CRIMES AMBIENTAIS

 

Apelação Crime n.º 123.072-6, de Mangueirinha (Vara única).
Apelante: Wilson Antônio Zanardi.
Apelado : Ministério Público.
Relator: Juiz Designado José Maurício Pinto de Almeida.





Apelação criminal. Crime ambiental. Art. 56, caput, da Lei Federal n.º 9.605/98 c. c. o artigo 7º, item 7.1, da portaria n.º 22/85 cedem, a Lei Estadual 7109/79 e o Decreto Estadual 857/79, e art. 48 da Lei Federal n.º 9.605/98 c/c. o artigo 2º, itens a, alínea 1 e c, da Lei Federal n.º 4.771/65. Alegação de nulidade pela inobservância do art. 89 da Lei 9.099/95. Somatório do acúmulo material e requisitos subjetivos impeditivos. Inocorrência. Caracterização do crime tipificado no art. 48 da Lei 9.605/98. Prova idônea. Conduta culposa do art. 56 da Lei 9.605/98 inocorrente. Pena corretamente aplicada. Recurso desprovido.

I. Wilson Antônio Zanardi foi denunciado e condenado como incurso nas sanções do artigo 56, caput, da Lei Federal n.º 9.605/98 (c/c o artigo 7º, item 7.1, da Portaria n.º 22/85 SEIN, Lei Estadual 7109/79 e Decreto Estadual 857/79), e no artigo 48 também da Lei Federal n.º 9.605/98 (c/c o artigo 2º, itens a, alínea 1 e c, da Lei Federal n.º 4.771/65), observada a regra do artigo 69 do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:


Em data de 29 de fevereiro de 2000, em horário não precisado, na propriedade rural de Wilson Antônio Zanardi, localizada na Linha São José, neste Município e Comarca, o ora denunciado, agindo com vontade livre e consciente, usou substância tóxica (veneno Azodrin 400), perigosa e nociva à saúde humana e ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na Resolução SEIN n.º 22/85, em seu art. 7º, item 7.1, Lei Estadual n.º 7.109/70 e Decreto n.º 857/79, pois efetuou a aplicação do referido produto tóxico numa distância inferior a dez metros do curso hídrico superficial que abastece duas famílias residentes na localidade de Linha São José, conforme constatado pelo Auto de Infração Ambiental n.º 11625 e Relatório de Ocorrência Policial, em anexo.

O uso e aplicação da substância tóxica supra mencionada foi motivada pelo cultivo de cereais em área considerada por Lei de preservação permanente, vez que localizada ao longo de curso hídrico, cuja largura é inferior a dez metros, razão pela qual deve ser preservada uma cobertura florestal de trinta metros de largura e cento e cinqüenta metros de extensão, nos termos da Lei n.º 4.771/65, em seu art. 2º, item a, alínea 1.

Assim, agindo com vontade livre e consciente, o denunciado impediu a regeneração natural de vegetação em área de preservação permanente, como tal considerada pela Lei supra citada, fazendo-se através de rotação de cultural e em desobediência ao Termo de Embargo n.º 3595, expedido pelo Instituto Ambiental do Paraná aos 02 de Agosto de 1999, caracterizada pelo Auto de Infração Ambiental n.º 11624 em anexo.



Irresignado, apelou Wilson Antônio Zanardi, alegando, preliminarmente, que, pela não-aplicação dos dispositivos previstos nos artigos 27 e 28 da Lei 9605/98 e do artigo 89 da Lei 9099/95, feriram-se os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, o que deveria acarretar em nulidade absoluta do processo. No mérito, argumenta, em síntese, que: a) não infringiu o artigo 48 da Lei 9605/98; b) há carência de provas; c) se incorreu no tipo do artigo 56 da Lei 9605/98, foi culposamente (fls. 154/159).

Em contra-razões recursais, o Ministério Público de primeiro grau requer a mantença da sentença guerreada (fls. 161/169).

A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido de negar provimento ao recurso (fls. 179/184).



II. O recurso não merece provimento.

Argüi o apelante, em sede preliminar, nulidade absoluta do processo por não terem sido aplicados os artigos 27 e 28 da Lei 9605/98 combinados com o artigo 89 da Lei 9099/95, violando-se, assim, o devido processo legal e a ampla defesa.

Contudo, não lhe assiste razão.

Como estabelece o artigo 89 da Lei 9099/95, um dos requisitos objetivos para que o Ministério Público proponha a suspensão do processo é que a pena mínima dos crimes constantes na denúncia seja igual ou inferior a um ano.

Como o acúmulo material dos delitos capitulados na denúncia ultrapassa o mínimo legal de um ano, não há que se falar na aplicação desse benefício.

