ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA - CLÁUSULA DE ARREPENDIMENTO CONTRATUAL
Órgão : 2ª Turma Cível
Classe : Apelação Cível
N. Processo : 51.598/99
Apelantes : ANTÔNIO VICTOR e OUTRA
Apelada : SOCINTEL DE BRASÍLIA ENGENHARIA LTDA.
Relator : Des. GETÚLIO MORAES OLIVEIRA
Revisor : Des. EDSON ALFREDO SMANIOTTO
EMENTA
CIVIL. CONTRATO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA.
A existência de cláusula de arrependimento em contrato afasta a aplicação do art. 639 do Código de Processo Civil (adjudicação compulsória).
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - Relator, EDSON ALFREDO SMANIOTTO – Revisor e ROMÃO C. DE OLIVEIRA, sob a presidência do Desembargador ROMÃO C. DE OLIVEIRA, em NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília, 15 de junho de 2000
Des. ROMÃO C. DE OLIVEIRA
Presidente
Des. GETÚLIO MORAES OLIVEIRA
Relator
RELATÓRIO
Adoto o relatório constante da r. sentença:
(lê - fls. 52/53).
Acrescento que o MM. Juiz a quo extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, com supedâneo no artigo 267, inciso VI do CPC, ante a existência de dois óbices legais: o imóvel encontra-se indisponível e inalienável, ante a hipoteca cedular feita a favor do Banco do Brasil S/A., e o contrato firmado entre as partes possui cláusula de arrependimento, o que exclui a possibilidade de aplicação do artigo 639 do CPC.
Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, no qual alegam que a Ré estaria obrigada a outorgar-lhes a escritura do imóvel, consoante os termos da cláusula segunda do contrato firmado; que a hipoteca feita ao Banco do Brasil S/A. foi omitida aos Autores; que o Juízo de origem, pronunciando-se quanto às preliminares suscitadas pela Ré, rejeitou a carência de ação, vindo a fazê-lo na sentença; e que há de ser afastada a cláusula de arrependimento, visto que as partes não demonstraram qualquer interesse no desfazimento do negócio jurídico celebrado.
Contra-razões às fls. 74/76, bem como recurso adesivo às fls. 72/73, o qual foi declarado deserto pelo Juízo a quo (fls. 77).
Tendo em vista que fora decretada a falência da Ré, determinei a intimação do Síndico para fins de ciência da ação (fls. 82/87), bem como a remessa dos autos ao Ministério Público, o qual manifestou-se às fls. 92/94, oficiando pelo conhecimento e improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - Relator:
As partes firmaram "Instrumento Particular de Recibo de Sinal e Princípio de Pagamento" para fins de efetivação de venda, pela Recorrida aos Recorrentes, de imóvel situado nesta Capital (fls. 06/07). O preço ajustado foi de Cr$ 140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de cruzeiros), dos quais foram pagos Cr$ 130.000.000,00 (cento e trinta milhões de cruzeiros), restando Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), que seriam liquidados no prazo máximo de 90 (noventa) dias após a entrega, pelos vendedores, dos documentos necessários para a lavratura da escritura de compra e venda do imóvel.
Restou incontroverso nos autos a existência do pacto celebrado pelas partes, assim como que não houve, por parte dos Recorrentes, o pagamento do valor final ajustado, e tampouco a entrega, pela Recorrida, da documentação para a lavratura da escritura. De igual forma, ficou comprovado que o imóvel se encontrava hipotecado a favor do Banco do Brasil S/A. por ocasião da feitura do contrato, permanecendo assim desde então.
Ab initio, é inaplicável o artigo 639 do CPC aos contratos que possuem cláusula de arrependimento, visto que esta exclui a possibilidade de sua aplicação.
Com efeito, "se o pré-contrato ou o ato jurídico preparatório do contrato declara que cabe o arrependimento, ou que do inadimplente só se possa exigir o pagamento de perdas e danos ou de multa previamente estipulada, inadmissível a obtenção da sentença." (In: Manual de Direito Processual Civil, Vol. IV, José Frederico Marques, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Ed. Millennium, pág. 211).
In casu, o instrumento a exibe no parágrafo único da cláusula segunda, ao dispor que "o não cumprimento da apresentação dos documentos acima relacionados, bem como da assinatura da escritura, e, o não pagamento da importância devida, implicará, para a parte faltosa a devolução ou pagamento em dobro à parte prejudicada da importância paga devidamente corrigida pela UFIR" (fl. 06). Insta observar que não ficou pactuado que as partes aguardariam a resolução da hipoteca cedular feita a favor do Banco do Brasil para a lavratura da escritura, mas, ao contrário, estabeleceram prazo certo de noventa dias para a concreção final do negócio jurídico feito.
