SOCIEDADE POR QUOTAS DE  RESPONSABILIDADE LIMITADA
Contrato Social Entre Cônjuges

 

Sumário

1. CONTROVÉRSIA QUANTO À SUA VALIDADE

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada entre cônjuges, especialmente quando casados pelo regime de comunhão universal de bens, foi alvo de controvérsia na doutrina e jurisprudência nacional e de outros países, quanto à sua validade, pois afirmava-se que a sociedade assim constituída, afetaria e burlaria o regime de bens do casal, implicando as seguintes conseqüências de ordem jurídica:

a) alteração do regime de bens do casamento, anteriormente adotado pelos cônjuges, o que não é possível, já que o regime de bens escolhido é irreversível;

b) comprometimento da autoridade do marido como chefe da sociedade conjugal;

c) atribuição da responsabilidade do comerciante e todos os lucros sociais, à pessoa física do marido, o que não é previsto pela legislação comercial.

Durante muito tempo, sustentou-se que o contrato firmado entre cônjuges seria nulo e, conseqüentemente, a sociedade irregular e juridicamente inexistente, ou ainda meramente fictícia. Por essas razões, o Registro do Comércio durante muito tempo ofereceu resistência ao registro de contratos constitutivos de sociedades entre cônjuges.

2. POSSIBILIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA ENTRE CÔNJUGES

Com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62), cujo artigo 3º determinou que "pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação", e com a emancipação da mulher casada, a doutrina e os tribunais passaram a entender como possível legalmente o que antes figurava como impossível: a sociedade limitada entre marido e mulher.

Nesse sentido, em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, o Ministro Victor Nunes Leal (Recurso Extraordinário nº 61.582 - RTJ 48/254) sintetizou toda a controvérsia, ficando decidido que a sociedade entre cônjuges, em princípio, ou seja, só pelo fato de ter sido constituída entre cônjuges, não pode ser considerada nula.

Em outro caso, (Recurso Extraordinário nº 9.903 - Rev, For. 122/393), de que foi relator o Sr. Ministro Hahnemann Guimarães, afirmou que "não é nula a sociedade entre cônjuges, salvo quando tenha por fim alterar o regime matrimonial ou retirar do marido a direção da sociedade conjugal".

Referidos julgados, a que se seguiram inúmeros outros, fundaram-se basicamente nas inovações do Estatuto da Mulher Casada, que afastou as objeções relativas a possível alteração do regime de casamento pré-existente entre os cônjuges e a ameaça à autoridade do marido como chefe da sociedade conjugal, bem como institui o patrimônio em separado da mulher ou do marido, ainda que o regime matrimonial seja o de comunhão.

Em sua emancipação, a mulher casada adquire a meação de seus bens, distinta da de seu marido, mesmo no regime matrimonial da comunhão e por isso mesmo com ele pode legitimamente associar-se.

Atualmente, a possibilidade de ameaça à autoridade do marido como chefe da sociedade conjugal não poderia sequer ser aventada, pois, a partir da vigência da nova Constituição Federal, ficou abolida a figura do "cabeça-de-casal" tendo o novo texto constitucional, em seu artigo 226, § 5º estabelecido que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".

Na sociedade por cotas, respondendo o sócio-cotista apenas pelo capital social, assegura com isso o direito dos credores que com a sociedade contrataram, não se podendo, nesse caso, falar em fraude contra terceiros. E o regime matrimonial não ficará comprometido, pois hoje a lei estabelece os direitos da mulher em face dos direitos do marido.

Poderá, no entanto, ser a sociedade declarada nula se, no caso concreto, se concluir que foi constituída entre cônjuges com a finalidade de infringir preceito de lei, de fraude ou simulação.

Em relação ao efeitos da Lei nº 4.121/62, encontram-se resistências quanto à sua exata aplicação, pois ainda algumas Juntas Comerciais têm negado o registro de contratos sociais entre cônjuges, salvo quando deles participem também terceiros.

A posição da jurisprudência atualmente - pondo-se de lado as negativas de alguns tribunais - admite a sociedade entre cônjuges. Sua eventual condenação não se deve ao fato da associação entre marido e mulher, mas à possível intenção de fraude, que naturalmente terá que ser verificada em cada caso.

Anote-se, ainda pelo seu grande conteúdo, o acórdão do Recurso Extraordinário nº 104.597-PR (RTJ 113/1374), cuja ementa é a seguinte: "Sociedade por quota. Marido e Mulher. Sócios exclusivos. Legitimidade. Sem dispositivo legal que a proíba, expressa ou implicitamente, é válida a sociedade comercial entre cônjuges, mesmo comunheiros, somente desconstituível pelos efeitos invalidantes de sua formação".

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