Observe-se que o magistrado que prolatou a decisão recorrido esteve atento a essa situação processual, tanto que, no início de sua fundamentação, deixou consignado: Não se lhe permite concessão de benefícios processuais, porque a aplicação do art. 69 do Código Penal extrapola o patamar de pena privativa previsto no art. 89 da Lei. 9.099/95, o qual não foi objeto de modificação pela novel legislação (L. 10.259/2001) (fl. 140).

Ademais, não fosse assim, o Ministério Público deixou patente, em suas contra-razões, que os motivos que deram ensejo aos ilícitos e as circunstâncias em que foram praticados não indicam ser suficiente a aplicação do benefício legal, afastando, desse modo, o requisito subjetivo necessário para a formação e concessão da benesse (fl. 164).

Aliás, essas observações judiciais e ministeriais denotam que qualquer outro benefício não seria de se aplicar ao recorrente.

No que tange à tese meritória de não-configuração do crime capitulado no art. 48 da Lei 9605/98, também não assiste razão ao apelante, uma vez que, como adverte Sirvinskas, pune-se a conduta do sujeito ativo que impede ou dificulta a regeneração de florestas de preservação permanente localizadas em área pertencente ao domínio público ou não. É o caso de pessoa que, ao ver uma floresta dizimada ou danificada, mas não por sua culpa, impede a regeneração natural a fim de aproveitar aquela área para realizar plantação de produtos comercializáveis ou utilizá-la como área de lazer. A regeneração natural de florestas consiste em deixar a vegetação, por si só, realizar o trabalho de reconstituirão. Pune-se quem impede ou dificulta esse trabalho da natureza grifou-se (SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n.º 9.605/98, de 12-02-1998. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 172).

Conforme consta no Relatório Técnico do Instituto Ambiental do Paraná, às fls. 07/08, o cultivo de cereais está situada em área de preservação permanente ('definida pelo Código Florestal através da Lei 4771/65, em seu artigo segundo, especificamente neste caso através do item a, alínea 1, que diz: para cursos hídricos menores que dez metros deve ser deixado trinta metros de cobertura florestal'), a qual este instituto já havia oficialmente embargado.

Verifica-se, portanto, a ocorrência do crime tipificado no artigo 48 da Lei 9605/98, haja vista que o cultivo de rotação de culturas praticado pelo apelante impede e dificulta a regeneração natural da forma de vegetação do local, o que foi corroborado por provas idôneas, isentas, de quem vem a Juízo cooperar com a obtenção da verdade real.

O conjunto probatório (Relatório Técnico do IAP- Instituto Ambiental do Paraná, de fls. 07/08; Autos de Infração Ambiental do IAP de números 11625 e 11624, às fls. 10/11; Relatório de Inspeção do IAP de n.º 3024, à fl. 12; Relatório de Ocorrência da Polícia Militar, à fl. 14; fotos de fls. 15/17; Termo de Embargo de fl. 67; Informação Técnica de fls. 109/119 enviada pelo IAP e relatos das testemunhas) caracteriza, estreme de dúvidas, a prática das condutas delituosas oferecidas na denúncia.

Por fim, no que toca à possibilidade de o apelante ter agido culposamente no crime do artigo 56 da Lei 9605/98, o conjunto probatório resta evidenciado que a conduta foi dolosa e não culposa.

O apelante não utilizou o produto Azodrin 400, substância essa altamente tóxica, perigosa e nociva à saúde humana e ao meio ambiente, com mera violação do dever de cuidado.

Como bem enfatizado pela Promotoria de Justiça de primeiro grau, é inadmissível acolher tal versão, eis que não se conduziu o apelante com mera violação do dever de cuidado. Não há dúvida de que o acusado agiu com vontade livre e consciente de praticar as ações incriminadas, sabendo que atuava em desacordo com as exigências legais e regulamentares e que o produto utilizado é altamente tóxico, ou seja, possui a propriedade de envenenar. E prossegue: (...) conforme se colhe das peças de fls. 21/35, há muito a família do Sr. José Savi vinha sofrendo danos à sua saúde em razão do apontado comportamento ilícito do acusado, o qual, diversas vezes, foi advertido pelo referido informante da nocividade de sua conduta (fl.168).

No que respeita à aplicação da pena, nada há a reparar na sentença recorrida, pois o ilustre magistrado bem ponderou todas as circunstâncias, aplicando-as em patamar suficiente à reprovação e à reeducação do infrator.


III. Desse modo, acordam os Magistrados da Segunda Câmara Criminal deste E. Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.

Presidiu o julgamentos Excelentíssimo Senhor Desembargador Carlos Hoffmann, com voto (Revisor), e dele participou o Excelentíssimo Desembargador Telmo Cherem.


Curitiba, 28 de novembro de 2002.



JOSÉ MAURÍCIO PINTO DE ALMEIDA
RELATOR