Por outro lado, a fim de se exercitar, ainda, o direito de adjudicação, mister se torna que, além da inexistência de cláusula de arrependimento, o promissário comprador tenha integralizado o pagamento do preço, utilizando-se das medidas judiciais cabíveis, para fins de atendimento ao disposto no artigo 640 do CPC. Não quitado o preço, por qualquer das formas previstas na legislação, inadmissível, ainda por esse fundamento, a adjudicação compulsória.
Ademais, mesmo se assim não fosse, eventual provimento jurisdicional resultaria inócuo, ante o fato de que o bem encontra-se gravado com ônus real, o que o torna indisponível, cumprindo transcrever a doutrina citada na r. sentença (Caio Mário da Silva Pereira), a qual elucida a questão, verbis:
"... Assim, se uma pessoa não pode validamente vender, é evidente que o contrato preliminar de compra e venda não poderá ter execução compulsória, pois que não caberá impor coativamente uma prestação para a qual o contrato é inapto. É preciso atentar em que a palavra jurisdicional irá suprir a declaração de vontade que a parte recusa fazer espontaneamente, mas não tem o condão de sanar a falta intrínseca, quando a pessoa não está habilitada a proferi-la. Se o contratante necessita da anuência ou da autorização de outrem para que proceda eficazmente, a falta de uma ou outra impede a execução específica. A ausência de outorga uxória é obstáculo a que o contrato preliminar seja coercitivamente exeqüível, porque o marido não poderia, mesmo voluntariamente, realizar o contrato principal, nos casos em que ela é exigível (Instituições de Direito Civil, Forense, 10ª edição, Vol. III, págs. 54/55)." (fls. 54/55).
Expressa a cláusula de arrependimento no contrato, não integralizado o valor pactuado, e recaindo sobre o bem ônus judicial (fl. 12) e extrajudicial (hipoteca – fls. 10/11), inviável se apresenta a adjudicação compulsória, conforme jurisprudência, verbis:
"DIREITO CIVIL – EMBARGOS INFRINGENTES – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – CONTRATO QUE CONTÉM CLÁUSULA DE ARREPENDIMENTO – ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – INVIABILIDADE – O pagamento da parcela final do preço do imóvel se perfaz pelo recebimento espontâneo da parte dos promitentes vendedores, ou através de liberação da obrigação mediante ação de consignação em pagamento. Não quitado o preço pelas formas previstas em lei, não se admite a adjudicação compulsória. Embargos Infringentes Providos." (TJDFT, EI/ApC. nº 19.039/88, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Campos Amaral, DJU 21/09/94, pág. 11.456)
"OBRIGAÇÃO DE FAZER – EMBARGOS DE TERCEIRO – ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – Os embargos de terceiros têm por pressuposto os casos enumerados no artigo 1046 do CPC, fora deles incabíveis a proteção legal. A inserção de cláusula de arrependimento, por si, retira do contrato a força da obrigação de fazer apta a permitir a adjudicação compulsória, sem falar, outrossim, no mais exigido no artigo 640 do Código Processual. A rescisão contratual reconhecida e proclamada prejudica o conhecimento de pedido consignatório, retornando as partes ao statu quo ante." (TJDFT, ApC. nº 30.349/93, Rel. Des. Eduardo de Moraes Oliveira, DJU 22/09/93, pág. 39.113).
"Se o autor não pagou o valor combinado para venda do imóvel compromissado, nem consignou a quantia correspondente ao preço, deixando, assim, de cumprir condição imprescindível à adjudicação compulsória, não pode pretender, através do processo previsto no art. 639 e seguintes do CPC, que o devedor cumpra sua parte no compromisso (AC. Unân. 5ª Câm. do TJMG de 12.8.88, na apel. 76.715-5, rel. Des. Elisson Guimarães; Jurisp. Min. 104/224)". (In: Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Alexandre de Paula, RT, 6ª edição, pág. 2626).
Ante o exposto, nego provimento ao apelo, e confirmo a r. sentença, mantendo-a incólume.
O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Revisor:
- Com o Relator.
O Senhor Desembargador ROMÃO C. DE OLIVEIRA - Vogal:
- Com a Turma.
DECISÃO
Negou-se provimento. Unânime.
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios