaram as informações, mesmo após o leilão do imóvel continuaram as cobranças. Os abusos e insistências foram de tal forma que o reclamante, injustificadamente, está com seu crédito abalado comercialmente.

Apesar da realização do leilão à revelia do reclamante, ou seja, ter ocorrido desvestido de toda legalidade, ainda assim, alega a reclamada que o reclamante continua devedor da PREVCON e insiste abusivamente nas cobranças, prática característica de locupletamento ilícito.

NINGUÉM SERÁ PRIVADO DA LIBERDADE OU DE SEUS BENS SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL.

(ART. 5º, LIV - CF/88)

Os pagamentos efetuados pelo reclamante somam R$ 2.506,25 (DOIS MIL QUINHENTOS E SEIS REAIS E VINTE E CINCO CENTAVOS), como provaram todas as cópias juntas ao processo reclamatório.

A reclamada, representada no ato pelo advogado Lívio Cavalcante de Arruda Neto, OAB-CE. 9976, que juntou procuração, disse que o método de aquisição do imóvel se dá pela formação de grupos e que o comprador ao aceitar o negócio, não há como sair do grupo, só a desistência não satisfará, será necessário que o desistente entregue o bem aos corretores da PREVCON para posterior venda ou o próprio desistente o negocie.

Disse, ainda a reclamada que o procedimento para devolução do bem e realização do leilão do imóvel está garantido pelos arts. 58 e seguintes da Lei 4.591/64 e pelo art. 63 e parágrafos da mesma lei.

O advogado da reclamada, na audiência, argüiu sua condição de parte ilegítima para figurar na presente reclamação posto que quem realizou o leilão foi o condomínio Praia Sol por sua comissão de representantes.

2. Colocados os termos da questão, segue-se o parecer.

Diante dos fatos supradescritos, conclui-se, sem muito esforço, que a parte reclamada sofre por cobranças abusivas feitas pela PREVCON.

É de consumo o contrato de compra e venda pelo Sistema Nacional de Pré-aquisição de imóveis a preço de custo, pois as regras da lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) são gerais e, embora não revogada a lei especial e não tratando de nenhum contrato em particular, aplica-se imperativa e imediatamente a todos os contratos de consumo (imobiliários, bancários, securitários, comerciais etc), por sua característica de ordem pública e interesse social (arts. 1º, 2º parágrafo único e 3º §§ 1º e 2º CDC).

O incorporador que faz venda antecipada de apartamentos para arrecadar capital necessário para a construção de prédio caracteriza-se como fornecedor de bem de consumo pela obrigação de dar (transferência definitiva) e de fazer (construir), com relação ao promitente comprador como destinatário final ou como consumidor equiparado (art. 29 CDC).

Ora, como é engraçado, o reclamante desistiu da compra do imóvel, fez documento de desistência autorizando a PREVCON repassar o bem a quem interessar, teve seu imóvel leiloado depois de 12 (doze) prestações pagas além da prestação de adesão. Então, sobre o imóvel não poderia mais haver débito, pois se foi leiloado, obviamente houve lanço e houve oferecimento de dinheiro sobre o mesmo. onde está o débito? Porque ainda emitem cobranças se o bem já foi repassado a terceiro onerosamente?

Verdadeiramente, à luz da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, o reclamante tem razão. Precisa ser ressarcido do que pagou, com os descontos das despesas administrativas que teve o grupo ou a reclamada pelo mesmo. Ademais, é admissível que os descontos variem em torno de 10% a 15%, a partir daí já se considera exagero.

O aditamento ao elenco do art. 51 do CDC (portaria nº 4, de 31.03.98), itens 5, 6 e 13, recomenda a nulidade da pretensão da reclamada quando estabelece em cláusula a perda total ou desproporcionada das prestações pagas pelo consumidor, aqui reclamante;

Item 5:

Estabeleçam a perda total ou desproporcionada das prestações pagas pelo consumidor, em benefício do credor, que, em razão de desistência ou inadimplemento, pleitear a resilição ou resolução do contrato, ressalvada a cobrança judicial de perdas e danos comprovadamente sofridos;

item 6:

Estabeleçam sanções em caso de atraso ou descumprimento da obrigação somente em desfavor do consumidor;

Item 13:

Estabeleçam a devolução de prestações pagas, sem que os valores sejam corrigidos monetariamente.

Ademais, o mesmo Diploma Legal, no art. 53 também dá razão ao reclamante em querer de volta o que pagou, com os devidos descontos:

Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a PERDA TOTAL das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Sobre a alegativa do reclamante de que a reclamada ofereceu inadequadamente o produto, esta, mais uma vez fere o art, 31 do CDC. Acresça-se que, embora o reclamante não tenha provado a propaganda considerada enganosa, acolhemos o reclamo haja vista as diversas reclamações registradas neste DECOM contra tais procedimentos da PREVCON.

Não merece acolhida, pois, o desejo da reclamada querer sair do problema alegando ser parte ilegítima. Como não? Se o contrato para aquisição do imóvel foi firmado entre reclamante/comprador e reclamada Porto Freire Engenharia e Incorporação Ltda. - PREVCON/vendedor !

O contrato de compra e venda do imóvel em comento, trata-se de contrato de adesão, instrumento que pode promover o desequilíbrio na relação de consumo, pré-redigido pelo detentor do poder de elaborar lei privada à qual adere o consumidor, sem condição de discutir, de opinar, de manifestar sua vontade livre, senão com respeito à sua submissão à vontade do fornecedor. Os contratos de adesão, como são os da PREVCON, limitam a autonomia da vontade ao equilíbrio da relação jurídica de consumo. Ao princípio PACTA SUNT SERVANDA contrapõem-se os princípios da boa-fé, transparência, equilíbrio e equidade, bem como da vulnerabilidade do consumidor nos negócios jurídicos (art. 4º, I e III CDC).

O Código de Defesa do Consumidor dispõe claramente em seu art. 6º que o reclamante, diante deste fato, terá que ser reconhecido como o lado vulnerável da relação consumerista, ser-lhe facilitado a defesa de seus direitos e, inclusive, atribuir-lhe a inversão do ônus da prova.

Adite-se que a Lei 8.078/90, em seu art. 39, V, dispõe que:

"É vedado ao fornecedor de produtos e serviços exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva".

Ao nosso ver, a reclamada deve, incontinenti, cessar as cobranças ao reclamante, uma vez que, revendido o imóvel (via leilão) desaparece para o desistente débitos sobre o mesmo. Presume-se que a deficiência do grupo, se existia, está suprida. Não se justifica a permanência do reclamante no rol dos inadimplentes. Necessário se faz que a reclamada cumpra na íntegra o que dispõe o art. 53 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Feitas essas considerações, contemplando o caso em tese, deve-se aduzir a procedência do desiderato do reclamante.

Em conclusão, sugerimos que o reclamante, face aos fatos e fundamentos de direito apresentados, procure, sem demora, a tutela jurisdicional do Estado para que se corrijam a arbitrariedade da PREVCON.

"A LEI NÃO EXCLUIRÁ DA APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO LESÃO OU AMEAÇA A DIREITO" (CF/88- ART. 5º, XXXV)"

Este é o parecer, cujo teor submeto à apreciação do Excelentíssimo Senhor Coordenador Geral do DECOM-CE., para que aconselhe ao requerente a agir, desejando, nos moldes dos procedimentos supradescritos.

Fortaleza, 30 de novembro de 1.999

Pedro Eudes Pinto

Assessor Jurídico

Procuradoria Geral de Justiça

DECOM - Ce.

DE ACORDO

Walter Silva Pinto Filho

Promotor de Justiça

Coordenador Geral do DECOM

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